A pobreza energética é um tema recorrente e transversal a todas as partes interessadas, quer instituições académicas e de investigação científica ou ordens e associações profissionais, quer organismos responsáveis pelas políticas públicas. É também muito sentido na pele por uma grande maioria dos portugueses, pelo que nos propomos continuar a revisitar muito do que já escrevemos ao longo dos anos, pois a sua importância e urgência a isso nos obriga. Há que ser persistente neste combate!
O clima em Portugal
Portugal é um país com problemas climáticos quase idênticos à maioria dos países da Europa do Sul, salvo as devidas especificidades. Tem os mesmos ciclos sazonais, mas temperaturas em geral menos extremas. Apesar disso, morre-se de frio e morre-se de calor. Em Portugal, criou-se o mito, e a ideia foi-se desde há muito interiorizando, de que vivemos num país onde as temperaturas são amenas, que se julga ser um país sem inverno, conceito que tem ganhado atualmente maior relevância por influência das boas notícias que nos vão chegando resultantes das ações de divulgação e promoção turística que muito têm contribuído para o aumento do turismo. Os estrangeiros que nos visitam, em geral em visitas fugazes, sentem-se bem no nosso país, mas, num olhar mais crítico, os nacionais nem tanto.
A consciencialização da sociedade para este problema acontece, sobretudo, através das notícias nos meios de comunicação social, aquando da ocorrência de vagas de frio ou de calor, que representam apenas uma pequena parte dos casos declarados e, provavelmente, uma ainda menor parte de todos os casos isolados estimados.
O que fazer para melhorar as condições mínimas de conforto ambiente?
O país comprometeu-se com a melhoria da eficiência energética, a renovação dos edifícios, públicos e privados, e inevitavelmente com a descarbonização do setor do aquecimento e arrefecimento. Tendo em atenção as realidades evidenciadas anteriormente, que medidas poderemos adotar, sem discriminar negativamente as famílias mais carenciadas?
Importa relembrar o facto incontornável da situação de “pobreza energética” que as famílias portuguesas vivenciam, caracterizada pela má qualidade/degradação das habitações, ao que acresce a não disponibilidade de recursos financeiros que lhes permitam aquecer as suas habitações em período de inverno de modo seguro e eficaz (todos os anos continuam a morrer pessoas vítimas da inalação de monóxido de carbono devido à utilização de braseiros numa tentativa de sobrevivência ao frio, morrendo por envenenamento).
A falta de condições de isolamento das habitações está em geral na origem da morte de idosos, a população mais vulnerável, devido às baixas temperaturas que se fazem sentir no inverno.
Esta situação conduz uma significativa faixa da população à “pobreza energética”, em que se utiliza pouca energia e a que se utiliza é mal utilizada, ou seja, de forma ineficiente. Esta é uma situação que não é exclusiva das famílias com menos recursos; afeta também as famílias com recursos moderados.
É um facto, facilmente comprovável, que pobreza energética rima com pobreza económica e mormente com desigualdade. Desigualdade que pode conduzir a uma catástrofe social!
Apenas através de ações programadas, quer pela Comissão Europeia, quer, em Portugal, pela administração pública central e local, será possível mitigar a ineficiência energética que subsiste no parque edificado e, ao mesmo tempo, promover a inclusão, criando apoios diretos controlados às populações mais vulneráveis e financiamentos aos proprietários que permitam implementar com realismo medidas objetivamente comprovadas:
• ao nível da proteção da envolvente (otimizando o isolamento térmico), quer para o verão, quer para o inverno;
• assegurar a ventilação dos espaços com taxas de renovação de ar adequadas e considerar a recuperação de calor se economicamente viável e eficiente;
• prever sombreamento eficaz para proteção solar no verão;
• complementar, se possível, com energias renováveis, nomeadamente o solar térmico para a produção de água quente sanitária, recorrendo à utilização de energia elétrica renovável como sistema de apoio, em substituição de combustíveis fósseis.
A situação atual
Portugal atualmente tem entre 660 mil a 680 mil pessoas que vivem numa situação de pobreza energética severa, o que significa que pertencem a “agregados familiares em situação de pobreza cuja despesa com energia representa +10 % do total de rendimentos” e que acumulam a “situação de pobreza monetária ou económica” com a impossibilidade de manterem as suas casas em condições de conforto térmico.
O número surge na Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 (ENLPCPE 2022-2050), que o Governo colocou em consulta pública entre 19 de janeiro e 3 de março, e que entende ser “consensual considerar que a franja da população que se encontra em situação de pobreza monetária se encontra também em situação de pobreza energética”. Neste documento, pode ler-se o seguinte:
“A Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 (Estratégia) tem como propósito reforçar a importância do cumprimento dos seguintes objetivos indicativos da Estratégia para os horizontes das décadas de 2030, 2040 e 2050, e face aos referenciais identificados:
• População a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida: 10 % em 2030, 5 % em 2040 e < 1 % em 2050 (em relação a 2020);
• População em agregados familiares cuja despesa com energia representa + 10 % do total de rendimentos: 700 000 em 2030, 250 000 em 2040 e 0 em 2050 (em relação a 2019);
• População a viver em habitações com problemas de infiltrações, humidade ou elementos apodrecidos: 20 % em 2030, 10 % em 2040 e < 5 % em 2050 (em relação a 2019);
• População a viver em habitações não confortavelmente frescas durante o verão: 20 % em 2030, 10 % em 2040 e < 5 % em 2050 (em relação a 2012);
Cria o Grupo de Coordenação da Estratégia, para o seu acompanhamento, supervisão e coordenação, coordenado pela Direção-Geral de Energia e Geologia com o apoio técnico e operacional da ADENE – Agência para a Energia, podendo ainda integrar outros organismos públicos e privados.”
A presente estratégia tem como principais objetivos garantir maior conforto nas habitações, mais rendimento disponível e melhor qualidade de vida e saúde para famílias e indivíduos em situação de pobreza energética. Está interligada com outra estratégia nacional, a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, que ambiciona dotar o país de um “parque de edifícios descarbonizado e de elevada eficiência energética” (partindo de um cenário em que quase 70 % dos edifícios têm classe de eficiência C ou abaixo disso).
Mais um pacote legislativo de medidas anunciadas pelo Governo
Em 16 de fevereiro de 2023, o Governo apresentou um conjunto de novas medidas contidas num pacote para combater a crise da habitação intitulado – MAIS HABITAÇÃO – para submeter [entretanto já aconteceu] a discussão pública e, posteriormente, “aprovar em definitivo”. Enumeram-se sinteticamente as grandes linhas das medidas propostas [aquando do fecho da edição]:
- Aumentar a oferta de imóveis para habitação;
- Simplificar os processos de licenciamento;
- Aumentar o número de casas no mercado de arrendamento;
- Combater a especulação;
- Proteger as famílias.
Neste pacote legislativo, com um valor de 900 milhões de euros que serão mobilizados através das verbas do Orçamento de Estado, uma parte significativa das medidas diz respeito ao mercado de arrendamento. O primeiro-ministro precisou que “as verbas em questão vão ser mobilizadas através do Orçamento do Estado, descartando que pudessem ser financiadas através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”. Curioso salientar, citando alguns economistas, que todo o dinheiro do PRR não chegaria para satisfazer cabalmente todas as medidas do pacote legislativo.
“Licenciamentos mais céleres é uma medida que soa bem, já que responde a um problema de décadas; agora o que importa é saber como é que se concretiza, dado que é um tema muito complexo!”
As medidas anunciadas para resolver os problemas na habitação justificam elogios e críticas dos economistas, que alertam para alguns efeitos indesejados. Segundo alguns economistas, nem tudo é bom no pacote de medidas anunciado pelo Governo para a habitação, mas também nem tudo é mau. Os apoios às famílias e a simplificação dos licenciamentos merecem aplausos. Já as medidas para o alojamento local ou os limites às rendas nos novos contratos reprovam na avaliação. Há também anúncios inócuos e outros que trazem riscos.
Licenciamentos mais céleres é uma medida que soa bem, já que responde a um problema de décadas; agora o que importa é saber como é que se concretiza, dado que é um tema muito complexo! Aguardemos, pois, por subsequentes desenvolvimentos.
De sublinhar ainda a responsabilidade dos projetistas
Com a simplificação dos projetos de licenciamento, a responsabilidade dos projetistas de engenharia e arquitetura aumenta e as respetivas ordens profissionais irão obrigatoriamente marcar uma forte presença e um papel relevante nestes processos.
Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2023 da Edifícios e Energia
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.