A Assembleia da República recomendou, ao Governo, na Resolução n.º 62/2023, de 7 de Junho, a criação de condições para o desenvolvimento do Mercado Voluntário de Carbono em Portugal, uma proposta que tem sido discutida ao longo deste ano. Para perceber o impacto desta medida no sector dos edifícios, e também no da construção, e como é que as empresas se devem posicionar, convidámos Carolina Silva, Policy Officer da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. Para a responsável, estes sectores “têm uma oportunidade real de aproveitar o ímpeto e de estarem na vanguarda do mercado voluntário de carbono de amanhã”, uma iniciativa que deverá também acelerar os objectivos de descarbonização.

Actualmente, o mercado de carbono é regulado através do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE) europeu, que está a ser reformulado de modo a incluir, em 2027 ou 2028, um novo sistema específico (CELE II) destinado aos sectores do transporte rodoviário e dos edifícios. Com a possibilidade da criação, em paralelo, de um Mercado Voluntário de Carbono em Portugal, que perspectivas se poderiam traçar para o sector dos edifícios?

O Comércio Europeu de Licenças de Emissão não se cruza, nem poderá cruzar, com o Mercado Voluntário de Carbono, mas a inclusão do sector dos edifícios será um passo importante no sentido de acelerar a transição para a descarbonização ao impor um preço sobre as emissões associadas à utilização de combustíveis fósseis naquele sector. Naturalmente que esta disposição regulatória cria uma pressão adicional sobre o sector, obrigando-o a adoptar soluções mais limpas de aquecimento e arrefecimento, por exemplo. Além disso, com o Pacote Objectivo 55 e com a revisão da Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD, na sigla inglesa), actualmente em trílogos nas instituições europeias, o sector dos edifícios terá que adoptar medidas cada vez mais rigorosas para cumprir com objectivos também eles mais rigorosos em termos de eficiência energética.

Neste quadro, a criação e comercialização de créditos de carbono poderá incentivar o uso de energia renovável, a construção de edifícios com necessidade nula de energia e a renovação profunda nos edifícios existentes. Sem dúvida que projectos de eficiência energética ou a instalação de soluções fotovoltaicas nas fachadas de alguns edifícios apresentam uma excelente oportunidade para aplicar soluções que ainda não são verificadamente rentáveis.

Partindo do pressuposto que serão estabelecidos pontos de partida quantificáveis para calcular/verificar o impacte dos projectos e analisar/verificar a adicionalidade dos mesmos, este tipo de iniciativas poderá constituir não só uma verdadeira mitigação climática, como também uma oportunidade de rentabilizar e, consequentemente multiplicar, soluções para o sector dos edifícios que teriam que ser eventualmente implementadas devido às exigências climáticas cada vez mais rigorosas do enquadramento regulatório europeu e português.

Como é que as empresas do sector dos edifícios se podem melhor preparar para tirarem o máximo proveito de uma eventual implementação deste Mercado Voluntário de Carbono?

É crucial relevar, desde logo, que o foco do eventual Mercado Voluntário de Carbono em Portugal estará nos projectos de gestão florestal, mas, ainda assim, existe espaço para projectos de mitigação de emissões e é neste quadro que as empresas do sector dos edifícios podem e se devem posicionar.

Em primeiro lugar, o sector dos edifícios deve ter em consideração todo o ciclo de carbono dos edifícios, ou seja, [também] as emissões incorporadas. Segundo algumas estimativas, os custos de carbono incorridos através do desenvolvimento, do transporte e da montagem de materiais de construção, bem como da manutenção e da eventual desactivação de activos de construção, podem ser responsáveis por até metade do impacto cumulativo de carbono do ambiente construído aproximadamente 11 % do total anual global.

A eliminação do carbono incorporado num edifício não exigiria apenas a obtenção imediata de operações líquidas zero, mas, [de modo] mais importante, um avanço progressivo nas operações de carbono negativo. Neste quadro, o sector dos edifícios poderá usufruir de alguma vantagem com o Mercado Voluntário de Carbono no sentido de acelerar a transição para edifícios net zero. Além disso, este é um sector que detém uma riqueza de dados operacionais verificáveis, e, como tal, é propício para projectos de compensação de carbono de eficácia padronizada, bem como para processos de monitorização, relatórios e verificação mais duráveis.

Por outro lado, as emissões reduzidas, evitadas ou removidas através de projectos de compensação de carbono no ambiente construído são capazes de satisfazer os critérios centrais dos Princípios Fundamentais de Carbono propostos pelo Conselho de Integridade para o Mercado Voluntário de Carbono (ICVCM), sendo que os resultados de mitigação alcançados por esse tipo de projectos não teriam ocorrido sem o incentivo do crédito de carbono e são permanentes. Os sectores dos edifícios e da construção têm uma oportunidade real de aproveitar o ímpeto e de estarem na vanguarda do mercado voluntário de carbono de amanhã. O que é urgente agora é a vontade de agir e a coragem de experimentar. A participação neste mercado deverá ser especialmente interessante para empresas que queiram acelerar a sua descarbonização e que ao mesmo tempo desejam posicionar-se bem em ratings ESG. Este último aspecto tem “grande potencial”, referindo a atractividade em termos do financiamento que ganham, do ponto de vista dos bancos, para futuros investimentos no modelo de negócio mais sustentável.