Autores: Dimitris Damigos [1]; Paula Fonseca, João Fong, Nelson Silva Brito e Pedro Moura [2]; Fátima Gonçalves e Nuno Morais [3].

Se é verdade que em Portugal sempre se passou frio no inverno, nunca o tema da pobreza energética foi tão badalado no âmbito das políticas públicas sociais e da habitação em Portugal, na Europa e no mundo. Contudo, a pobreza energética não é só matéria de interesse social, sendo também um pilar estratégico no qual importa intervir para o cumprimento das metas impostas pelos compromissos com a descarbonização da economia e a transição energética justa. A atual conjuntura que se vive na Europa e a urgência de execução, em Portugal, do Plano de Recuperação e Resiliência dão uma oportunidade única para minimizar a pobreza energética, intervindo na raiz principal do problema: a qualidade do edificado.

Dados recentes do Eurostat e de outras fontes sobre pobreza energética na Europa indicam que cerca de 7 % dos cidadãos europeus não conseguem aquecer adequadamente as suas casas, 6,4 % admitem atrasos no pagamento das faturas da energia, mais de 16 % gastam uma parte significativa do seu rendimento mensal em energia, enquanto 14,6 % apresentam consumos energéticos anormalmente baixos devido aos baixos rendimentos. A pobreza energética resulta frequentemente da combinação entre preços altos da energia, baixos rendimentos familiares e edifícios e eletrodomésticos pouco eficientes.

A recente crise energética na Europa e o aumento de preços em 2022 contribuem agora para um risco agravado de pobreza energética nas famílias europeias. Os indicadores disponíveis para Portugal mostram uma realidade agravada para as famílias portuguesas, onde 17,5 % dos agregados familiares não conseguem manter a sua casa adequadamente aquecida, 35,7 % da população vive em casas que não são confortavelmente arrefecidas no verão e 25,2 % da população vive em habitações com a presença de, por exemplo, infiltrações, humidades e elementos construtivos podres ou danificados.

Se há países que já têm vindo a apostar na reabilitação do parque habitacional, em Portugal, devido ao clima relativamente ameno e a outras prioridades definidas por razões políticas, em números redondos, continua a ter-se 70 % das habitações com má qualidade e cerca de 90 % dos portugueses não têm conforto térmico em casa. Se é verdade que o problema só se resolve com medidas estruturais e um plano de longo prazo, iniciativas e ações pontuais que incluem a partilha de conhecimento, a informação como ferramenta de mudança comportamental e a prestação de uma variedade de serviços que ajudem à poupança de energia são fundamentais para preparar um plano de ação de combate à pobreza energética eficaz.

O projeto REVERTER

Pela sua posição privilegiada de contacto próximo com a população, as autarquias são agentes prioritários de intervenção local, enquanto facilitadores numa estratégia alargada de envolvimento dos cidadãos, tendo um papel muito significativo para assegurar a adoção em maior escala de soluções eficazes de reabilitação energética dos edifícios. Conscientes da complexidade e da especificidade dos vários stakeholders e saberes que é preciso envolver, o projeto REVERTER – Deep REnovation roadmaps to decrease households VulnERability To Energy poveRty junta universidades e instituições de investigação com competências nas áreas tecnológica e de políticas energéticas e da habitação, agências de energia, quatro municípios responsáveis pela implementação dos projetos piloto e uma entidade que faz a ponte com os intervenientes no mercado.

Bairro do Ingote original [para comparação com a imagem de destaque desta notícia, que representa o Lote 12 do Bairro do Ingote após reabilitação energética].

O projeto REVERTER pretende agilizar a redução da pobreza energética na Europa, integrando temas como a educação, a economia, o ambiente, a sociedade civil e a administração pública na melhoria energética eficaz de edifícios habitacionais. Partindo de uma avaliação integrada e da co-criação com os diversos interlocutores, o projeto REVERTER irá desenvolver nove guiões integrados para renovação energética dos edifícios habitacionais. Estes guiões serão desenhados à medida do contexto territorial, do parque imobiliário, dos agregados familiares (com ênfase nos mais vulneráveis) e das condições climatéricas, com vista a identificar estratégias replicáveis em maior escala. Os guiões visarão, primeiro, as habitações com pior desempenho, para integrar temas como a problemática de “incentivos partilhados” entre proprietários e inquilinos, falhas de mercado, barreiras económicas e falta de informação, assim como a influência dos comportamentos dos consumidores finais nos consumos de energia.

O projeto piloto de Coimbra

Não obstante o município de Coimbra ter vindo a desenvolver ações no sentido da melhoria da eficiência energética do seu parque habitacional e da melhoria das condições de habitabilidade dos seus ocupantes, as intervenções, de cariz maioritariamente estético, carecem de uma aposta profunda e eficaz na reabilitação energética. Há, portanto, ainda um longo caminho para a reabilitação de edifícios residenciais do seu parque da habitação social, dotando-os de um desempenho energético melhorado e de instalação de opções técnicas, tanto ao nível da instalação de equipamentos mais eficientes, como ao da produção de energia no local, de forma a minimizar as necessidades de energia acautelando padrões de conforto dos seus utilizadores.

As políticas públicas municipais adaptadas às realidades locais e aos diversos protagonistas são fundamentais para lidar com o problema da pobreza energética, que urge combater através de respostas concretas e eficazes. Nesse âmbito, a câmara municipal (CM) de Coimbra apresentou, a 7 de dezembro de 2022, o seu Plano de Eficiência Energética para 2023, que vai permitir uma poupança anual superior a 781 mil euros e a redução de 631 toneladas de CO2. O Plano é composto por 12 medidas, entre as quais, na área social, a medida “Auxiliar no combate à pobreza energética do município”, sendo propostas duas ações: a “realização de auditorias a habitações referenciadas pelos Serviços de Ação Social” e a “realização de auditorias energéticas a habitações de munícipes identificados pelas Juntas/Uniões de Freguesia”. Na área da sensibilização, o objetivo é realizar campanhas de comunicação e de sensibilização para diferentes públicos-alvo, enquanto agentes fulcrais para a redução do consumo energético. É imperativo informar, ensinar e aconselhar o consumidor final de forma individual, especializada e adequada à sua necessidade real.

Vista geral sobre o Bairro da Rosa após Reabilitação Energética.

Neste contexto, o projeto REVERTER vai levar a cabo a constituição de um balcão único de energia em Coimbra, sob alçada da CM de Coimbra e com o apoio do Instituto de Sistemas e Robótica – Universidade de Coimbra, com o intuito de endereçar intervenções relacionadas com edifícios em bairros vulneráveis para mitigar a pobreza energética das famílias. O trabalho a desenvolver inclui ações de recrutamento de facilitadores para promover o envolvimento das populações e o intercâmbio de conhecimentos, desenvolvimento de competências e ações de combate à iliteracia energética, com vista a encontrar estratégias de mitigação da pobreza energética que serão refletidas num roteiro de renovações adaptado à realidade da região, quer em termos climatéricos, quer atendendo às condições socioeconómicas.

As soluções preconizadas e algumas estratégias

Longe de ser uma transição trivial, importa minimizar o impacto, inevitável, que a transição energética e a descarbonização dos edifícios vão ter na vida dos portugueses mais vulneráveis, promovendo a implementação de medidas e soluções eficazes que endereçam o aquecimento, o arrefecimento e a qualidade do ar interior das suas habitações. Assim, alinhados com os objetivos ambiciosos da Comissão Europeia, as estratégias preconizadas no REVERTER focam cinco eixos principais:

  • Analisar as técnicas de reabilitação energética existentes e adaptá-las à região, num processo de colaboração multidisciplinar e de co-criação de soluções inovadoras e eficazes em articulação com entidades locais, numa lógica de intervenção pouco invasiva e de análise ao ciclo de vida, cumprindo o enquadramento legal e normativo definido pela regulamentação do desempenho energético dos edifícios;
  • Demonstrar a viabilidade económica de longo prazo da instalação de bombas de calor com elevado coeficiente de desempenho, em comparação com outros sistemas de aquecimento, com benefícios adicionais em termos de qualidade do ar interior, maior conforto e consequentemente uma diminuição do risco de doenças respiratórias. Embora a instalação de bombas de calor em novos edifícios seja convencional, a substituição dos sistemas de aquecimento existentes por bombas de calor não é uma prática regular, ainda que as bombas de calor reversíveis possam cobrir as necessidades de aquecimento, arrefecimento e água quente sanitária, sem emissões locais e com enorme potencial para utilizar a energia solar, particularmente nos climas amenos;
  • Estratégias de combinação de tecnologias e standards de construção, por exemplo, a promoção de passive house, a instalação de sistemas solares térmicos para aquecimento de águas sanitárias, assim como a promoção serviços facultados pelas comunidades de energia renovável;
  • Disponibilizar “balcões únicos” que forneçam informação, orientação e serviços de reabilitação a agregados familiares vulneráveis, inscrevendo-os em programas de financiamento para melhoria da eficiência energética, melhoria das condições de salubridade e conforto das habitações, de forma a aumentar o seu interesse pela reabilitação facultando o acesso a informação relevante de apoio à tomada de decisão desde as fases iniciais do processo;
  • Não menos importante serão as ações orientadas para a promoção da consciencialização, através de atividades menos formais de envolvimento das populações e de intercâmbio de conhecimentos, formação e treino de forma a promover o desenvolvimento de competências combatendo a iliteracia energética.

Tudo numa lógica de wise neighbourhoods e de cidadania para a energia:

Informação sobre os autores

[1] Coordenador do projeto REVERTER, do Laboratory of Mining and Environmental Technology, National Technical University of Athens | damigos@metal.ntua.gr

[2] Instituto de Sistemas e Robótica da Universidade de Coimbra | pfonseca@isr.uc.pt | joaofong@isr.uc.pt | nelsonsilvabrito@gmail.com | pmoura@isr.uc.pt

[3] Câmara Municipal de Coimbra | fatima.goncalves@cm-coimbra.pt | nuno.morais@cm-coimbra.pt

 

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº146 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2023)

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.