Nesta semana, depois de na anterior terem sido entregues ao Governo mais de três centenas de testemunhos de pobreza energética, convidámos Manuela Almeida, professora e investigadora na Universidade do Minho, a reflectir sobre a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética. Para a engenheira, “as situações de pobreza energética estão ainda muito longe de serem resolvidas” e há medidas, nomeadamente e a nível da reabilitação do edificado, que, embora incidam apenas numa parte do problema, não devem ser esquecidas.

Os especialistas com quem falámos apontaram para um bom diagnóstico presente na Estratégia. Um bom diagnóstico do problema é suficiente?

Um bom diagnóstico da situação é crucial, mas não é, obviamente, suficiente. Só é possível definir estratégias eficazes e planear acções eficientes se se conhecer em pormenor a situação existente a nível nacional.

Um bom diagnóstico é, no entanto, difícil de fazer pois o fenómeno é muito complexo, envolvendo várias questões de natureza muito diversa. Para além disso, também ainda não há um consenso generalizado em relação à definição de pobreza energética nem aos indicadores que devem ser usados para a sua quantificação, dada a complexidade do tema. É muito difícil identificar com clareza todos os casos de pobreza energética, para além das situações óbvias.

A Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética é, no entanto, um documento relevante no panorama nacional, principalmente quando associada à Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE). É um documento que faz um bom levantamento da situação nacional e identifica as estratégias que devem ser implementadas, a diversos níveis e em diversas áreas, de uma forma faseada até 2050, para aliviar ou eliminar as situações de pobreza energética que afectam de forma significativa cerca de 19 % da população portuguesa. No entanto, apesar de as ações estarem identificadas, não é claro como vão ser concretizadas de forma eficaz. Os exemplos que temos visto estão longe de serem eficazes e muito longe do necessário para cumprir o que está no plano e nos prazos previstos no plano.

Que metodologia faz sentido para combater a pobreza energética?

A pobreza energética corresponde a uma situação complexa que afeta um número muito significativo de famílias portuguesas. É também de resolução difícil, principalmente dados os parcos recursos económicos de uma grande parte das famílias aliados à fraca qualidade térmica da envolvente da maioria dos edifícios portugueses, aos quais se aliam também questões culturais que levam à desvalorização do conforto térmico nos edifícios e ainda a falta de informação e de conhecimento sobre quais as soluções que podem mitigar o problema. As situações de pobreza energética estão ainda muito longe de serem resolvidas.

É positivo que se tenha reconhecido a existência do problema e se tenha feito o diagnóstico da situação nacional e se tenha delineado uma estratégia de longo prazo para a sua mitigação. No entanto, o desenho de certas medidas não é o mais adequado e não se tem mostrado muito eficaz. Embora não seja a única estratégia, o combate à pobreza energética passa, inevitavelmente, pela reabilitação energética dos edifícios, principalmente pela aplicação de medidas de eficiência energética na envolvente dos edifícios e nos equipamentos de climatização e AQS e pelo recurso a fontes de energia renovável locais que ajudam a diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, cujos preços dispararam nos últimos meses.

Todas estas medidas, embora eficazes no curto/médio prazo, implicam um elevado investimento inicial que a maioria das famílias não consegue suportar. Impõe-se, por isso, um apoio eficaz por parte do estado. Mas as ajudas do Estado nesse sentido são manifestamente insuficientes pois, para que a reabilitação energética dos edifícios seja eficaz, o investimento necessário é muito maior do que aquele que o Estado disponibiliza. Para além disso, muitos dos incentivos não chegam às famílias necessitadas, quer pela complexidade do sistema criado, quer pela falta de informação e conhecimento, quer ainda pela manifesta impossibilidade de arcar com alguns custos inerentes ao processo. Em alguns dos incentivos dados pelo Estado, as famílias têm que avançar com o investimento inicial sem terem a garantia de que serão ressarcidas desse esforço financeiro. Esta situação tem desincentivado muitas famílias de realizarem obras de reabilitação energética nas suas casas por manifesta impossibilidade financeira.

Estes factos, aliados à falta de informação e de conhecimento de como instruir o processo ou saber quais as melhores soluções a adoptar, têm limitado bastante o impacto das medidas que têm sido postas em prática ultimamente. Para que a estratégia de mitigação da pobreza energética seja bem-sucedida, será necessário dar resposta a todas estas questões, o que requer um grande esforço e um forte investimento por parte do Estado. No que se refere à reabilitação do edificado, que é apenas uma parte do problema, há um conjunto de questões que o Estado deve ter em conta:

  • Criar incentivos para renovações energéticas abrangentes mesmo que não-rentáveis;
  • Disponibilizar garantias financeiras e incentivos não apenas para medidas pontuais, mas para o processo de renovação completo, garantindo o melhor desempenho final do edifício;
  • Promover uma abordagem holística, ligando a renovação dos edifícios ao planeamento urbano e às metas de redução das emissões de carbono, visando a melhoria da qualidade de vida dos residentes;
  • Promover modelos de negócio inovadores e intersectoriais para projetos de renovação ambiciosos eliminando possíveis barreiras legais;
  • Implementar programas financeiros para diferentes grupos-alvo, especialmente os de baixo rendimento, que devem ser apoiados e desobrigados dos custos de renovação do edifício;
  • Criar incentivos financeiros para tornar o uso de energias renováveis e os sistemas de armazenamento de energia mais acessíveis;
  • Oferecer soluções e serviços integrados através de pontos de contacto únicos (balcão único);
  • Desenvolver plataformas colaborativas para diferentes grupos-alvo, assim como ferramentas confiáveis e de fácil uso para garantir a qualidade nos processos de contratação, projecto e execução;
  • Promover campanhas de sensibilização e comunicação efectiva entre os actores envolvidos no processo de renovação, especialmente os moradores.