Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2022 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações

Os nomes dos novos ministros não são ainda conhecidos, mas a tomada de posse do XXIII Governo Constitucional está já agendada para 30 de Março. Sendo certo que os próximos anos serão marcados por um Governo maioritário do Partido Socialista (PS), liderado por António Costa – o que possibilitará levar avante as medidas delineadas no programa eleitoral e na primeira proposta de Orçamento de Estado -, a situação geopolítica internacional actual deixa no ar um profundo clima de incerteza, com o sector da energia a ser dos mais afectados pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Mesmo havendo mudanças a fazer no futuro próximo, vale a pena olhar para aquelas que foram as propostas eleitorais do vencedor para a eficiência energética dos edifícios.

 

A versão final do Orçamento de Estado (OE) para 2022 ainda não é conhecida e a necessidade de repetir as eleições no círculo fora da Europa vieram atrasar a tomada de posse do futuro Governo. A isso, juntou-se, no final de Fevereiro, a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que tem deixado o debate sobre a política interna em segundo plano. Contudo, falta muito pouco para sabermos os nomes dos governantes para os próximos quatro anos e a tomada de posse acontece no dia 30 de Março.

Não obstante o contexto de incerteza, a intenção, avançada até aqui, do partido vencedor é a de que os compromissos delineados anterioremente sejam, em linhas gerais, mantidos. “Vamos ser fiéis a todos os compromissos que assumimos até agora; iremos cumpri-los um a um, designadamente aqueles que constavam do OE”, disse António Costa, no discurso de vitória eleitoral. Assim, com base no programa eleitoral do PS e no compromisso do país em atingir a neutralidade carbónica até 2050, é possível lançar algumas luzes sobre aqueles que serão os planos do novo Governo em matéria de energia e eficiência energética dos edifícios.

Eficiência energética dos edifícios e combate à pobreza energética

“A transição energética que se perspectiva para a próxima década terá de mobilizar mais de 25 mil milhões de euros de investimento, o que envolve uma complexa concertação de vontades e um alinhamento de políticas, de incentivos e de meios de financiamento”, lê-se no documento eleitoral do PS. Neste processo de transição, uma das dimensões que não pode faltar é a eficiência energética, na qual os edifícios ocupam um lugar de destaque.

Sobre isto, a proposta eleitoral salienta uma estratégia de “continuação do apoio à eficiência energética dos edifícios”, aproveitando os investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Para os edifícios residenciais, e “tendo especial atenção aos agregados familiares com menores rendimentos”, o objectivo é realizar o investimento de 300 milhões de euros, até 2025. Em relação aos edifícios de serviços do sector privado e aos de serviços da Administração Pública, em consonância com o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública – no qual se pretende concretizar uma redução em 40 % dos consumos energéticos primários e uma taxa de 5 % de renovação energética e hídrica dos edifícios –, o PS quer alocar os 310 milhões de euros disponíveis.

Há já alguns indícios da execução destas intenções. Recorde-se o anúncio, em meados de Janeiro, da disponibilização adicional de 15 milhões de euros destinados ao Edifícios Mais Sustentáveis, estendendo o prazo de candidaturas até 31 de Março. Programa esse que, em Novembro, tinha sido reforçado na mesma quantia e passado a incluir novas tipologias de intervenções a apoiar. Embora seja financiado pelo Fundo Ambiental, dispõe de fundos provenientes do PRR para melhorar a eficiência energética e ambiental dos edifícios residenciais e, até Janeiro, já tinha financiado mais de 16 mil candidaturas, totalizando um investimento de 26,8 milhões de euros, sobretudo para instalações de painéis fotovoltaicos (38,5 %), janelas eficientes (34,5 %) e bombas de calor (27 %).

Também o programa Vale Eficiência irá continuar a ser uma constante do Governo PS, dando seguimento à intenção estratégica do PRR e do XXII Governo para o OE2022 de manter o “apoio à eficiência energética dos edifícios e de combate à pobreza energética através da concessão de vales eficiência às famílias mais carenciadas”.

Para o PS, este desígnio é indissociável quer da implementação da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, aprovada em 2021, que inclui um roteiro com medidas e objectivos indicativos para 2030, 2040 e 2050, quer da implementação da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2021-2050.

A nível de infraestruturas e habitação, o programa eleitoral do PS designa também como proposta aumentar o parque habitacional público, através da execução do Programa 1.º Direito, em vigor desde Junho de 2018. Esta iniciativa, cuja ambição é financiar a 100 %, por via do PRR, 26 mil habitações cujas condições sejam “indignas” e estejam sinalizadas pelas respectivas Estratégias Locais de Habitação, não deixará as questões de eficiência energética de parte. Como referido pelo ministério das Infraestruturas e da Habitação, noticiado pela Lusa, em Novembro, é necessário que as habitações, a serem entregues até ao segundo trimestre de 2026, incorporem “medidas associadas à dimensão ambiental, com elevados padrões de eficiência energética na promoção de construção nova, bem como melhoria do desempenho energético de edifícios objecto de reabilitação”.

Transição energética, com foco nas renováveis

Além da eficiência energética no edificado, e a par do combate à pobreza energética, a transição energética depende da “aposta inequívoca no investimento em produção renovável, que deverá mais do que duplicar a sua capacidade instalada, na próxima década, atingindo um patamar superior a 80 % de renováveis na produção de electricidade”, realça o programa. Ademais, até 2030, a energia de fonte renovável deverá ser responsável por 47 % do consumo final bruto de energia em Portugal.

São metas “ambiciosas” e que, para o PS, exigem um conjunto de acções. No que concerne o sector eólico, é necessário apostar na produção renovável offshore, “consolidando e alargando o cluster industrial associado ao sector”, bem como na melhoria da capacidade de produção eléctrica dos parques que já existem, priorizando sistemas híbridos em vez da construção de novas infraestruturas. Em relação à energia solar, o caminho passa por aumentar a capacidade de produção, nos próximos dois anos, em pelo menos 2 GW. Este último ponto deverá ser alavancado pelos leilões para novas centrais e pela “promoção e facilitação do autoconsumo e da criação de comunidades de energia”, comunidades essas que são também um vector importante para a economia circular.

No campo mais alargado da transição energética, o PS assume o compromisso de lançar os leilões de hidrogénio já apresentados e de criar uma rede de postos de abastecimento a hidrogénio de modo a apoiar a descarbonização da indústria e do sector dos transportes pesados de passageiros e mercadorias. A propósito dos gases renováveis, o PS aborda ainda a possibilidade de se apresentar uma Estratégia Nacional para o Biometano, produzido a partir de biomassa, águas residuais ou lamas de ETAR.

Todo este trabalho está assente sobre o pilar do armazenamento de electricidade renovável, cujo incremento é destacado no documento, e sobre o pilar da digitalização do sistema energético e do desenvolvimento de redes eléctricas inteligentes. Com esta última medida, o PS espera criar “melhores condições para o aumento significativo da electrificação dos consumos dos diferentes sectores de actividade”; um desses sectores, identificado como prioritário para a transição climática, poderá ser o de gestão do ciclo urbano de água, onde a ligação à rede, as novas tecnologias de proximidade e flexibilidade e os sistemas de monitorização (smart grids) podem ser um fortes aliados.

Adoptando uma “fiscalidade verde”, é de salientar que o OE2022 proposto no ano passado incluía também, no âmbito da transição climática, a continuação da eliminação faseada dos benefícios fiscais prejudiciais ao ambiente, como é o caso da “isenção de ISP [Imposto sobre Produtos Petrolíferos] na produção de electricidade a partir de combustíveis fósseis”; e, a par disso, a criação de uma “isenção fiscal, quanto aos impostos especiais sobre o consumo (IEC), relativa à produção de energia para autoconsumo”. No fundo, propunha-se, nesta matéria energética, um “regime fiscal favorável à produção descentralizada de energia a partir de fontes renováveis, denominada por autoconsumo, através da isenção de Imposto Especial sobre o Consumo, até um limite legalmente definido”.

Descarbonização como estratégia

Na transição energética, o PS considera que a descarbonização “pode e deve ser uma estratégia de competitividade e valorização industrial”, abrindo portas à inovação, a tecnologias e processos hipo-carbónicos, à criação de emprego e de novos modelos de negócio, e ao desenvolvimento de clusters industriais regionais cujas opções energéticas sejam, na generalidade, de origem renovável. Neste desígnio de promover um ecossistema favorável à descarbonização e ao investimento verde, o documento aponta não só para a aplicação dos investimentos de 715 milhões de euros previstos no PRR para a descarbonização da indústria, como para a definição de critérios mínimos de descarbonização como condição para a atribuição de financiamento público e ainda para a promoção da emissão de obrigações verdes.

Rumo à descarbonização, o PS intenciona acelerar a concretização do Plano Nacional Energia e Clima 2030 e do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Este trabalho será feito “promovendo roteiros regionais para a neutralidade carbónica, elaborando orçamentos de carbono quinquenais que definam um horizonte plurianual, definindo metodologias para avaliação do impacto legislativo na acção climática e eliminando constrangimentos administrativos que criem custos de contexto desproporcionados sem mais-valia ambiental”.