Num momento em que o país e a Europa definem o caminho para a recuperação económica, a eficiência energética do edificado apresenta-se como uma aposta prioritária, com benefícios económicos, ambientais e sociais.

O setor dos edifícios é particularmente relevante no âmbito da recuperação económica. É reconhecido que os investimentos em eficiência energética no setor dos edifícios produzem um elevado valor acrescentado através de, entre outros, a geração de emprego local. Este fator qualifica o setor dos edifícios como uma das chaves para a reconstrução da economia pós-Covid, no entanto os seus impactos são mais alargados, senão vejamos: existem 34 milhões de europeus que são incapazes de manter as suas casas aquecidas com todos os efeitos nefastos que lhe estão associados, tais como doenças e infeções respiratórias, doenças cardiovasculares e circulatórias, bem como efeitos na saúde mental e impactos na escolaridade.

Pese embora em Portugal não existam dados oficiais sobre o número de portugueses sem dinheiro para aquecer as casas no Inverno, considerando os dados divulgados em janeiro pelo Eurostat, verificamos que constamos como o quinto país da União Europeia onde as pessoas têm menos condições económicas para manter as casas devidamente aquecidas, sendo que cerca de 19 % dos portugueses estão em situação de pobreza energética. No caso nacional, a pobreza energética é também relevante durante o verão, nomeadamente em cenário de alterações climáticas, uma vez que a larga maioria das casas não possui sistemas de arrefecimento e todos os cenários preveem o aumento no número de noites tropicais (com temperaturas mínimas superiores a 20°C) bem como no índice anual de ondas de calor.

A promoção de medidas de eficiência energética no parque residencial permite um combate efetivo à pobreza energética nomeadamente através da melhoria das condições de salubridade e redução das necessidades energéticas para aquecimento e produção de águas quentes sanitárias e, consequentemente, a melhoria das condições de habitabilidade, conforto e qualidade do ar interior e a redução do valor da fatura energética, bem como redução do impacto das ondas de calor. As intervenções a realizar deverão permitir, não só a melhoria do desempenho energético dos edifícios, mas também aumentar a sua resiliência às inevitáveis alterações climáticas e suas consequências.

O mesmo aplica-se ao setor dos edifícios de serviços. Considerando apenas as escolas e o impacto que a pandemia teve na organização e gestão dos espaços, verifica-se que, na sua larga maioria, as mesmas carecem da implementação de medidas passivas (isolamento, melhoria dos vão envidraçados, etc.) e da implementação de sistemas mecânicos eficientes e capazes de renovar o ar em condições aceitáveis.

Em termos de investimento, e segundo as estimativas da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios, até 2050, serão necessários cerca de 143,5 mil milhões de euros para a concretização das medidas de melhoria, sendo que a maior parcela, cerca de 110 mil milhões de euros, é referente à renovação do parque residencial.

A versão preliminar do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – Recuperar Portugal 2021-2026, entregue recentemente pelo Governo em Bruxelas, prevê o investimento de 991 milhões de euros em cinco anos, no âmbito da eficiência energética e renováveis, sendo que, destes, 620 milhões estão associados à reabilitação energética (aproximadamente 4,4 % do valor global do PRR).

Não podemos desperdiçar esta oportunidade! Há que juntar à mesma mesa as associações do setor, entidades do setor bancário e financeiro, e demais fornecedores para desenvolver um compromisso e rever elementos regulatórios e fiscais.

Este investimento é, sem dúvida, crucial para promover a saúde da população através do combate à pobreza energética, bem como para alavancar o mercado e empresas, nomeadamente as PME, através da geração de emprego local. No entanto, devemos desde já assegurar que os mecanismos a desenvolver não são demasiadamente burocráticos com exigências que bloqueiem a sua adoção rápida e massiva.

Veja-se o que acontece no Portugal 2020, no qual os investimentos em eficiência energética carecem de estudos complexos (auditorias e respetivos certificados energéticos) que têm de ser desenvolvidos tendo por base um conjunto de regras quanto aos seus impactos que nem sempre são claras, nomeadamente para os promotores. A título de exemplo, no desenho do regulamento inicial foi exigida a subida de duas classes energéticas no Certificado Energético do edifício associado a um VAL positivo (na relação entre a poupança e o investimento), o que se mostrou em muitos casos impossível de realizar ou para tal foi necessária a adoção de medidas que não se mostravam as melhores em termos de custo benefício. O regulamento foi alterado passando a ser necessária uma redução da energia primária em 30 %, salvaguardando que as medidas tenham um tempo de retorno inferior a um determinado tempo de vida considerado em regulamento.

Mais uma vez, verifica-se que, para o cumprimento destes requisitos, é necessário recorrer a medidas que não asseguram o melhor custo benefício. Por sua vez, como o sistema assenta no Certificado Energético, apresenta um custo relativamente elevado e cujo modelo de determinação das poupanças energéticas nem sempre se baseia nos consumos reais (i.e., se traduz em poupanças efetivas). Saliente-se que o processo de avaliação destas candidaturas tem-se mostrado moroso e complexo, levando a que muitos dos investimentos previstos e candidatados há vários anos ainda não estejam no terreno.

Outro exemplo é o “Casa Eficiente 2020”, no qual é exigido que sejam utilizadas empresas registadas num “Diretório de Empresas Qualificadas”, o que coloca de fora muitas PME de ação local e que estão mais vocacionadas para este tipo de investimentos (pequenos investimentos na reabilitação de prédios urbanos ou frações autónomas). A par disso, dado o reduzido valor dos empréstimos em questão e num cenário de baixas taxas de juro, a competitividade da linha face a outras disponibilizadas pelo banco é muito limitada, senão inexistente.

Assim, por um lado, mostra-se relevante que os instrumentos a desenhar sejam ágeis e em ligação com o mercado para que os seus resultados sejam imediatos e efetivos. Por outro, face à necessidade de investimento e ao volume disponível de investimento público, é relevante que os mesmos permitam a alavancagem de investimento privado através de modelos de “blended finance”. Um bom exemplo a explorar é a possibilidade de utilizar empresas privadas (por exemplo, Empresas de Serviços de Energia) enquanto agregadores de projetos, disponibilizando capital privado para os investimentos, sendo que os fundos públicos podem ser utilizados enquanto garantias ou cobrindo os custos associados à assistência técnica, i.e., ao desenvolvimento do projeto ao nível técnico.

Não podemos desperdiçar esta oportunidade! Há que juntar à mesma mesa as associações do setor, entidades do setor bancário e financeiro, e demais fornecedores para desenvolver um compromisso e rever elementos regulatórios e fiscais por forma a acelerar o processo de decisão e capacitar Portugal de uma ferramenta indispensável para a reconstrução da economia pós-Covid, o combate à pobreza energética e a transição energética.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.