REPowerEU é o nome do plano apresentado ontem pela Comissão Europeia para tornar a Europa independente da importação de combustíveis fósseis russos ainda antes de 2030. Acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis nos edifícios, na indústria e no sistema eléctrico, e diversificar as fontes de fornecimento de gás são os dois eixos da resposta europeia à incerteza energética trazida pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

Apesar da forte dependência actual do gás russo, a Comissão Europeia parece estar convicta de que é possível cumprir o objectivo proposto ainda antes do final da década e de, até ao final deste ano, reduzir já em dois terços a procura de gás russo, aumentando, desta forma, “a resiliência do sistema energético” da União Europeia (UE). Promover a eficiência energética, aumentar o uso de fontes de energia renováveis – nomeadamente energia solar fotovoltaica, eólica e uso de bombas de calor – e resolver as condicionantes relacionadas com a infraestrutura fazem parte das medidas que, segundo Bruxelas, permitirão acelerar o abandono dos combustíveis fósseis nos diversos sectores.

“O princípio ‘eficiência energética primeiro’ é mais relevante do que nunca e deve ser aplicado em todos os sectores e políticas, com medidas de resposta à procura [demand response] em complemento a medidas do lado da oferta”, refere o texto do plano, que refere ainda: “para além de projectos residenciais e de construção [mais eficientes], o fornecimento energético com base em [energias] eólica, solar e outras fontes de baixas emissões para a produção de electricidade vai também ajudar a reduzir a nossa dependência do gás.”

Já no que se refere à diversificação no abastecimento de gás, a intenção passa por aumentar as importações a fornecedores não-russos, nomeadamente via gás natural liquefeito (LNG) e gasodutos, e apostar em maiores volumes de biometano e produção e importação de hidrogénio renovável.

Na apresentação de ontem, foram também avançadas medidas de emergência, de modo a ajudar os europeus a fazer face à escalada nos preços da energia, que vinha já assolando a UE nos últimos meses. Ao pacote Energy Prices Toolbox, apresentado em Outubro passado para proteger os consumidores europeus mais vulneráveis, a Comissão partilhou orientações adicionais para os países da União, incluindo a possibilidade de regular os preços da energia em circunstâncias excepcionais e definindo como os Estados-Membros podem redistribuir pelos consumidores receitas provenientes dos elevados lucros de sectores energéticos e do comércio de emissões. Foi ainda anunciado que, em Abril, será apresentada uma proposta legislativa com vista a tornar obrigatório que, todos os anos, os níveis de armazenamento de gás em toda a UE se encontrem a, pelo menos, 90 % da sua capacidade até 1 de Outubro.

Com isto em mente, a Comissão Europeia vai agora trabalhar com os Estados-Membros para identificar os projectos mais apropriados para colocar o plano em marcha, tendo também em consideração o trabalho já feito no âmbito dos planos nacionais de recuperação e resiliência. Ainda esta semana, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, vai reunir-se em Versalhes, com os líderes europeus, para debater estas propostas.

Invasão da Ucrânia pela Rússia torna o argumento a favor de uma rápida transição energética “mais forte e mais claro do que nunca”

Depois de uma subida nos preços da energia que dura há já vários meses, com o estalar do conflito a Leste nos últimos dias de Fevereiro, a UE vê agora a sua segurança energética em risco, em resultado da forte dependência da Rússia enquanto fornecedor e do facto de, conforme analisa o director executivo da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, a Rússia estar a usar “os seus recursos de gás natural como uma arma política e económica”.

“Temos de nos tornar independentes do petróleo, do carvão e do gás russos. Não podemos depender de um fornecedor que nos ameaça explicitamente”, afirmou ontem a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Temos de agir já para atenuar o impacto do aumento dos preços da energia, diversificar o nosso aprovisionamento de gás para o próximo Inverno e acelerar a transição para as energias limpas. Quanto mais rápida for a transição para as energias renováveis e o hidrogénio – combinada com uma maior eficiência energética –, mais rapidamente seremos verdadeiramente independentes e dominaremos o nosso sistema energético.”

Nos últimos dias, a Comissão Europeia tinha já feito saber que o contexto actual não iria fazer cair as suas ambições em matéria de energia e clima para 2050 e, por isso, está também a contar com os resultados previstos para o pacote Fit for 55. Segundo a entidade, a implementação total das propostas do pacote legislativo – no qual se enquadram as directivas para as renováveis, para a eficiência energética e para o desempenho energético dos edifícios – resultará numa redução de 30 % do consumo anual de gás, o equivalente a 100 mil milhões de m³, em 2030. Com o plano REPowerEU, a UE espera conseguir “remover gradualmente o uso de pelo menos 155 m³ de gás fóssil, que é o equivalente ao volume importado da Rússia em 2021. Num ano, podemos alcançar uma redução de cerca de dois terços, terminando, assim, a dependência excessiva da UE de um único fornecedor”, lê-se no comunicado.

“Chegou o momento de enfrentarmos as nossas vulnerabilidades e de nos tornarmos rapidamente mais independentes nas nossas opções energéticas. Tratemos de adoptar as energias renováveis a toda a velocidade. São uma fonte de energia barata, limpa e potencialmente infinita; em vez de financiarem a indústria dos combustíveis fósseis noutros locais, criam postos de trabalho na Europa. A guerra de Putin na Ucrânia demonstra a urgência de acelerar a nossa transição para as energias limpas”, declarou Frans Timmermans, vice-presidente executivo para o Pacto Ecológico Europeu.

Recorde-se que a UE importa 90 % do seu consumo de gás, sendo a Rússia responsável pelo abastecimento de mais de 40 %. O país governado por Vladimir Putin é também a origem de 27 % das importações de petróleo e de 46 % das importações de carvão da UE.