Artigo publicado originalmente na edição de Setembro/Outubro de 2023 da Edifícios e Energia.
Há cerca de dois anos, entrou em vigor uma nova regulamentação do Sistema Nacional de Certificação Energética (SCE), que introduziu algumas mudanças nos requisitos da construção em Portugal – as quais serão nomeadas ponto por ponto neste texto.
1 – Desde logo, uma das mudanças é a obrigatoriedade de todas as construções novas de habitação serem de classificação energética mínima “A” e de todos os novos edifícios de comércio e serviços serem de uma classificação energética “B”.
Até então, dos cerca de um milhão e seiscentos mil certificados emitidos, apenas 2,6 % tinham a classificação “A+” e cerca de 10,4 % tinham a classificação agora tornada obrigatória, ou seja, “A”. Hoje, a percentagem [combinada] de certificados “A” e “A+” é cerca de 15,8 %.
Muita coisa temos dito sobre a sustentabilidade de um sistema no qual dificilmente um português da classe designada habitualmente por média consegue comprar casa, tendo em conta os preços altamente inflacionados pelo excesso de regulamentos, pelo aumento dos custos de construção, pela falta de mão de obra qualificada e pela elevada carga de impostos que incidem sobre o edificado, que se estimam em cerca de 50 %.
Em dois anos, a habitação nova com classe energética obrigatória apenas aumentou 2,8 %, o que demonstra a reduzida construção para habitação nestes dois anos e, nesse sentido, poderá refletir os incontornáveis prolongados prazos de licenciamento das operações urbanísticas e das novas construções, bem como o custo das mesmas.
A metodologia de cálculo atual privilegia em muito a existência de sistemas técnicos de climatização e de produção de água quente sanitária (AQS), em detrimento do equilíbrio energético por meios passivos desejável à descarbonização e ao conforto. Para os técnicos do sector, a metodologia atual parece, por vezes, difícil de perceber e [parece] contrariar a lei da física nalguns casos práticos que temos tido oportunidade de tratar.
A descarbonização implica reduzir consumos energéticos com grande preponderância da energia de origem fóssil e, portanto, toda a estratégia legislativa deveria enquadrar-se nestes desígnios.
Os sistemas técnicos apenas deveriam ser utilizados para acréscimo das condições de conforto. Estes sistemas têm registado, nestes anos, um grande aumento de eficiência no consumo energético, por ação da investigação e do desenvolvimento dos próprios fabricantes, mas não deveriam ser tão valorizados na obtenção da classificação energética do edifício como acontece atualmente.
2 – Outra alteração está relacionada com a publicação do Despacho 6476-H, um documento com cerca de 251 páginas com orientações para os Peritos Qualificados do SCE sobre envolventes, ventilação, preparação de AQS, iluminação, mobilidade elétrica, enquadramento regulamentar, fórmulas e métodos de cálculo, etc.
3 – Um outro requisito tem a ver com o reforço, a partir de 1 de janeiro de 2025, da obrigatoriedade de se realizar um Projeto de Sistemas de Automação e Controlo para todos os edifícios de comércio e serviços que disponham de sistemas técnicos de aquecimento ou sistemas de arrefecimento ou sistemas combinados com ventilação para potências térmicas superiores a 290 kW, algo que deve ser feito inclusivamente para edifícios existentes até 31 de dezembro de 2025.
4 – Foram também introduzidos requisitos relativos à mobilidade elétrica, com obrigatoriedade de haver infraestruturas de carregamento de veículos elétricos em função dos lugares de estacionamento do edifício, independentemente da sua localização interior ou exterior, sendo que:
• Os edifícios de habitação novos ou sujeitos a grandes renovações devem dispor do suporte a uma futura infraestrutura de carregamento de veículos elétricos, nomeadamente condutas e caminhos de cabos, para todos os lugares de estacionamento, conforme previsto nos números 1 e 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, na sua redação atual;
• Os edifícios de comércio e serviços novos ou sujeitos a grandes renovações devem dispor do suporte a uma futura infraestrutura de carregamento de veículos elétricos, nomeadamente condutas e caminhos de cabos, para um em cada cinco lugares, nos termos do previsto no número 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, na sua redação atual. Devem ainda contemplar a instalação de, pelo menos, dois pontos de carregamento.
5 – Outra mudança tem a ver com o regime de inspeções periódicas aos sistemas técnicos com potência nominal de aquecimento, arrefecimento e ventilação ou de AQS superior a 70 kW. A primeira inspeção ao sistema técnico deve ocorrer em edifícios novos ou renovados no prazo de três anos, a contar da data de instalação do sistema. Este requisito está aparentemente à espera de melhores dias para ser implementado na prática…
6 – Foram ainda introduzidas obrigações para empresas de mediação imobiliária e entidades anunciadoras. Em qualquer anúncio, deve ser indicada a classe energética constante num certificado energético válido, pelo que se mostra indispensável a obtenção da devida certificação energética para início da respetiva publicitação.
Vale Eficiência e precariedade
Em 2021, o Governo lançou, com pompa e circunstância, o programa Vale Eficiência, sistema de incentivo com vales de 1 300 euros (mais IVA) para obras de eficiência energética para beneficiários da tarifa social cujo rendimento per capita anual ronda os 5 800 euros. Poucos foram os beneficiários que avançaram com este incentivo, cerca de 8 000 para um horizonte de 100 000 vales. O Governo pretende agora reativar este programa, mas aumentando o número de vales por família. Com estes cheques, os beneficiários poderão realizar obras tais como trocar portas e janelas por outras mais eficientes do ponto de vista energético, isolar paredes, instalar bombas de calor, caldeiras e recuperadores ou painéis de solar térmico, entre outras melhorias, sem realizar qualquer investimento, supostamente.
Como se percebeu logo no início, [o primeiro] era um programa votado para a propaganda política sem qualquer relevância ou aplicabilidade no que diz respeito aos objetivos a que se propunha satisfazer: mitigar a pobreza energética das classes mais vulneráveis. Esperamos que desta vez corra melhor, mas, para já, as notícias não são boas para os Peritos Qualificados nem para os futuros técnicos a criar no âmbito do programa.
Neste programa, pretende-se criar uma bolsa de técnicos (para o Fundo Ambiental, os cerca de 3 000 Peritos Qualificados existentes não são suficientes) aos quais se pretende pagar cerca de 50 euros pelos trabalhos de apoio, sendo que estes trabalhos consistem em recolher informação sobre projetos e beneficiários, avaliar a habitação e criar uma hierarquia de medidas de eficiência energética, procurar fornecedores e acompanhar, reunindo evidências, as candidaturas e a atribuição de apoio, etc.
Mais uma vez, é o nosso Governo a promover a precariedade em que quer que os seus cidadãos vivam. Um outro exemplo da precariedade promovida pelo Estado é o regime legal de contratação pública, que adquire por preguiça e falta de criatividade e interesse e aplica o preço mais baixo como o único critério.
Adicionalmente, criam-se mais burocracia e complexidade, adicionando técnicos com diferentes graus de escrutínio e competências a definir ainda…
Por último, saudamos e muito agradecemos a atual relação de colaboração, respeito e confiança mútua que foi possível estabelecer com os organismos governamentais que tutelam o sistema, com principal destaque para a ADENE na figura do atual presidente, que tem sabido compreender e cumprir o direito ao bom nome, consagrado na Constituição portuguesa.
As conclusões expressas são da responsabilidade do autor.