PED é a sigla, em inglês, de bairros de energia positiva, áreas urbanas que se destacam por produzirem, localmente e com origem em renováveis, mais energia do que aquela que utilizam. A abordagem afirma-se como uma das soluções para tornar a transição energética uma realidade e as demonstrações em conjuntos de edifícios por toda a Europa vão surgindo. Groningen, nos Países Baixos, é uma das cidades farol do projecto MAKING-CITY e, por isso mesmo, tem já dois PED a ganhar forma no terreno.
Renovar um conjunto de edifícios de várias tipologias, melhorando o seu desempenho energético, dotá-los de tecnologias de energias renováveis para aquecimento, como bombas de calor e sistemas solares térmicos, e contar ainda com a ajuda preciosa de uma rede urbana de distribuição de calor, que usa o desperdício térmico gerado em data centers locais. Para além de suprir as, entretanto, reduzidas necessidades de aquecimento destes edifícios, cabe também às renováveis – desta vez, a painéis fotovoltaicos – dar o seu contributo no que à electricidade diz respeito. Estas são algumas das medidas que estão a ajudar a criar dois bairros de energia positiva (PED, na sigla em inglês) na cidade de Groningen.
A acção acontece no âmbito do projecto MAKING-CITY, debaixo da chancela do programa comunitário Horizonte 2020 e que, durante 60 meses, vai implementar o conceito PED em duas cidades farol – Groningen e Oulu (Finlândia) – e contar com seis seguidoras – León (Espanha), Bassano del Grappa (Itália), Trenčín (Eslováquia), Kadıköy (Turquia), Lublin (Polónia) e Vidin (Bulgária), que vão acompanhar de perto as medidas implementadas e replicar as boas práticas aprendidas. Por outras palavras, o objectivo do MAKING-CITY é que, em cada uma destas cidades, sejam delimitadas “áreas urbanas compostas por edifícios de diferentes tipologias e espaços públicos nas quais o balanço anual de energia é positivo” e o excedente de produção de energia de origem renovável possa ser partilhado com outras zonas urbanas. O projecto, coordenado pela espanhola Fundacion Cartif, arrancou em finais de 2018 e está agora no seu terceiro ano, contando com um financiamento de 18 milhões de euros. Até 2023, espera-se que mobilize 71,7 milhões de euros de investimento, crie mais de 4000 postos de trabalho e evite a emissão de 1,4 quilotoneladas de CO2.
Para dar forma aos PED, o MAKING-CITY assenta em cinco eixos: renovação energética dos edifícios existentes, de forma a maximizar o desempenho da infraestrutura; aumento do uso de fontes de energia renovável, tornando possível uma autossuficiência energética sustentável; design, adaptação e modernização dos sistemas de aquecimento e arrefecimento; implementação de sistemas de armazenamento e transferência, para antecipar os picos de procura de energia; e instalação de estações públicas de carregamento para a mobilidade eléctrica. Nas cidades farol, 60 215 m2 de área construída serão renovados energeticamente, o que reduzirá significativamente as necessidades de energia dos edifícios incluídos no projecto. Depois disso, fontes renováveis – solar, geotermia e biogás – vão assegurar 80 % da procura de energia (88 % de necessidades térmicas e 73 % eléctricas). No projecto, pretende-se que seja gerado um excedente energético anual de 348 MWh/a, que deverá ser “trocado” com outras zonas destas cidades. Neste processo, as novas tecnologias de informação e comunicação vão ser cruciais, pois permitirão a flexibilização quer do uso de energia, quer da sua produção.
Neutralidade carbónica em… 2035
Jovem, dinâmica e inovadora – estes são alguns dos adjectivos que surgem associados à cidade holandesa de Groningen. As referências à comunidade universitária e ao uso massivo da bicicleta dão conta de uma cidade orientada para a sustentabilidade. Sendo a sexta maior dos Países Baixos e ainda em franco crescimento, a cidade comprometeu-se, até 2035, a concretizar uma transformação no seu sistema de energia, abandonando aquela que era, até há pouco tempo, uma das principais actividades desta região europeia: a extracção de gás natural. Fustigada por um aumento da actividade sísmica em resultado dessa exploração, a população local mostra vontade de enveredar por um futuro mais sustentável: em 2035, Groningen vai ser neutra em carbono. Para percorrer esse caminho, a cidade está a procurar alternativas aos combustíveis fósseis e não se importa de o fazer de formas experimentais e inovadoras. Nesse sentido, em 2017, a estratégia The Next City declarou, oficialmente, o município como um laboratório urbano para a transição energética e uma das iniciativas passa pela criação dos PED, no âmbito do projecto.
Com cerca de 231 mil habitantes e uma área de 180 km2, Groningen é cidade mais relevante no norte dos Países Baixos. Por ter duas universidades, uma parte significativa da sua população (mais de 60 mil pessoas) é estudantil, o que a torna também na cidade holandesa mais jovem e com um forte poder atracção de talento e emprego. Apesar desta jovialidade, Groningen conta com mais de mil anos de História, o que se reflecte na diversidade e antiguidade dos seus edifícios: 16 % foram construídos antes de 1925 e 44 % antes de 1965. Para respeitar esta heterogeneidade no processo de transição energética, o município dividiu a cidade por distritos e está disposto a encontrar as soluções mais adequadas a cada um deles, tendo em conta as suas características.
Pela sua proximidade da costa, é uma cidade com um clima marítimo, com as temperaturas a rondarem os 20-22º C no verão, podendo nalguns dias superar os 30º C. Os invernos, por sua vez, registam temperaturas de 4 – 5º C, havendo dias com temperaturas negativas. Tal significa que, na cidade, as necessidades de aquecimento existem em praticamente metade do ano, sendo que os equipamentos para arrefecimento, como os sistemas de ar condicionado, são pouco comuns. A latitude a que a cidade se encontra faz com que o uso da energia solar seja pouco viável no inverno, com um número reduzido de horas de sol por dia, mas com um grande potencial no verão. Em contrapartida, o potencial para uso de energia eólica é elevado.
No passado, a extracção de gás natural foi uma indústria importante na região, que estava entre os dez maiores depósitos deste combustível no mundo, o que contribuiu para tornar a sociedade holandesa muito dependente deste recurso. No entanto, esta é uma tendência que tem vindo a ser invertida pelo governo do país, havendo planos para cessar a exploração nesta década. Por este motivo, é necessário que haja uma transformação no sistema energético, em particular no que se refere às necessidades de aquecimento. Neste contexto, empenhada em abandonar o gás natural o quanto antes, Groningen não perde tempo em aplicar o seu compromisso com a transição energética. Em 2017, a quota de renováveis no mix energético da cidade era de 5,9 %, e, com os projectos em curso, é expectável que alcance os 9,4 % em 2022. O projecto MAKING-CITY pretende ser um passo nesse sentido.
Enquanto cidade farol do projecto europeu, foram identificadas duas áreas com várias tipologias de edifícios para a implementação dos PED. Em Groningen Norte, o bairro de energia positiva vai contar com seis edifícios – dois multifamiliares, três moradias e o edifício de serviços da Energy Academy Europe. Já em Groningen Sul, três edifícios de serviços farão parte do projecto: um complexo desportivo, o edifício de escritórios MediaCentrale e o edifício de usos mistos Powerhouse. A expectativa é a de que, ao intervir nestes edifícios, o projecto seja uma semente e acabe sendo escalado e replicado noutras zonas da cidade.
Visto que um dos PED se localiza numa área essencialmente residencial, os responsáveis locais pelo projecto destacam a importância da cooperação e de envolver os cidadãos no processo. Este envolvimento esteve presente desde início e, para a escolha dos edifícios de demonstração (unifamiliares), os parceiros locais do projecto levaram a cabo uma campanha em vários meios apelando a potenciais interessados. Nos requisitos, pedia-se que as casas fossem representativas do bairro, tivessem espaço disponível e potencial para ser de energia positiva, o rácio entre o investimento necessário e o potencial de poupança fosse exequível e ainda que fosse possível demonstrar soluções inovadoras. A campanha resultou em 18 candidatos e seis finalistas, dos quais se escolheram três.
Depois de seleccionados os edifícios, foi preciso melhorar o seu desempenho energético, em particular no caso das habitações em Groningen Norte, cuja data de construção ronda a década de 1960. Para a renovação energética dos edifícios, incluíram-se intervenções de melhoria do isolamento da envolvente e instalação de janelas eficientes, instalação de equipamentos de recuperação de calor, com termóstatos inteligentes e sensores de forma a permitir a medição do uso de energia em tempo real e a gestão avançada dos sistemas de energia.
Groningen é também famosa pelo elevado uso da bicicleta como modo de deslocação. Aliás, cerca de 60 % das viagens na cidade são feitas de bicicleta. Face a isso, mais do que incentivar o uso da mobilidade suave, o projecto propõe-se a fazer uma ponte entre esta e a mobilidade eléctrica. Assim, uma das propostas é converter uma das ciclovias numa “SolaRoad”, isto é, uma via ciclável cujo piso será integrado com painéis solares capazes de gerar cerca de 60 000 kWh/ano. A instalação de postos de carregamento inteligente para veículos eléctricos está também nas intenções da iniciativa, com o objectivo de analisar o seu impacto na rede eléctrica e de explorar como podem interagir no modelo PED.
Cálculos para o balanço positivo
A integração das energias renováveis para a produção local de energia é um dos passos essenciais na abordagem PED. Em Groningen, o MAKING-CITY abre a porta à experimentação e combinação de tecnologias, mas existem elementos base que dão um contributo relevante para alcançar o balanço positivo. Neste caso, os edifícios vão ser conectados a uma rede urbana de distribuição de calor, que, no esquema inicial, seria alimentada a 100 % por energia geotérmica, mas que acabou por recorrer ao calor residual de data centers locais. Ligadas à rede vão estar também bombas de calor geotérmicas, apoiadas por sistemas solares térmicos nas coberturas dos edifícios. Para além disto, num dos edifícios será instalada uma central a biogás, equipada com um digestor de alta pressão, que irá tratar os resíduos e águas residuais resultantes dos equipamentos desportivos e de catering existentes no bairro. Os planos prevêem que o excedente de energia térmica gerado por estes edifícios seja armazenado, de forma a ser utilizado em momentos de pico de procura. Já no que se refere à energia eléctrica, o projecto contempla a instalação de painéis fotovoltaicos nas coberturas não só dos edifícios, como também de parques de estacionamento automóvel.
Segundo a equipa do projecto, o balanço anual positivo depende do “elevado rácio dos painéis fotovoltaicos instalados e procura quase nula de energia térmica exterior na zona Norte, e do excedente de energia térmica a Sul conseguida pela rede de distribuição de calor e da rede de gás”. Em termos quantitativos, os cálculos apontam que o PED Norte vai exportar 70 MWhe/a de electricidade e importar 5,5 MWhth/a de energia térmica (gás natural), conseguindo um balanço total em unidades de energia primária de 170 MWhp/a exportadas para fora do bairro. Por sua vez, o PED Sul, exportará 250 MWhth/a de energia térmica e importará 80 MWhe/a de electricidade, o que faz um balanço total em energia primária de 97 MWhp/a exportados.
O MAKING-CITY está sensivelmente a meio do seu caminho, com os anos de 2020 e 2021 a serem, de alguma forma, prejudicados pela pandemia. Todavia, os meios digitais do projecto e as páginas nas redes sociais criadas para envolver os residentes de Groningen na acção mostram que o trabalho não tem parado. Em finais de 2019, na área Norte, os dois edifícios multifamiliares, já reabilitados, foram conectados à rede de calor urbana, fornecendo aquecimento e águas quentes sanitárias aos residentes de 214 casas. A alteração na fonte de energia utilizada na rede de aquecimento urbana para calor residual proveniente de data centers obrigou a que esta passasse a funcionar a temperaturas médias (em vez de elevadas), rondando agora os 75º C no verão e os 90º C no inverno, explica a WarmteStad, empresa municipal de energia responsável pela instalação. No decorrer de 2020, o edifício Powerhouse, na zona Sul, foi conectado ao sistema de energia térmica colectivo a partir de um aquífero da WarmteStad. Para alternar entre a água subterrânea para aquecimento e a água subterrânea para arrefecimento, foi instalado um circuito de losango. A água subterrânea é também usada como fonte para as bombas de calor ou para arrefecimento passivo.
Já em Março deste ano, avançava a instalação de uma bomba de calor ar-água, combinada com sistema de recuperação de calor, na primeira das três moradias de demonstração do projecto em Paddepoel (Norte). Para breve, está prevista a instalação dos painéis fotovoltaicos, desta vez, não na cobertura, cuja orientação é a norte, mas num espaço ensolarado no jardim.
Os quatro componentes dos PED*
1. Eficiência energética – reduzir as necessidades de energia dos edifícios é o ponto de partida para a abordagem PED e, visto que a maioria dos projectos visa edifícios existentes, este representa um dos principais desafios da abordagem;
2. Renováveis – integrar tecnologias de energia renováveis nos edifícios e nas proximidades, podendo também dar-se o caso de instalações isoladas fora do limite geográfico do conjunto de edifícios (nessa situação, o PED terá uma delimitação virtual);
3. Flexibilidade energética – é essencial quer na produção de energia, quer na gestão da procura e armazenamento, de forma a permitir uma maior integração local de fontes renováveis;
4. Mobilidade eléctrica e infraestruturas de carregamento – os veículos eléctricos podem ser um componente de armazenamento e apoio à rede eléctrica, todavia, a procura por mobilidade eléctrica não pode ser demasiado elevada, sob risco de desequilibrar o sistema. Por esse motivo, outras opções de mobilidade sustentável, como a bicicleta ou os transportes públicos, devem ser promovidas.
*Fonte: Positive Energy Districts Solution Booklet – EU Smart Cities Information System, 2020