Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2022 da Edifícios e Energia
Olhar para a incerteza dos próximos anos é uma tarefa que se impõe. O mercado imobiliário e o da construção estão a crescer. Resiliência é aquilo que os define. As perspectivas são boas para o projecto, para a construção e especialidades. O investimento público vai arrancar, mas a falta de mão-de-obra e de matérias-primas tende a piorar. A inflação e as taxas de juro vão subir, mas Portugal continua a ser um país preferencial no que toca ao investimento imobiliário. Conheça este puzzle de optimismo e desafios para os próximos tempos.
Depois de dois anos que ninguém imaginava, será possível começar a respirar? Para o mercado da construção, da instalação ou do projecto, durante a incerteza e no meio de tantas dificuldades, a resiliência do mercado foi uma marca e um treino que nos vai ser muito útil nos próximos anos, mesmo com a pandemia controlada. Voltando um pouco atrás, tudo o que previmos no início não aconteceu de uma forma dramática, antes pelo contrário. Temia-se o pior em tempos de pandemia e não eram poucas as razões. Nada ajudava e a burocracia e as imposições legais pareciam ser fatais. As vistorias não se realizavam e os técnicos responsáveis nas câmaras municipais estavam desaparecidos… Estes são alguns exemplos.
Sucede que o sector não parou! E esta foi, provavelmente, a primeira grande novidade. As obras avançaram e continuam. Depois de um pequeno impasse, as escrituras começaram a fazer-se à distância e o investimento continuou sem parar. Conseguimos reagir e a transformação digital de alguns processos aconteceu. Mais, ficou provado que continuamos a ser um país apetecível e muito interessante para o investimento estrangeiro. Em 2021, o mercado imobiliário, superou todas as expectativas e quem o explica é a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), no seu relatório sobre a conjuntura da construção relativo ao ano passado no nosso país.
Dados muito importantes se quisermos olhar para o nosso sector no imediato e no futuro próximo. “O consumo de cimento aumentou 5,8 %, a que corresponde o melhor registo dos últimos dez anos. Ao nível da avaliação bancária na habitação, alcançou-se um novo máximo histórico em Dezembro de 2021, com uma subida de 11,2 % face a igual período do ano anterior”. E é no sector residencial que se concentram as maiores atenções. A habitação foi e continua a ser a estrela da companhia. A falta de habitação acessível e os preços para a classe média são as principais razões. “No que concerne ao licenciamento pelas câmaras municipais, constata-se um crescimento global de 7,2 % em resultado das variações de 9,5 % nos edifícios residenciais e de 1,5 % nos não residenciais”, lê-se no estudo.

Segundo a imobiliária JLL, o volume de transacções, em 2021, deverá ter atingido os 33 mil milhões de euros, com o residencial na frente e para o qual ainda se esperam novos máximos em 2022. Depois de 165,7 mil casas vendidas no ano passado – a que corresponde um valor de 26,2 mil milhões de euros –, são agora esperadas vendas de 191 mil unidades neste ano. Este segmento mantém-se em linha com os números de 2019, antes da pandemia. Já para o segmento comercial, e ainda segundo a JLL, o volume de transacções deverá chegar aos 1,9 mil milhões de euros. Ou seja, contra todas as previsões iniciais, o mercado imobiliário e da construção está de boa saúde e já não há dúvidas quanto à dinâmica que se espera para o projecto e para as várias especialidades no sector da energia e edifícios.
João Caramelo, projectista, confirma: “O sector do projecto, a par do imobiliário e da construção, mantém, actualmente, um dinamismo positivo de crescimento, sendo um dos sectores que melhor respondeu à crise pandémica da Covid-19, [e] tendo sido das poucas actividades que tiveram um contributo positivo para a economia, a dever-se aos investimentos, em contraciclo, realizados pelos promotores imobiliários. Esta estratégia foi fundamental para que o sector do projecto e da construção conseguisse ultrapassar as dificuldades geradas pela pandemia.”
Os tempos serão mesmo favoráveis? De um lado, não restam dúvidas de que sim, mas então o que está a preocupar os vários agentes do mercado? As dificuldades que marcaram estes dois últimos anos, que, segundo várias previsões económicas, vão ser agravadas… E a dúvida está em saber como vamos reagir a todos estes desafios. Alguns, podemos controlar, mas outros não dependem de nós. A falta de mão-de-obra e a falta de matérias-primas estão no topo e podemos ainda acrescentar a demora nos processos de licenciamento ou a burocracia que poderão afastar o investimento imobiliário num curto espaço de tempo. E, se começarmos a afunilar, podemos ver mais fragilidades e muitos problemas por resolver porque, no limite, é a qualidade que se ressente e, aí, como sempre, ficamos todos a perder. A nova regulamentação térmica e a obrigatoriedade dos nZEB (nearly-zero energy building) agitaram o mercado do projecto e da instalação. Há consenso de que o caminho é por aí e isso já não é mau. Já sabemos que mais e novas regras exigem mais um ajuste do mercado e uma dinâmica recorrente de adaptação. É isso que o mercado tem feito e bem!
Os benefícios dos nZEB
Começando pelas novas imposições legais como os nZEB e pelos outros requisitos que vieram com a nova regulamentação térmica, o impacto para o sector é já uma realidade desde a concepção, à instalação e à mudança de comportamentos por parte dos ocupantes dos edifícios. António Villanueva é responsável pela área de “Building Physics e Sustentabilidade” da IDOM – Consulting Engineering Architecture, uma empresa de consultadoria mundial reconhecida pela integração de saberes e especialidades, uma multinacional que actua em todo o mundo. Para este engenheiro espanhol, as mudanças regulamentares estão a ajudar a mudar o modelo de como os edifícios são projectados. “Até há pouco tempo, os gabinetes de arquitectura tinham três disciplinas – arquitectura, estruturas e instalações –; agora são muitas as novas disciplinas que vão ao encontro dos objectivos dos edifícios de consumo zero, como é o caso da iluminação natural, da ventilação natural, da energia geotérmica, da biologia, da física do ar, etc. Desaparecem as divisões entre disciplinas e até a tradicional forma de pensar que separava os elementos activos e passivos nos edifícios. Nos próximos anos, vamos assistir ao desenvolvimento desta tendência.”
Na perspectiva de António Villanueva, as edificações devem estar relacionadas com o lugar ou ambiente local e aproveitar os recursos disponíveis nas proximidades, mas, para isso, “devem integrar tecnologias avançadas como GEO-TABS, elementos ambientais, [e] aproveitar a luz natural, a movimentação do ar, etc.” A arquitectura irá estar dependente deste tipo de factores e os projectos fora destes princípios, segundo este engenheiro, vão deixar, em breve, de ser compreendidos.
João Caramelo é director do Grupo EACE, que presta consultadoria na área de engenharia em vários países. Este engenheiro acredita que a nova regulamentação pretende alcançar a renovação energética do parque imobiliário e, para isso, o conceito dos nZEB é decisivo. As novas regras têm um objectivo claro: “reduzir a factura energética e a dependência nacional de energia importada. O conceito dos nZEB veio criar novos desafios e oportunidades ao mercado do projecto e da construção”. A razão e os benefícios estão em linha com o pensamento de António Villannueva. “Os nZEB obrigam a repensar metodologias e levam as empresas a implementar novos meios tecnológicos.”
A exigência de mais valências multidisciplinares aos projectistas e às instalações e construção é uma consequência “e uma forma de dar resposta às necessidades técnicas, cada vez mais complexas e de elevada tecnicidade, impostas para os edifícios”.
Para João Caramelo, as novas regras e as medidas da regulamentação energética também serão um desafio para a construção nos próximos tempos, porque vêm impor limites aos consumos energéticos dos edifícios. Este engenheiro vê como um factor positivo “a criação de políticas de melhoria de eficiência energética e de sustentabilidade, por parte da União Europeia, para a construção e a reabilitação dos edifícios, sendo a temática do nZEB uma realidade actual” pela imposição aos novos edifícios de necessidades quase nulas ao nível do consumo de energia, privilegiando a satisfação das necessidades da energia por via de fontes renováveis que poderão ser produzidas in situ ou nas proximidades.
O mercado e o contexto internacional
Ninguém tem dúvidas de que o mercado está a crescer. Cresceu o investimento imobiliário e a boa notícia já sabemos qual é: em teoria, vai haver trabalho para os próximos anos. O sector do turismo teve uma quebra muito grande, mas tudo indica que poderá renascer nos próximos anos. Entretanto, temos o sector comercial e a logística a quererem acompanhar o que se passa na habitação. “O fim iminente da pandemia coincide com boas perspectivas económicas para os próximos anos. Prevemos muito trabalho no curto prazo”, reforça António Villanueva.
Este é um cenário ideal, mas não devemos perder de vista o contexto mundial. Os constrangimentos que sentimos nos últimos dois anos vão agravar-se. Há, de facto, muito trabalho em pipeline de investimentos realizados no nosso país, muitos projectos para arrancar; vão chegar os fundos comunitários e o investimento público vai finalmente avançar. Sucede que, com mais obras cá e no estrangeiro, o problema da falta de mão-de-obra vai agravar-se.
Aquilo que nos diferenciava há umas décadas é agora um problema que temos de enfrentar e gerir com a máxima sabedoria. Precisamos de pessoas para trabalhar. A esta dificuldade juntam-se outras impossíveis de controlar. A falta de matérias-primas, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a inflação já prevista. O impacto mais visível é o agravamento dos preços das matérias-primas relacionadas com o mercado energético e com a alimentação. E estes dois pontos tocam-nos a todos, ao sector e aos cidadãos. O poder de compra pode diminuir. A Rússia e a Ucrânia são dos maiores exportadores de trigo e milho do mundo e as consequências já se fazem sentir. O valor do barril de petróleo já disparou para máximos de 2014 e o gás natural já valorizou mais de dois dígitos. A energia é dos sectores que mais pressionam a inflação e, por isso, este stress económico poderá influenciar o Banco Central Europeu a subir as taxas de juros.
O investimento e o ciclo de vida dos edifícios
Seja como for, Portugal continua a ser um país de eleição em termos de investimento e a dinâmica dos fundos e do investimento estrangeiro no nosso país “vieram subir um pouco” o nível da construção. “Vejo os fundos como uma vantagem.” Quem o defende é Rui Furtado, responsável pela Afaconsult, uma empresa de projectos multidisciplinares, que promove a prática de uma filosofia de projecto integrado para os edifícios. É conhecida há décadas por a praticar numa altura em que as especialidades estavam muito divididas. Para este engenheiro civil, “o objectivo dos fundos é a locação e, por isso, os gestores destes activos estão preocupados com o ciclo de vida do edifício, mais do que com a venda”. E é neste ponto que importa entender as possibilidades que temos pela frente.
Segundo João Caramelo, os nZEB vêm dar uma ajuda preciosa quando falamos em eficiência energética, já que as necessidades energéticas são suprimidas através das construções passivas e da produção local de energia. “Para atingir os objectivos regulamentares, serão desenvolvidas melhorias ao nível dos materiais a aplicar na envolvente e iremos assistir ao aparecimento de tecnologias de sombreamento cada vez mais flexíveis e com a integração de sistemas de produção de energia (térmica ou eléctrica) para promover o autoconsumo, e envidraçados com características térmicas melhoradas, para dar resposta a soluções arquitectónicas com vãos de grandes áreas nas fachadas.” Para os investidores, a questão da eficiência energética já é um dado adquirido.
Questões como a ambiental, numa lógica de sustentabilidade, e a preocupação pelos materiais do lado do ciclo de vida dos edifícios, mas também do lado da energia incorporada, são temas que já estão noutro patamar de exigências. A maioria dos investimentos estrangeiros em grandes edifícios passa pelos selos de sustentabilidade e já são muitos os que se preocupam com a pegada energética e ambiental dos materiais que são utilizados. Rui Furtado recorda que a questão ambiental “é uma guerra”, lembrando o facto de “a indústria da construção representar entre 40 a 50 % dos gases com efeito de estufa que são libertados, um tema muito pouco falado e desconhecido”.
“No fim do dia, vai tudo parar ao tema do mercado. Veja-se o que se passa com os carros eléctricos: não se fala noutra coisa porque há um mercado muito grande. O pior material que existe é o betão (e fantástico ao mesmo tempo), que não tem substituto ainda. Começam a aparecer construções de madeira, já há promotores a querem utilizá-la mais, mas por questões de mercado. Nós tivemos um concurso na Suíça para grandes edifícios de escritórios (um banco) onde era pedida uma estrutura de madeira. Estes projectos já começam a aparecer. O nível de exigência da sociedade tem vindo a aumentar e o mercado está a responder. Vejo, neste momento, promotores preocupados e a apresentar produtos eco-friendly. Mas ainda é tudo residual”, refere. Nesse sentido, admite reconhecer a “importância da legislação como forma de pressionar o mercado e obrigar ao respeito pelas regras de forma a ser possível acelerar numa determinada direcção”. E continua: “esta legislação que temos vai por aí, mas estamos a falar de exigências limitadas a um país pequeno e pouco abonado como o nosso. Veja-se o caso da França. Na legislação francesa, já existe a obrigação de que uma percentagem elevada de edifícios públicos tenha de ser construções de madeira. A legislação francesa vai mais longe também no que diz respeito às performances energéticas nos edifícios, onde é difícil fazer janelas maiores do que 1 m2 num edifício de habitação porque, para cumprir a legislação, há que criar uma série de outras compensações que depois os promotores não querem pagar”.
Para além da base política energética no nuclear, são muitas as coisas que nos separam da França. “Tudo vai parar ao problema do preço da energia. Os franceses têm energia barata. No meu entender, não existem muitas alternativas ao nuclear. O peso da energia eléctrica vai ser brutal na sociedade e nas empresas nos próximos anos. Não há economia que resista se não se conseguirem soluções mais baratas. Esta questão tem tudo a ver com estes temas. Pode fazer-se o que se quiser, mas as necessidades de energia eléctrica vão ser cada vez maiores”, explica Rui Furtado.
Depois da eficiência energética, da sustentabilidade e de outros focos que têm marcado as últimas décadas, a questão da energia incorporada nos materiais começa a ganhar força quando se aprofunda o tema do ciclo de vida dos edifícios e quando se passa da análise dos custos económicos para a dos custos ambientais – um exercício que já não é raro e do qual, em breve, iremos ouvir falar mais. “Este tema começa a aparecer no mercado quando os promotores nos pedem edifícios certificados com BREEAM ou LEED”, esclarece Rui Furtado.
O tema está necessariamente ligado à sustentabilidade dos edifícios. “Nessa altura, estes temas passam a ser estruturantes para o projecto porque há um guião que todas as pessoas têm de seguir. As certificações ambientais dos edifícios são uma vantagem e acrescentam muito à legislação que existe. Neste momento, não existe ainda um modelo de avaliação das questões sobre o ciclo de vida dos edifícios, porque, no fim de contas, é isso que deve ser feito. A questão da energia incorporada nos materiais também é limitada. O assunto tem de ser visto no ciclo de vida dos edifícios, no qual devem ser analisadas todas as questões energéticas e ambientais. Não existe ainda um framework sobre o impacto e a pegada dos edifícios. E quando essa ferramenta existir de uma forma estruturada estaremos, aí, em condições de sermos mais completos na análise e na informação de que precisamos para tomar decisões”.
Os projectistas já têm essa informação ou sabem onde a encontrar. “Já sabemos o que temos de fazer, sim, mas aí entra o mercado. Estará o mercado interessado? Os projectistas podem fazê-lo, mas a decisão é do promotor. Claro que, quando estamos a falar de investimentos por parte de um fundo que aluga o edifício, a conversa do investidor é uma; quando os edifícios são concebidos para promoção imobiliária, a conversa já é outra completamente diferente”, conclui Rui Furtado.
OPINIÃO
“Em 2020, com a chegada da pandemia, o mundo parou e, por arrasto, o mercado das instalações especiais. Foram precisos meses para vermos alguma dinâmica, mas ainda com muita timidez. Projectos que estavam parados arrancaram de novo, mas o impacto da pandemia foi tal que obrigou a maioria dos donos de obra a repensar os seus investimentos quer na dimensão quer no tempo de execução. Apesar disto, entrámos em 2021 com algum optimismo à mistura; no entanto, pouco depois, mais um revés, com praticamente dois meses em stand-by. Apesar disto tudo, vimos o nosso trabalho a crescer e, quando chegámos a meio do ano, a escassez de material e equipamentos e o consequente aumento dos preços vieram assombrar-nos outra vez. O mercado está muito volátil. Não se perspectiva uma melhoria nas cadeias de fornecimento nem uma paragem no aumento exacerbado dos preços. Vai levar alguns anos até que o mercado estabilize e se possa aproximar tanto quanto possível dos anos pré-pandemia.
Para complicar toda esta situação, temos ainda a enorme falta de mão-de-obra especializada e não especializada. Há necessidade imperiosa de uma mudança estrutural no ensino técnico-profissional, direccionando-o para profissões que apresentam grande escassez de oferta.
Com a limitação da utilização de gases fluorados com efeito de estufa, imposta pelo Regulamento (UE) 517/2014, temos assistido a um crescimento na utilização de tecnologias verdes com impacto ambiental mínimo tanto através de fluidos naturais, tais como o CO2 (dióxido de Carbono), o NH3 (amoníaco) e o R290 (Propano), como através de fluidos com muito baixo PAG (Potencial de Aquecimento Global), tais como o R1234ze e o R1234yf.
Paralelamente, a procura de equipamentos e soluções mais eficientes e de utilização mais inteligente tem sido a direcção certa para atingir a meta de edifícios nZEB, contando aqui com uma fatia de leão para as energias renováveis ou de produção local.
O impacto da nova regulamentação térmica e dos edifícios nZEB vai ser bastante positiva para os Instaladores de Instalações Técnicas Especiais, pois irá criar novas exigências na construção, manutenção e operação dos edifícios, que irão desde as inspecções periódicas com vista à avaliação do desempenho dos edifícios e identificação de oportunidades de melhoria, passando pela implementação de sistemas de automação para racionalização dos consumos, até à instalação de infraestruturas e pontos de carregamento para veículos eléctricos. Desta forma, irão surgir inúmeras oportunidades de negócios para os Instaladores que tenham a capacidade de adaptação às novas exigências do mercado.”