Apesar de todas as expectativas de que a recuperação pós-pandemia iria ser feita com base no acelerar da transição energética a nível global, esta “oportunidade histórica foi perdida”. A conclusão consta do relatório anual da REN21, divulgado hoje, e no qual se alerta para o facto de que “a transição para a energia limpa global não está a acontecer”, sendo, por isso, “improvável que o mundo consiga cumprir as metas climáticas desta década”.

O Renewables 2022 Global Status Report (GSR 2022) é o relatório anual da comunidade internacional de especialistas e agentes do sector energético REN21 que avalia o progresso feito na disseminação do uso de energias renováveis no mundo. Este ano, a publicação, que vai já na sua 17.ª edição, é lançada no contexto da “maior crise energética da História moderna”, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e por um choque “sem precedentes” nas cadeias de bens essenciais.

Segundo o relatório, os compromissos políticos com a transição energética e a neutralidade climática feitos no rescaldo do surgimento da pandemia de Covid-19 e que pressupunham que a recuperação mundial assentasse numa revolução “verde” não se traduziram em acções. O impulso acabou por “passar desaproveitado”, refere a publicação, dando conta de que, embora alguns países tenham implementado medidas importantes nesse sentido, a “forte” recuperação económica global que se fez sentir em 2021 acabou por resultar num aumento de 4 % do uso de energia final  – e consequentemente um aumento de 6 % nas emissões de CO2 – que não foi compensado pelo aumento registado nas renováveis.

O GSR 2022 mostra que, a nível global, a percentagem de energias renováveis no uso de energia final estagnou (12,6 % em 2020) e que a transição no sistema energético para fontes renováveis não está a acontecer. Nos últimos anos, as renováveis têm vindo a crescer, mas sem compensar o aumento no consumo de energia: no caso da electricidade, apesar de se ter registado um crescimento recorde em termos de capacidade (+17 % face a 2020) e de produção (7 7793 Terawatt-hora), houve também um aumento de 6 % no consumo; no sector do aquecimento e arrefecimento, o contributo das renováveis passou de 8,9 % em 2009 para 11,2 % em 2019; nos transportes, o progresso é ainda mais tímido, passando de 2,4 % em 2009 para 3,7 % em 2019.

“O colapso do velho regime energético”

Numa repetição do alerta lançado também em 2021, o documento da REN21 aponta uma “lacuna preocupante entre a ambição e a acção”. O relatório indica que os governos continuam a optar por subsidiar os combustíveis fósseis, sendo esta a primeira opção para mitigar os efeitos da crise energética. Ao todo, entre 2018 e 2020, cerca de 18 triliões de dólares, o equivalente a 7 % do PIB global (2020), foram gastos em subsídios deste tipo, indica a fonte. Só em 2020, esse valor foi de 5,9 triliões de dólaras, ou seja, 11 milhões por minuto.

Esta tendência “ignora as muitas oportunidades e os benefícios de transitar para uma sociedade e uma economia baseadas em renováveis”, diz a REN21, em comunicado, destacando, como exemplos, a capacidade de alcançar sistemas de governança energética mais diversificados e inclusivos através da descentralização da produção de energia e de cadeias de valor locais, e maiores níveis de independência e segurança energéticas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia no início deste ano veio agravar uma crise energética que já dava sinais em 2021, com a “maior escalada nos preços da energia desde a crise do petróleo de 1973”. O contexto actual revela o “colapso do velho regime energético”, arrastando consigo a economia global, refere Rana Adib, director executivo da REN21. No entanto, para o responsável, “a resposta à crise e as metas climáticas não devem estar em conflito”, defendendo que as renováveis são “a solução mais acessível e adequada” para lidar com flutuações nos preços da energia. “Temos de alavancar a quota de renováveis e fazer delas uma prioridade para a política económica e industrial. Não podemos combater o fogo com fogo”, afirma Adib.

Para inverter esta situação, a REN21 pede a definição de metas de curto e longo prazo e de planos para uma transição para fontes de energias renováveis acompanhadas de datas concretas para o abandono dos combustíveis fósseis. “A adopção de renováveis deve ser um indicador de desempenho chave transversal a todos os sectores económicos”, apela, por sua vez, Arthouros Zervos, presidente da entidade.

A REN21 é uma comunidade internacional de especialistas e agentes do sector das energias renováveis, incluindo membros da academia e ciências, de entidades governamentais, de organizações não-governamentais e da indústria. A edição de 2022 do GSR contou com o contributo de mais de 650 especialistas de 55 países, entre os quais representantes da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) e da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

Uma versão interactiva do relatório GSR 2022 pode ser consultada aqui.