O ditado diz “em casa de ferreiro, espeto de pau”, mas a Kerakoll, fornecedora de materiais e serviços para Green Building, contraria a sabedoria popular e não põe de lado o know-how quando se trata de edifícios “da casa”. É por isso que, no novo edifício industrial em Rio Maior, o primeiro da empresa em Portugal, é a sustentabilidade que dita as regras. É disto que nos fala o arquitecto responsável, José António Lopes, CEO do gabinete ad quadratum arquitectos.
Antes do final de 2021, a Kerakoll celebrou a inauguração da primeira unidade industrial da empresa em território português, em Rio Maior, no distrito de Santarém. Mesmo com alguns constrangimentos trazidos pela pandemia de Covid-19, o edifício materializou-se em menos de um ano, exigindo um investimento de 11 milhões de euros e o envolvimento de mais de uma centena de operários especializados.
O resultado final está à vista. A nova unidade ergue-se, com uma cércea máxima de 15 metros, numa cércea dominante de 11,50 metros, ao longo de uma superfície total de 19 mil m², de que 6,6 mil m² são cobertos. Servindo múltiplas funções, o conjunto edificado é composto pela nave de armazenagem/fabrico, num piso térreo, e pela área administrativa de apoio à produção no topo nascente, com dois pisos, e pela área de recepção, de formação, comercial e administrativa, no topo poente, com três pisos.
Em pleno funcionamento, o edifício industrial terá uma capacidade produtiva de cerca de 60 mil toneladas por ano, aprofundando a posição da empresa internacional no sector da construção sustentável, marcada pelo desenvolvimento de materiais eco-sustentáveis em nove laboratórios especializados, pela formação de profissionais num Green Campus e pelo fornecimento soluções alargadas no sector da construção sustentável, desde argamassas e rebocos naturais, a serviços de colocação de cerâmica e pedras naturais ou de recuperação e reforço de betão armado e alvenarias.
Olhando para o edifício que integra agora a paisagem do Parque de Negócios de Rio Maior, saltam à vista os painéis solares e as coberturas verdes, duas medidas que procuram conferir um desempenho energético focado em maior sustentabilidade. No total, o edifício acolhe 443 painéis fotovoltaicos. “Foi um condicionante do projecto”, conta José António Lopes, CEO da ad quadratum arquitectos, que assina o projecto.
Considerando as características do edifício e o propósito industrial, o arquitecto responsável realça que o recurso a fontes de energia renovável era um ponto incontornável nesta obra. Para retirar o máximo proveito desta tecnologia, o também urbanista afirma ter sido assegurado que “todas as faces da cobertura voltadas ao quadrante solar mais favorável, a Sul, estavam integralmente cobertas com painéis fotovoltaicos para a produção e autoconsumo de energia eléctrica e aquecimento de águas para consumo interior”. No total, a Kerakoll estima que estes painéis fotovoltaicos sejam capazes de assegurar a produção anual de 55 % da energia eléctrica e 70 % da água quente usada no edifício.
Dentro das “soluções desenvolvidas e implementadas” neste edifício industrial, José António Lopes salienta ainda o “multifacetado uso de plantas vivas e dos seus substractos”. Este uso facilita o ensombramento e, por conseguinte, permite não só a “estabilização do sobreaquecimento de fachadas” como, por extensão, a “moderação das oscilações térmicas dos espaços interiores”. No sentido de contribuir também para o isolamento, cujos sistemas para isolamento térmico perfazem 900 m², para a inércia térmica do conjunto e para o conforto térmico interior, foi também utilizada uma cobertura ajardinada numa parte “expressiva” do edifício administrativo. A título de exemplo, o átrio interior possui um “elevado índice de constância térmica do ar interior”, graças ao contributo da cobertura ajardinada, aliado também ao “elevado desempenho térmico dos envidraçados e do sistema de ensombramento, complementado por cortina verde de trepadeiras”.
Estas opções, continua o autor do projecto, têm um impacto “decisivo” a nível da sustentabilidade do edifício, ao traduzirem-se “numa expressiva redução dos consumos associados aos mecanismos de climatização, o que, para além da economia de utilização, se traduz consequentemente numa redução da pegada carbónica e da emissão de gases com efeito de estufa”.
Não obstante, estas não são as únicas decisões orientadas para a sustentabilidade. Como refere José António Lopes, o projecto “tentou integrar, de forma ponderada e razoável, face à sua tipologia e natureza, um conjunto alargado de soluções que visam a sustentabilidade de todo o processo”. Um processo que inclui “desde a perspectiva da concepção, à execução de obra, como também à utilização corrente, procedimentos de manutenção corrente e extraordinária e até mesmo ao processo de fim de vida dos materiais, lógicas estas características dos processos de avaliação do ciclo de vida dos edifícios, segundo os melhores princípios de circularidade de processos de construção”.
Decisões orientadas para a sustentabilidade
Este não é um edifício que ambiciona necessariamente ser um “exemplo”, pois, como diz José António Lopes, as boas práticas implementadas podem ser sempre alvo de melhoria e incremento, tendo em consideração a “grande” evolução do estado da arte dos saberes na área da sustentabilidade, “seja pela técnica, seja pela tecnologia”. No entanto, a missão e a “responsabilidade ambiental, paisagística e até social” de todos os actores envolvidos, desde os projectistas, aos construtores e donos de obra, passam por “assegurar e observar – como foi este o caso – a mais alta ambição de cumprimento das metas ambientais e da sustentabilidade, considerando os contextos específicos – e nunca óptimos – em que são desenvolvidos estes grandes investimentos”.
Neste contexto, vários dos investimentos realizados no âmbito desta obra tiveram como foco a procura por uma maior sustentabilidade. Como referido, o recurso a vegetação em jardins, fachadas e coberturas é uma medida passiva de controlo térmico e solar. Contudo, esta decisão representa também outras motivações: além de um “desempenho paisagístico”, esta opção verde tem uma função de atenuação de ruído e das poeiras resultantes da actividade da unidade produtiva.
Para salvaguardar a sustentabilidade desta decisão de recurso a vegetação, o responsável adianta que as coberturas ajardinadas se regem “pelas melhores boas práticas” no que diz respeito ao plantio, tendo sido seleccionadas espécies adequadas ao local e cuja manutenção é de “baixa intensidade”.
Complementarmente, o usufruto de luz natural é outra decisão tomada pelo arquitecto. “Parte da iluminação interior das naves de armazenagem e fabrico é assegurada por meios naturais, através de clarabóias na cobertura, devidamente dimensionadas para o conforto dos utilizadores”, esclarece José António Lopes. E acrescenta que esta medida permite, assim, potenciar “a localização regional da construção, considerando-se o elevado índice médio de horas de sol [de que se dispõe]”.
E uma obra não se faz sem materiais. Sobre isto, o urbanista refere que na generalidade dos materiais de construção utilizados urge não só cumprir “elevados níveis de qualidade” como ter “em particular atenção a opção, sempre que possível, por soluções de elevado desempenho e baixo impacto ambiental”, seja este no processo de fabrico, seja nos métodos de aplicação em obra. Neste caso, tratando-se de uma obra de uma empresa que actua no sector da construção sustentável, o especialista partilha que houve “expressamente a intenção de utilizar sempre que possível materiais e sistemas construtivos da própria Kerakoll, cujos processos de certificação ambiental e de qualidade avaliam a escolha”.
A própria selecção do local de construção não é mero fruto da ocasião. Trata-se de uma opção deliberada e estratégica tomada pelo grupo Kerakoll e pelo gabinete da ad quadratum arquitectos. Se, por um lado, a construção no Parque de Negócios de Rio Maior facilita uma posição relativamente central no país, por outro, garante a proximidade à costa atlântica. Desta premissa a montante do projecto, resulta uma maior proximidade a recursos e matérias-primas, tais como areias, carbonato de cálcio e cimentos, e um “equilíbrio óptimo entre alimentação de matérias-primas e o escoamento de produtos acabados”, partilha o arquitecto responsável. “Em linha com a vocação sustentável da empresa”, todas estas consequências vão também culminar, com a redução do tráfego rodoviário, na minimização do “impacto negativo ambiental de operações logísticas extensas, com elevada pegada carbónica”, destaca José António Lopes.
Um esforço multidisciplinar que compensa?
“A dinâmica do mundo do projecto e da construção é muito grande e hoje consideram-se, em todas as fases do processo, um número sempre crescente de condicionantes e complexidades”, realça José António Lopes. Conjugar e harmonizar condições, restrições e oportunidades identificáveis é uma tarefa árdua e, por isso, para dar a “melhor e mais completa resposta aos requisitos de um projecto”, o arquitecto aponta para as equipas multidisciplinares como a melhor aposta. Nos edifícios de natureza industrial, esta é uma realidade mais evidente, dado que às “condicionantes do layout produtivo específico acresce, por vezes, uma quase desproporcional complexidade às soluções, só devidamente resolvida pelo esforço conjunto das diversas equipas de projecto e do industrial”.
Com mais de duas décadas de experiência, a ad quadratum arquitectos aplicou, neste edifício em Rio Maior, esse mesmo princípio de multidisciplinaridade nos serviços de planeamento e consultadoria prestados à Kerakoll, na ponderação de “diversas hipóteses de localização e configuração do empreendimento”. “Há que fazer justiça ao envolvimento da vasta e diversificada equipa pluridisciplinar, que, para além dos arquitectos, contou indissociavelmente com os vários saberes da engenharia, da fiscalização e dos construtores”, sublinha.
Esta união de forças na tomada de decisões de projecto traduz-se, depois, na prática, na possibilidade de evitar ou reduzir algumas necessidades energéticas. Como tal, é expectável que o edifício demonstre “ganhos significativos, face a soluções ditas correntes ou tradicionais” em termos de evitamento de emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Todavia, José António Lopes diz que o “desempenho do edifício, como um conjunto, está ainda por quantificar devidamente”, uma vez que só será “possível e credível” fazê-lo após o final do primeiro ano em funcionamento. “Só nessa altura será possível, à luz da regulamentação em vigor, estabelecer, com recurso aos devidos factores de conversão CO2 [dióxido de carbono] e TEP [tonelada de petróleo equivalente], o efectivo desempenho do edifício.”
A aposta da Kerakoll em Portugal
Fundada em 1968, na comuna italiana de Sassuolo – conhecida pela importante região cerâmica –, que integra a província de Modena, a Kerakoll é hoje uma empresa de carácter internacional que actua no sector da construção sustentável. Actualmente, conta com 17 unidades produtivas distribuídas por nove países, sendo a mais recente em Portugal. Essa, inaugurada no final do ano de 2021, em Rio Maior, é a primeira marca de produção da empresa no país.
Presente em Portugal desde 2006 através da filial Kerakoll Portugal S.A., com sede na Venda do Pinheiro, a Kerakoll reforça, assim, com esta nova unidade, a aposta no país. A decisão decorre do plano de desenvolvimento industrial que o grupo estabeleceu em 2020 “para o crescimento internacional, com 175 milhões de euros de investimento alocados para os próximos cinco anos”, reforçando também a presença da Kerakoll na Península Ibérica, onde já é activa com duas unidades produtivas em Espanha, em Almazora e em Castellón de la Plana. Quem o diz é Andrea Remotti, administrador delegado do grupo, para quem Portugal apresenta um “mercado particularmente interessante pela potencialidade de crescimento económico e pelas dinâmicas em perspectiva especificamente no sector da construção”.
Aquando da inauguração da unidade produtiva, em Dezembro, a Kerakoll aproveitou para ilustrar como, nesta fábrica, “caracterizada por uma elevada automação e por uma grande flexibilidade produtiva que permite realizar numerosas mudanças de produção”, serão produzidos, por exemplo, adesivos como o H40 Gel, lançado pela primeira vez no mercado português.
Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2022 da Edifícios e Energia