Desenvolver centrais eléctricas virtuais, baseadas em inteligência artificial, automatização remota e blockchain, com vista a optimizar a flexibilidade energética das comunidades de energia é a proposta do projecto europeu FleXunity, lançado há cerca de um ano. Coordenado pela empresa portuguesa Virtual Power Solutions, a iniciativa pretende criar condições para facilitar a introdução de electricidade de origem renovável no mix energético e encontrar formas, para o prosumer, de monetizar não só o excedente produzido, mas também a própria flexibilidade energética. Luísa Matos, CEO da Virtual Power Solutions e coordenadora do FleXunity, explica tudo. 

No contexto das comunidades de energia, qual a importância da flexibilidade de rede?

A importância da flexibilidade energética num contexto de comunidade de energia deriva da sua agregação e consequente potencial para utilização de uma comunidade de energia como uma “entidade única” com papel activo nos mercados de energia. Trata-se, no fundo, da criação de um novo actor no mercado que representa a agregação de vários consumidores e pequenos produtores, contribuindo para uma maior democratização do sector energético.

Que benefícios pode trazer?

A flexibilidade energética da comunidade de energia pode, pois, ser accionada para vários fins. No FleXunity, estamos a estudar os seus benefícios dentro da própria comunidade, no sentido de optimizar um modelo de partilha entre pares e redução do excedente da comunidade, estudamos ainda o benefício do lado do comercializador na gestão das suas operações no mercado grossista e prestação de nossos serviços aos seus clientes, e, por fim, estudamos os benefícios do lado dos operadores do sistema para a utilização das comunidades de energia como novas entidades que prestam serviços de balanço ao sistema.

Que oportunidades representam a inteligência artificial e a tecnologia blockchain neste projecto?

A inteligência artificial tem um papel central no estudo dos benefícios em função de cada óptimo desejado. Tendo em conta a vasta quantidade de dados a serem adquiridos em tempo real, tanto de cargas flexíveis como de unidades de produção, a necessidade de traçar os cenários em função do histórico e das previsões de produção e consumo de múltiplas cargas, bem como o potencial de flexibilidade energética de cada activo da comunidade, estão a ser trabalhados os diferentes algoritmos que vão facilitar a tomada de decisão na gestão da comunidade de energia de acordo com cada modelo de negócio desenhado. Também a tecnologia blockchain terá um papel central para a transparência do registo e transação de energia entre pares, promovendo maior confiança a todo o processo para todos os stakeholders envolvidos.

Que desafios se colocam actualmente no desenvolvimento e aplicação destas tecnologias ao sector da energia?

Os desafios são principalmente de enquadramento legal em alguns países, [desenvolvimento de] modelos de negócio adequados e relacionados com o envolvimento com o utilizador final. A evolução da legislação será fundamental em alguns países para que a visão do FleXunity seja uma realidade, mas, de facto, existem já países onde o mercado é mais aberto e onde será possível avançar. Também o desafio na definição dos modelos de negócio mais adequados e que sejam capazes de gerar benefícios para os diferentes stakeholders são relevantes, mas o driver não será exclusivamente económico. O desafio maior será na criação de estratégias adequadas de envolvimento do utilizador, pois será crítico para o sucesso da aplicação destas tecnologias no sector da energia.

Qual o papel do consumidor/produtor (prosumer) neste modelo e como ele se poderá relacionar com as ferramentas em desenvolvimento?

O consumidor/produtor poderá ter um papel activo na sua participação na comunidade de energia. Terá acesso a uma aplicação que lhe permite gerir os seus activos na comunidade, ou seja, as suas cargas flexíveis e unidades de produção, e ficar informado sobre os resultados da sua participação. Pretende-se que o utilizador possa configurar o seu perfil de acordo com as suas próprias preferências, dando assim espaço para reunir requisitos particulares de cada participante e garantir o seu conforto. Para além desta possibilidade de relacionamento mais técnico, pretende-se estimular um relacionamento ao nível ambiental, social e económico, dando acesso, de forma transparente, à informação sobre a pegada de carbono individual, o relacionamento entre pares, o contributo para a descarbonização da comunidade de energia e os retornos económicos em termos de poupanças ou novas receitas.

Os quadros legais têm vindo a evoluir a diferentes ritmos em vários países, sendo possível, no curto prazo, implementar todas as funcionalidades em desenvolvimento noutras geografias e espera-se que, no médio prazo, em Portugal, nomeadamente, as relacionadas com transacções directas entre pares ou a participação de forma agregada em mercados de balanço ou serviços de sistema.

As comunidades de energia começam agora a formar-se em Portugal. Face aos objectivos deste projecto, em que ponto estamos?

O FleXunity é um projecto com uma visão progressista do que pode ser o papel do consumidor/produtor, bem como o papel das comunidades de energia nos sistemas eléctricos dos diferentes países. De facto, um pequeno consumidor individual não terá impacto na rede, mas a agregação de múltiplos consumidores em comunidades de energia e a gestão de múltiplas comunidades de energia pode ser visto como um activo relevante no futuro das redes eléctricas, surgindo daí o termo virtual power plant (centrais eléctricas virtuais). O enquadramento actual das comunidades de energia em Portugal é um primeiro passo nesta visão e um ponto de partida para o lançamento em mercado de alguns dos resultados do projecto.

Há muitas diferenças entre os países?

Os quadros legais têm vindo a evoluir a diferentes ritmos em vários países, sendo possível, no curto prazo, implementar todas as funcionalidades em desenvolvimento noutras geografias e espera-se que, no médio prazo, em Portugal, nomeadamente, as relacionadas com transacções directas entre pares ou a participação de forma agregada em mercados de balanço ou serviços de sistema.

Qual será o papel da Virtual Power Solutions no projecto?

A Virtual Power Solutions acredita que os consumidores domésticos, comerciais e industriais terão um papel activo nos sistemas energéticos do futuro. Para tal ser possível e viável, serão necessárias novas ferramentas digitais para optimizar e usar a energia de forma mais eficiente, bem como plataformas para partilhar e vender os recursos energéticos de cada consumidor/produtor. A VPS tem já estas ferramentas digitais, fruto dos desenvolvimentos e actividades de inovação que tem vindo a desenvolver nos últimos dez anos. Foi feito um longo caminho onde desenvolvemos, testamos e validamos toda a infra-estrutura Internet of Things, trabalhamos com as primeiras comunidades de energia, mesmo quando ainda não eram apresentadas com esse nome, em projectos em Itália, Espanha, Reino Unido, Israel, Brasil e Portugal, onde foram desenhados novos modelos de negócio, estudados os benefícios da partilha de energia e ultimamente estudada a dimensão de criação de valor social na comunidade.

Como a participação no FleXunity vai ao encontro do posicionamento da empresa no mercado?

O projecto FleXunity permite-nos preparar um futuro mais ousado, posicionando a empresa como fornecedor de tecnologia e de serviços inteligentes de energia internacionalmente. Pretendemos ter um papel activo na construção de um futuro mais sustentável, disponibilizando plataformas digitais avançadas que simplificam a participação dos consumidores de energia numa nova realidade do sector energético, onde poderão contribuir activamente para a descarbonização da economia com a redução da sua pegada de carbono e aumento da utilização de energias renováveis. Ao mesmo tempo, será possível gerar benefícios significativos para todos os agentes envolvidos nas redes energéticas modernas.