À frente da European Energy Research Alliance (EERA), Nils Røkke explicou à Edifícios e Energia o conceito de “soluções positivas para o clima”. Para o também vice-presidente executivo para a sustentabilidade do instituto de investigação independente escandinavo SiNTEF Energy, é preciso tirar-se partido das várias oportunidades existentes, desde as fontes de energia renovável às soluções de captura e armazenamento de carbono, passando pelo hidrogénio, e “todos temos de fazer tudo o que está ao nosso alcance”.

 

É presidente do conselho da European Energy Research Alliance – EERA. Na sua opinião, a fórmula europeia para a Investigação e Desenvolvimento (I&D) tem tido sucesso?
No campo da energia, o Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas (Plano SET) é o principal elemento da política de investigação e desenvolvimento da União Europeia (UE). O Plano SET visa acelerar o desenvolvimento e implementação de tecnologias de baixo carbono e tem sido fundamental para a existência de uma agenda comum de investigação e inovação no campo da energia na Europa, que não era o caso há 12 anos, antes da concepção do Plano SET. A fórmula europeia para a investigação espera que nós, a EERA, possamos ajudar a catalisar e a mobilizar, sempre que possível, os esforços regionais, nacionais e europeus e oferecer resultados de pesquisa desde a investigação básica até ao início da fase de demonstração. As histórias de sucesso do Plano SET incluem o módulo solar mais eficiente de sempre, armazenamento energético inteligente para as residências particulares e novos líquidos magnéticos que convertem calor residual em energia. Vemos estas inovações a darem frutos de maneira constante devido aos esforços concertados ao abrigo do Plano SET, no qual a agenda de investigação e inovação da EERA desempenha também um papel significativo. No final de contas, como podem 50 mil pessoas envolvidas na investigação energética não estarem envolvidas na disponibilização de tal progresso?!

O que é necessário ou possível melhorar?
Actualmente, a fórmula de investigação europeia funciona muito bem, mas, com os desafios que nós, enquanto sociedade, enfrentamos, é necessário um desenvolvimento e reinvenção constantes. A Europa necessita de aumentar os investimentos em investigação energética para soluções sustentáveis capazes de criar postos de trabalho e crescimento sustentável. E a investigação energética é muito abrangente – é fundamental para a criação conjunta de novas soluções para o transporte, alterações climáticas e alimentação. A energia é o elemento que liga todos estes sectores e adequa-se claramente à abordagem de missão do novo programa Horizon Europe. Ao mesmo tempo, o governo necessita de regular a estrutura de maneira consistente com um percurso de desenvolvimento sustentável de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Isto criará uma plataforma previsível para a indústria e para o mercado, para que estes operem de maneira eficiente, e também uma vantagem competitiva para os negócios. O mercado é um bom serviçal, mas não um bom mestre no que toca ao encerramento de insucessos de mercado e é aqui que a política terá de representar um papel mais significativo. A preocupação do público com as alterações climáticas, sem exemplificadas pelas marchas dos jovens pelas ruas, oferece impulso para novas políticas – com um maior enfoque na proteção do clima. Caso o sector público incentive a investigação e a inovação para realizar projectos piloto e protótipos de maior escala, iremos efectuar melhorias com um efeito significativamente positivo.

A electrificação (renovável) é uma grande tendência para o futuro. De que forma poderá isto ter impacto sobre o sistema energético actual?
A electrificação é e será fundamental. Estudos revelam que seríamos capazes de electrificar até 65-70 % do consumo energético primário na Europa. A parte restante terá de ser fornecida por moléculas de emissões zero e soluções de captura e armazenamento de CO2 (CCS).

Como fazer isso?
Isto irá ter um grande impacto sobre o nosso sistema energético, que é 30 % renovável nos dias de hoje. Teremos, então, de fornecer renováveis para os restantes 70 % e oferecer, pelo menos, o mesmo valor como geração de energia, actualmente, através de renováveis para outros usos, como calor, transporte, processos industriais, etc. Necessitaremos de muitas mais interligações na Europa e o armazenamento energético será fundamental – baterias, armazenamento hídrico e hidrogénio são as palavras chave em conjunto com redes inteligentes para lidar com os fornecimentos distribuídos, digitalizados e descarbonizados.

O solar fotovoltaico poderá ser uma das respostas. Que melhorias prevê dentro desta tecnologia?
As melhorias mais esperadas nesta área podem ser antecipadas ao observarmos o projecto CPVMATCH financiado pela UE. O projecto visa melhorar o desempenho e reduzir o custo da energia solar através de designs, materiais e técnicas de fabrico inovadores. Os ganhos foram obtidos através da colocação de materiais no topo uns dos outros para captar mais espectro de luz com maior eficiência do que nos fotovoltaicos convencionais. O nosso módulo de quatro ligações testado no projecto foi capaz de converter 41,4 % de irradiação solar directa em electricidade – o valor mais alto alguma vez medido para um módulo fotovoltaico e com cerca do dobro da eficiência de módulos convencionais. Resumidamente, prevemos que o fotovoltaico se torne mais eficaz à medida que investigamos formas de os melhorar. Os ganhos em termos de eficiência poderão não chegar imediatamente, mas sabemos que irão eventualmente aparecer. Felizmente, os painéis solares continuam a descer de preço e deveremos ser capazes de adicionar melhorias individuais sem os tornar significativamente menos económicos. Tenho a certeza de que, no futuro, veremos sistemas fotovoltaicos utilizados e integrados em superfícies de construções, sacos de transporte, telhados e tecidos – sistemas fotovoltaicos impressos em mochilas, etc. –, não existe limite para o que podemos imaginar com os sistemas fotovoltaicos.

Poderá o hidrogénio ser decisivo? Quais são actualmente os principais desafios?
O hidrogénio pode tornar-se acessível a partir de electrólise e de gás natural com captura e armazenamento de carbono. O aumento dos custos das emissões e o potencial de nova legislação irá provavelmente fazer do hidrogénio uma opção viável e atraente. Vou arriscar e dizer que não poderá existir uma sociedade climaticamente neutra sem a economia do hidrogénio. Necessitaremos de armazenamento semanal a sazonal da energia, considerando um futuro sistema energético dominado por uma produção intermitente de electricidade. O hidrogénio poderá fornecer uma solução para o problema do armazenamento de energia vindo de electrólise. O hidrogénio é decisivo, uma vez que as suas capacidades de armazenamento irão permitir-nos alcançar 100 % de energia renovável nas nossas redes, mantendo, ao mesmo tempo, um fornecimento estável de electricidade. O hidrogénio é, no entanto, um gás complicado de transportar, uma vez que necessita da compressão da energia e é inerentemente não muito denso – o que significa que serão necessários grandes volumes para transportar pequenas quantidades de peso em comparação com os combustíveis fósseis.

Como vê o futuro do aquecimento e da refrigeração na Europa? Poderá o hidrogénio também ser a solução para este sector?
Será de esperar que o aquecimento e a refrigeração venham a ser um dos maiores clientes ou receptores de hidrogénio após o seu desenvolvimento. O aquecimento e a refrigeração provocam emissões significativas de gases de estufa, que são difíceis de capturar, transportar e armazenar, e o hidrogénio representará, então, um papel importante no futuro. O projecto Hydrogen North of England (HNoE) é um bom exemplo do uso do hidrogénio para energia, aquecimento e refrigeração e para a alimentação.

Ouvimos falar muito das renováveis, mas as tecnologias capazes de remover o CO2 da atmosfera ainda estão fora das luzes da ribalta. Qual é o potencial?
A não emissão de gases de estufa é a acção mais importante que podemos tomar para a redução das emissões e as renováveis podem e vão desempenhar um papel decisivo para a redução dessas emissões. Existem, no entanto, alguns sectores que são difíceis de descarbonizar, sendo a agricultura um deles. Temos, portanto, de remover os gases de estufa da atmosfera, acção conhecida como soluções de carbono negativo e que aproveito para renomear como soluções positivas para o clima. A combinação da captura e do armazenamento de carbono com biomassa poderá fornecer este efeito, tal como as tecnologias de captura de ar directo. E estas deverão vir a ser necessárias a uma escala de gigatoneladas para alcançarmos uma neutralidade climática até 2050, portanto, a Europa não deverá perder tempo na criação de uma agenda de I&D (Investigação e Desenvolvimento) para uma solução positiva para o clima. No entanto, nunca deverão ser vistas como substitutas de uma utilização energética eficiente ou de uma implementação e utilização de renováveis. São necessários todos os ingredientes.

O que está a ser feito nesse sentido?
Devido a parcerias público-privadas de sucesso, alguns projectos de captura de carbono de grandes dimensões estão em vias de serem realizados na Europa. Os projectos na Noruega incluem a fábrica de cimento Norcem, em Breivik, e a reutilização de energia a partir de uma fábrica de incineração de resíduos em Klementsrud, em Oslo. O potencial de soluções CCS é também muito entusiasmante em relação ao hidrogénio. Actualmente, o H2 é produzido a partir da electrólise (4 %) e a partir de gás, petróleo e carvão. O problema com os 96 % produzidos a partir de fontes não renováveis consiste no facto de, actualmente, as emissões causadas pelo processo de reforma do combustível fóssil em H2 serem transmitida para a atmosfera. No entanto, se o CO2 for removido do processo de reforma e armazenado, poderemos obter hidrogénio sustentável a partir de combustíveis fósseis. Não se trata de ciência espacial, mas as implicações de sermos capazes de fornecer enormes quantidades de hidrogénio sustentável ao mercado são interessantes, assim como o facto de tal poder jogar em consonância com o H2 sustentável, produzido a partir de, por exemplo, fontes renováveis com electrólise.

Na sua opinião, qual é o interveniente capaz de acelerar a transição para um futuro mais sustentável: os decisores, a indústria, os investigadores ou os cidadãos?
Temos de considerar os nossos papéis individuais e a forma na qual podemos trabalhar em conjunto. Afirmar que qualquer uma destas partes tem um papel maior do que o nosso apenas nos distrai. Todos temos de fazer tudo o que está ao nosso alcance.

Resumindo, está optimista ou pessimista em relação ao futuro?
Optimista. Se não tomarmos as medidas acima mencionadas, não conseguiremos o planeta no qual gostaríamos que as nossas futuras gerações vivessem. Todos estes esforços dar-nos-ão um planeta melhor do que aquele que podemos esperar agora. E, para terminar, gostaria de vos deixar com o meu slogan favorito: “as soluções climáticas mais dispendiosas são aquelas que não estamos a utilizar”.