Ana Botín, filha do conhecido fundador do banco Santander, Emílio Botín, é neste momento quem lidera um dos maiores bancos do mundo. Uma estrutura financeira gigante, inserida num sistema financeiro cujo modelo tem-nos criado muitas dores de cabeça. Ana Botín destaca-se por várias razões. É mulher, activista, feminista e preocupada com o ambiente.

Uma mistura explosiva num mundo nem sempre guiado pelas melhores práticas ou ética empresarial. Os últimos anos têm sido assim. É no seu carisma e determinação em construir um mundo melhor (vamos esperar para ver), como ela se define, que esta mulher se distingue e, aparentemente, quer fazer um corte radical com um sistema tipicamente viciado. Acredita que a Europa foi a melhor construção política dos últimos tempos e não alinha em ideologias e partidos políticos quando se trata de desenvolvimento social. Uma bandeira que elegeu. África é um próximo passo. Escolheu recentemente António Simões, o primeiro banqueiro assumidamente homossexual, para transformar digitalmente e simplificar o negócio em Portugal, Espanha, Reino Unido e Polónia. Todos os “country-heads” vão passar a reportar a este gestor, que já foi sócio da McKinsey&Company em Londres.

Ana Botín e outros líderes do Santander acordaram em cortar o seu salário em 50% durante o período da pandemia. Com este valor e outras contribuições das administrações de todo o mundo foi criado um fundo de 25 milhões de euros para ajudar a combater o vírus em Espanha através da aquisição de material médico. Foram ainda suspensos quaisquer dividendos até que seja aferido o impacto desta crise. Claro que não foi a única entidade a fazê-lo e ainda bem.

Se não houver solidariedade ou justiça social promovida por todos (Estado, empresas e comunidades) em toda a linha, se as pessoas não tiverem emprego, dignidade nas suas vidas, nas suas casas, no local onde vivem, na forma como se deslocam… a cadeia vai falhar.

Muito crítica em relação à actuação do Banco Central Europeu (BCE), Ana Botín diz que o dinheiro não chega onde é mais preciso: às famílias. É este compromisso também social que a move. Botín vai criar programas inéditos de fomento à habitação em Espanha, que convém não perdermos de vista. Com o apoio do Banco Público Espanhol ICO – Instituto do Crédito Espanhol e do sector da construção civil, o Santander considera que é possível desenvolver habitação acessível para os jovens e criar em simultâneo cerca de meio milhão de empregos directos com esta iniciativa. Ao conceder uma hipoteca de 95% e uma garantia de empréstimo de 20% por parte do ICO, a construção civil está disposta a avançar a uma escala gigante. São 150 mil novas habitações para os próximos anos. Aqui todos fazem a diferença numa perspectiva de criação de valor colaborativa: a garantia pública, o sector da construção e a entidade financiadora e agregadora do projecto. Para Botín, a dificuldade dos jovens em se tornarem independentes é um problema económico e social que é preciso combater para ajudar também a economia.

Criar valor dentro da Europa é uma das estratégias do Santander e de muitos outros grupos económicos. Já todos percebemos que quase tudo tem de mudar. São muitas as lições que podemos tirar dos últimos anos e, sobretudo, dos últimos meses.  E criar valor na economia é olhar para as pessoas e para as famílias. Essa foi, porventura, a maior lição destes tempos.

Com esta pandemia, confirmamos a necessária e insubstituível intervenção do Estado nas nossas vidas. A sua intervenção pode ser pequena ou grande, mais eficaz ou, por vezes, ineficiente, mas é sempre necessária. Ficámos também a saber que, por muito importante que seja esta intervenção, não chega. É curta no mundo de hoje.

Ana Botín defende que “solidariedade não é caridade”. Não é a única a defendê-lo. E nós acrescentamos que nunca foi tão esclarecedor olhar para as famílias e para o trabalho como agora. Nunca foi tão esclarecedor olhar para as pessoas e para as suas vidas e entender o impacto que as desigualdades têm na sociedade e na economia. E agora também na saúde.

Esta crise diz-nos que o Estado não chega, como não chega a actividade das empresas, como as conhecemos. Se não houver solidariedade ou justiça social promovida por todos (Estado, empresas e comunidades) em toda a linha, se as pessoas não tiverem emprego, dignidade nas suas vidas, nas suas casas, no local onde vivem, na forma como se deslocam… a cadeia vai falhar. Por razões de saúde ou outras, mas falha, como está a acontecer neste momento. 

Nota de abertura originalmente publicada na edição nº130 da Edifícios e Energia (Julho/Agosto 2020)

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores.