Este editorial foi originalmente publicado na edição nº 146 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2023).

Reflectir sobre o tema da pobreza energética é um exercício inevitável por todas as razões. Um Estado democrático que se quer sustentável e justo tem de o fazer e, no nosso caso, já vem muito tarde. Pela primeira vez, com o documento da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética (ENLPCPE), temos um retrato da nossa situação económica e social antes de qualquer outro, e esta é a primeira percepção indispensável para abordarmos o problema da pobreza energética de uma forma responsável. Podemos olhar para este trabalho e para este problema de ângulos diferentes, mas não podemos fugir daquilo que é estrutural e que condiciona tudo o resto.

Somos um país pobre, de baixos rendimentos e com um parque habitacional degradado a precisar de intervenção. Saltar esta etapa e partir para paliativos embrulhados de eficiência energética é adiar um problema e perder a oportunidade social e económica que temos em mãos. Os números são assustadores, como podemos ver no tema de capa nesta edição e mais concretamente no recente documento da ENLPCPE. Estima-se que 2,3 milhões de pessoas vivam em pobreza energética moderada e 660 mil em pobreza energética extrema. A métrica para lá chegar está naquilo que representa a factura energética no rendimento familiar. Depois, existem outros critérios, como a capacidade de aquecer as casas no Inverno, mas que são sempre voláteis e dependem de outros factores. Seja como for, já existe um trabalho de agrupamento dos indicadores e uma identificação clara das causas do problema. Um bom começo que demonstra vontade política também no lançamento de programas que têm vindo a ser postos em prática. Então onde é que isto se complica?

Complica-se logo num primeiro momento pela ausência de uma estratégia de intervenção e medidas claras. Falta um planeamento com objectivos concretos, com datas definidas e responsabilidades assumidas. Quem vai pôr em prática as medidas e acompanhar a sua evolução? E, depois, como se vão encaixar os mecanismos de apoio financeiro e de investimento? Existem, de facto, quatro objectivos na ENLPCPE e bem identificados, mas como vão ser colocados em prática? Algumas centenas de milhões de euros disponíveis no combate à pobreza energética são uma boa alavanca, mas como vão ser aplicados?

São muitas as perguntas para as quais a ENLPCPE não responde. É certo que precisamos de muito dinheiro para reabilitar os edifícios portugueses. A Estratégia a Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios identifica a necessidade de investimento de 143 mil milhões de euros, dos quais mais de 70 % são para a componente passiva das habitações. Sucede que o que temos é curto, muito curto e insuficiente. O documento fala em apenas 300 milhões de euros disponíveis até 2025. E é aqui que tudo se complica novamente. A forma como estes 300 milhões de euros estão distribuídos mostra claramente que não estamos a olhar para a pobreza energética de uma forma estrutural. Estamos a privilegiar o desempenho energético antes de atacar a componente passiva dos edifícios e isso significa adiar o problema. Os programas associados a este valor não apontam para as pessoas mais carenciadas nem em pobreza energética efectiva. Veja-se o programa Vale Eficiência, que promove a compra de equipamentos, ou o Edifícios Mais Sustentáveis, que envolve investimento por parte das famílias.

Olhar para o problema pelo ângulo certo é começar pela reabilitação das casas mais degradadas e dos agregados familiares mais pobres. Olhar para o problema do ângulo certo é atacar as fachadas, os isolamentos e toda a envolvente antes de pensar na energia. As casas mais degradadas precisam de ser reabilitadas! E não chegamos lá a falar de “consumidores economicamente vulneráveis”. É que as pessoas em pobreza energética são pouco ou nada consumidoras porque não têm capacidade financeira de o serem. As pessoas em pobreza energética são pobres!