Autores: Manuela Almeida | Ricardo Barbosa

A um nível urbano, o equilíbrio entre a aplicação de medidas de eficiência energética e o uso de energia renovável para a renovação do edificado existente com o objetivo nZEB é mais complexo do que ao nível dos edifícios individuais, mas pode tirar partido de potenciais vantagens inerentes à economia de escala que se podem conseguir e às sinergias entre medidas a aplicar.

Os edifícios são responsáveis por uma percentagem significativa das emissões de carbono relacionadas com o uso da energia. Promover a sua redução, bem como a das emissões associadas, é particularmente desafiante no que toca ao edificado existente, devido à existência de inúmeras barreiras arquitetónicas e técnicas [1]. No entanto, a reabilitação energética destes edifícios é absolutamente decisiva para que a União Europeia consiga cumprir os objetivos definidos para 2020 e 2030.

Como parte da solução, os edifícios de necessidades energéticas quase nulas (nZEB) têm ganho destaque. O conceito foi introduzido na revisão da Diretiva Europeia para o Desempenho Energético de Edifícios de 2010 (EPBD recast) [2] e centra-se na necessidade de os edifícios possuírem uma eficiência energética muito elevada, e nos quais a energia fornecida deverá ser proveniente essencialmente de fontes renováveis situadas no próprio edifício ou nas proximidades. Em Portugal, este conceito foi transposto através do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação, definindo-os como os edifícios que são dotados de uma componente eficiente compatível com os resultados decorrentes da aplicação da metodologia de custo ótimo – também introduzida pela diretiva – e de formas de captação local de energias renováveis, que cubram grande parte do remanescente das necessidades energéticas calculadas.

No caso da renovação de edifícios existentes com o objetivo nZEB, a questão prende-se com a otimização da redução das necessidades energéticas e das emissões de carbono, encontrando o equilíbrio entre a aplicação de medidas de eficiência energética e de fornecimento de energia renovável. Esta otimização parte do pressuposto, cada vez mais reforçado, de que as medidas de redução das emissões de carbono podem ser tão eficazes quanto as medidas de conservação de energia ou de eficiência energética. É, no entanto, necessário identificar qual é a relação ótima entre a minimização da procura de energia e o uso de energia renovável, numa perspetiva de otimização da relação custo-benefício (Figura 1). A otimização desta relação permitirá entender quão longe é possível ir com cada tipo de medidas e a partir de que ponto as medidas de redução das emissões de carbono se tornam economicamente mais atrativas do que as medidas de eficiência energética, nomeadamente no caso dos edifícios existentes e naquelas que dizem respeito a intervenções na envolvente. Esta relação permite também identificar as opções que apresentam um binómio custo/eficácia mais vantajoso, considerando todo o ciclo de vida do edifício [3]. Estas opções de reabilitação energética com carácter rentável estão associadas a reduções significativas das necessidades energéticas nos edifícios e têm, dadas as suas características, um elevado potencial de adoção por parte dos principais atores envolvidos nas decisões relativas à renovação dos edifícios.

As renovações do edificado a nível urbano apresentam grandes desafios mas também expressivas oportunidades quando comparadas com as intervenções nos edifícios a nível individual.

Por ser significativa, esta questão tem vindo a ser estudada ao nível do edifício [4], mas existem agora cada vez mais evidências de que há oportunidades que devem ser exploradas relativamente à procura de soluções rentáveis à escala urbana [5]. Estas soluções podem tirar partido de intervenções/ações não disponíveis nas renovações à escala do edifício individual mas possíveis de ser utilizadas se se tirar partido da economia de escala e de sinergias várias entre as diversas medidas de renovação. Estas devem ser detalhadamente investigadas, principalmente tendo em consideração a disponibilidade limitada de recursos financeiros e a necessidade significativa de investimento necessário para transformar o panorama energético das cidades.

Figura 1. Conceito de otimização de energia e emissões de carbono
         na reabilitação energética.

Fonte: adaptado de IEA EBC Annex 56 [4]

O edifício versus a escala urbana

As renovações do edificado a nível urbano apresentam grandes desafios, mas também expressivas oportunidades quando comparadas com as intervenções nos edifícios a nível individual.

De uma forma geral, e dependendo das características dos edifícios de uma determinada zona urbana, é possível que surjam oportunidades de aproveitamento de economias de escala bem como de sinergias em processos de planeamento e construção. Vários edifícios intervencionados ao mesmo tempo podem permitir poupanças significativas, tanto na compra de material como na alocação de recursos necessários à execução dos trabalhos, seja na fase de projeto, seja em obra. Para além disso, soluções de reabilitação não rentáveis a nível individual poderão sê-lo, se implementadas num grupo de edifícios.

Esta questão é importante também quando são identificadas barreiras na renovação de alguns edifícios na zona urbana, como, por exemplo, no caso de existirem edifícios históricos com condicionantes à execução de trabalhos de renovação e colocação de sistemas. Neste caso, a possibilidade de utilização de um sistema centralizado de fornecimento de energia renovável (em oposição à utilização de um sistema individualizado por edifício) pode representar uma oportunidade para reduzir emissões de carbono, bem como para reduzir a utilização de energia baseada em combustíveis fósseis, mesmo não sendo possível intervir no edifício a nível da sua envolvente.

A hipótese de, à escala urbana, o fornecimento de energia renovável poder ser feito de forma centralizada, para além do uso de sistemas descentralizados (ou seja, por edifício), abre também portas para a necessidade de estudar qual das abordagens é mais vantajosa em termos de armazenamento de energia. O tema do armazenamento de energia tem vindo a ganhar relevância e é importante que se investigue quais as alternativas existentes, quer a nível individual do edifício, quer a nível coletivo de grupos de edifícios.

Por sua vez, será também interessante avaliar qual é o equilíbrio ótimo entre a aplicação de medidas de eficiência energética e o uso de energia renovável considerando uma escala superior à do próprio edifício. É possível que em determinadas condições, que têm de ser devidamente investigadas e clarificadas, o recurso a um sistema urbano centralizado de aquecimento e/ou arrefecimento, a funcionar total ou parcialmente a energia renovável, possa ser vantajoso.

Sabe-se também que os sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento urbano podem beneficiar significativamente das medidas de eficiência energética implementadas nos edifícios pois podem conduzir à redução da potência dos equipamentos instalados. No entanto, é importante clarificar as configurações de sistema mais eficientes quando combinadas com as medidas de redução das necessidades energéticas.

O projeto de investigação IEA EBC Annex 75

Por serem de uma importância significativa, não só para a redução das necessidades energéticas nos centros urbanos, mas também para a sustentabilidade e resiliência das cidades, é urgente clarificar as questões levantadas na secção anterior.

É na interseção destas questões que se situam as necessidades de investigação identificadas pelo projeto promovido pela Agência Internacional de Energia através do seu Programa EBC (Energy in Buildings and Communities) – Annex 75 – Cost-Effective Building Renovation at District Level Combining Energy Efficiency & Renewables
(http://annex75.iea-ebc.org/) – coordenado pelo Centro de Território Ambiente e Construção (CTAC) da Universidade do Minho. O projeto, com a duração planeada de cinco anos, reúne competências várias de parceiros internacionais de 12 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, República Checa, Suécia e Suíça), agrupando instituições universitárias e de investigação, mas também empresas de consultoria privadas que atuam no setor energético, num total de 22 instituições.

O projeto aspira a investigar as estratégias mais rentáveis que permitam reduzir as emissões de carbono e o uso de energia nos edifícios a uma escala urbana, combinando medidas de eficiência energética com as de uso de energia renovável. Por forma a abraçar o maior número de situações presentes nos vários países que compõem o consórcio, o projeto distingue e toma como base três situações a nível urbano:

  • Zonas urbanas onde o aquecimento e arrefecimento dos edifícios são feitos de forma descentralizada por meio de equipamentos individuais;
  • Zonas urbanas que estão ligadas a sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento urbano com um contributo em percentagem elevada de combustíveis fósseis;
  • Zonas urbanas que estão ligadas a sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento urbano com um contributo em percentagem elevada de fontes renováveis de energia.

O objetivo final deste projeto é o desenvolvimento de linhas orientadoras, quer para decisores políticos, quer para a comunidade técnica, que permitam uma transição efetiva e rentável para uma economia de baixo carbono, em especial no sector dos edifícios. O projeto planeia conseguir obter uma visão geral das várias opções tecnológicas, tanto existentes como emergentes, com potencial para serem implementadas com sucesso, bem como identificar os desafios que se colocam à aplicação das mesmas. Está previsto também o desenvolvimento de uma metodologia e de ferramentas de apoio à sua utilização que possam ser aplicadas a zonas urbanas para a identificação das estratégias mais adequadas, quer em termos técnicos, quer em termos económicos. É também um objetivo importante deste projeto a demonstração de boas práticas e de casos de sucesso já alcançados que serão reunidos no âmbito da investigação em curso e disponibilizados de forma livre no website do projeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] M. Dowson, A. Poole, D. Harrison, and G. Susman, ‘Domestic UK retrofit challenge: Barriers, incentives and current performance leading into the Green Deal’, Energy Policy, vol. 50, pp. 294–305, Nov. 2012.

[2] EU, ‘Directive 2010/31/EU of the European Parliament and of the Council
of 19 May 2010 on the energy performance of buildings (recast)’. OJ L 153, 18.06.2010, p. 13, 2010.

[3] M. Almeida and M. Ferreira, ‘Cost effective energy and carbon emissions optimization in building renovation (Annex 56)’, Energy Build., vol. 152, no. Supplement C, pp. 718–738, Oct. 2017.

[4] IEA, ‘IEA EBC Annex 56 – Cost Effective Energy and Carbon Emissions Optimization in Building Renovation’, 2018. [Online].
Available: http://www.iea-annex56.org/. [Accessed: 21-Feb-2018].

[5] S. Paiho, R. Abdurafikov, and H. Hoang, ‘Cost analyses of energy-efficient renovations of a Moscow residential district’, Sustain. Cities Soc., vol. 14, no. Supplement C, pp. 5–15, Feb. 2015.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.