Autores: Joana Andrade | Luís Bragança

Universidade do Minho. Doutoramento financiado pela FCT (SFRH/BD/76043/2011)

Os edifícios dedicados à habitação têm um papel imperativo na (in) sustentabilidade do setor, já que, só na Europa, representam cerca de 75 % do edificado. De entre as demais tipologias de edifícios, aquelas destinadas à habitação são as que maior relevância têm na vida das pessoas; é aí que podem ser quem realmente são. Desta forma, os edifícios devem expressar a personalidade, cultura e estilo de vida de quem os habita, devendo a sua tipologia ser a mais adaptada às necessidades dos seus utilizadores.

Um edifício deve ser capaz de fornecer um ambiente social que abarque o património cultural da sociedade onde está inserido e de promover o seu bem-estar e saúde. Ao mesmo tempo, é necessário que este possua um baixo impacte ambiental. Tal deve ser possível mesmo promovendo a viabilidade e estabilidade económica. De facto, de outra forma, não faria sentido. De que valeria ter um edifício altamente eficiente, se ninguém o quisesse habitar? Seria um desperdício de recursos e, potencialmente, uma fonte de problemas sociais na sua envolvente, não corroborando, de todo, os princípios da sustentabilidade.

Apesar de atualmente existirem diversas ferramentas, técnicas, materiais e soluções que visam reduzir o impacte ambiental dos edifícios, verifica-se que a conceção de edifícios sustentáveis está longe de ser a prática comum. Para que seja possível promover e potenciar o desenvolvimento de edifícios de habitação mais sustentáveis, é necessário atuar-se logo nas fases iniciais do projeto. É nestas fases que é viável criar sem limitações, onde soluções “fora-da-caixa” podem ser estudas e implementadas sem comprometer orçamentos e garantindo a melhoria do desempenho de sustentabilidade. Criar diferentes soluções e comparar os seus desempenhos ajuda a que sejam definidas soluções de longo prazo que contribuem para assegurar o bem-estar dos utilizadores, minimizando a necessidade de exploração de recursos bem como promovendo poupanças económicas.

As decisões que são tomadas no início do projeto não comprometem as decisões que venham a ser tomadas posteriormente. Assim, os objetivos e metas de sustentabilidade devem ser definidos do início do projeto, por forma a ser possível avaliar soluções alternativas e determinar os seus níveis de desempenho face a esses objetivos, permitindo a seleção da melhor solução. De forma a facilitar a compreensão, melhorando assim a sua aplicação, as metas e objetivos estabelecidos devem ser mensuráveis, em vez de uma simples prescrição de soluções. Só assim será possível melhorar o impacte social, com menor pressão sobre o ambiente e com custos controlados.

Não existe uma receita única para o desenho e construção de um edifício sustentável. O conceito de sustentabilidade é ainda difícil de quantificar, envolvendo inúmeros critérios e estando aberto a interpretações. E, pese embora existam diversas metodologias de avaliação da sustentabilidade de edifícios, normas e guias, as equipas de projeto têm pouca informação sobre como implementar medidas de sustentabilidade e quais os objetivos a atingir. Torna-se, então, necessário dota-los com conhecimento prático sobre sustentabilidade, através recomendações e ferramentas fáceis de utilizar, que os guiem ao longo do projeto.

Surge, assim, a necessidade de criar ferramentas que potenciem a consideração de tais objetivos de sustentabilidade logo no início do projeto e que ajudem as equipas a cumprir e atingir os seus objetivos estabelecidos.

Os resultados do inquérito realizado mostram que, apesar de os membros das equipas de projeto reconhecerem a relevância de alguns aspetos de sustentabilidade, não só não os consideram sempre desde o início dos seus projetos como nem sempre têm a noção de que esses mesmos princípios se encontram dentro do espectro dos princípios de construção sustentável.

Desenho sustentável em Portugal

Apesar da notória necessidade de atuação ao nível das fases iniciais de projeto, a falta de meios que comprovem a eficácia de se adotarem medidas de sustentabilidade prejudica a sua aplicação, já que as equipas de projeto acabam por não conseguir convencer os seus clientes. Para compreender a perspetiva das equipas de projeto relativamente aos princípios de sustentabilidade, qual o seu grau de conhecimento sobre estes e quais as motivações e restrições à sua aplicação, foi realizado um inquérito a atores do sector da construção.

O questionário centrou-se numa série de perguntas de escolha múltipla referentes à utilização, durante a fase de projeto, de aspetos sobre o impacte ambiental, social e económico dos edifícios. Foi utilizada a escala de Linkert para determinar nos níveis de consideração destes aspetos, variando de 1 a 5, onde 1 correspondia a “nunca” e 5 a “sempre”. Para além disso, foi colocada mais uma opção de resposta – “Deveria ser considerado” –, para que os inquiridos pudessem dizer que, apesar de nunca utilizarem um determinado aspeto durante a execução dos seus projetos, consideravam que este deveria ser tido em conta.

O estudo contou com 50 respostas válidas, sendo que 42 % dos inquiridos eram engenheiros civis e 36 % arquitetos. Uma das primeiras questões pretendia apurar qual o grau de familiarização dos inquiridos com os conceitos de sustentabilidade e com as metodologias de avaliação existentes: 64 % afirmou estar familiarizado com os conceitos, mas apenas 28 % afirmou já ter utilizado metodologias de avaliação (Figura 1).

Figura 1. Familiriazação dos inquiridos com o conceito de construção sustentável.

Figura 2. Resumo das respostas dadas, em percentagem, em cada dimensão do conceito de sustentabilidade

O inquérito mostrou ainda que a maioria dos inquiridos nem sempre está alerta para os conceitos de sustentabilidade durante o projeto, já que a opção de resposta “Sempre” foi apenas selecionada em 16 % do total de respostas possíveis, aos 51 indicadores (Figura 2). Verificou-se ainda que, em média, os aspetos maioritariamente considerados durante a fase de projeto são os custos iniciais, conforto térmico, eficiência de espaço, estética do edifício, conforto acústico e saúde e segurança dos trabalhadores (durante fase de construção). Só depois destes, aparecem aspetos relacionados com o ambiente, como eficiência energética e conteúdo reciclado. Isto mostra que os aspetos sociais são mais valorizados do que os ambientais e económicos. Foi ainda curioso verificar que no topo dos aspetos considerados está o custo inicial do edifício e nos indicadores menos considerados estão os custos de demolição/desconstrução, mostrando que ainda não existe uma consciência de ciclo de vida.

Os resultados do inquérito realizado mostram que, apesar de os membros das equipas de projeto reconhecerem a relevância de alguns aspetos de sustentabilidade, não só não os consideram sempre desde o início dos seus projetos como nem sempre têm a noção de que esses mesmos princípios se encontram dentro do espectro dos princípios de construção sustentável.

Método de apoio à tomada de decisão nas fases iniciais

Tendo em vista dar resposta às necessidades já descritas, foi desenvolvido um Modelo de Fases Iniciais para o Desenho Sustentável (Early Stage Model for Sustainable Design – EasyMode). O objetivo fundamental desta ferramenta é auxiliar os projetistas, nas fases iniciais do projeto, a construir habitações mais sustentáveis, consciencializando-os de que o conceito de sustentabilidade, nos seus três pilares – ambiente, sociedade e economia –, está fortemente relacionado com todos os critérios, decisões e restrições do projeto. Pretendeu-se ainda que esta ferramenta fosse prática, simples e fácil de utilizar, e que permitisse a comparação de soluções alternativas e consequente verificação da solução mais sustentável, bem como o estabelecimento de objetivos e metas a cumprir no decorrer do projeto. Desta forma, foram estabelecidas as seguintes premissas durante o seu desenvolvimento:

  • Ser fácil e simples de utilizar – embora se pretenda que seja um guia para habitações mais sustentáveis, não se pretende que seja exaustivo, pois prejudicaria a sua utilização;
  • Seguir os requisitos estabelecidos pelas organizações de normalização (ISO e CEN) para a construção sustentável;
  • Estar orientada para as fases iniciais do projeto, onde a informação relativa ao projeto é escassa, não sendo possível análises completas;
  • Incorporar as três dimensões do conceito de sustentabilidade, apresentando uma lista suficientemente alargada de indicadores, mas não comprometendo, ao mesmo tempo, a utilização da ferramenta pela sua extensão;
  • Permitir a coexistência de critérios quantitativos e qualitativos através de indicadores de desempenho, procedimento e especificidade;
  • Possibilitar a fácil compreensão dos resultados, por todos os envolvidos do sector, não sendo necessário conhecimento aprofundado sobre cada um dos tópicos abordados;
  • Permitir estabelecer os requisitos dos clientes (necessidades) e ter a capacidade de lhes dar resposta e auxiliar na escolha da melhor solução.

O EasyMode, como ferramenta de apoio à decisão, não pretende ser uma metodologia de certificação, não atribuindo, assim um nível (ou nota) global de sustentabilidade ao edifício visado. Desta forma, não existe agregação nem ponderação de critérios. A estrutura da ferramenta baseia-se num esquema em árvore, com cinco braços – áreas – que se distribuem em sete ramos principais – categorias – que, por sua vez, se subdividem em 19 indicadores e sub-indicadores (Figura 3).

O procedimento de funcionamento do EasyMode para quantificação do desempenho de sustentabilidade em cada indicador, insere-se em três etapas (Figura 4), e consiste nos seguintes passos:

  • Definição dos objetivos e visão para o projeto;
  • Identificação dos indicadores a avaliar dentro de cada categoria;
  • Definição e quantificação da solução prevista;
  • Definição e quantificação de soluções alternativas;
  • Comparação de desempenhos e seleção da melhor alternativa.

Figura 3. Estrutura da ferramenta EasyMode – áreas e categorias.

Figura 4. Procedimento de quantificação da ferramenta EasyMode.

Cada indicador possui o seu processo de cálculo específico, embora a sua base seja equivalente. Em cada um, é necessário fornecer informação base sobre o tópico do indicador ou indicar qual o nível de desempenho que se pretende atingir. No primeiro caso, a ferramenta calcula o nível de desempenho da solução indicada e permite que sejam analisadas soluções alternativas para comparação de desempenhos. No segundo caso – indicação do nível que se pretende atingir –, o EasyMode apresenta propostas que permitem atingir os objetivos propostos, ao longo do projeto. O desempenho em cada indicador é apresentado através de uma escala qualitativa, com três níveis, de forma a permitir uma fácil compreensão e comparação de resultados.

A relevância das fases iniciais de projeto para que se atinjam os objetivos da construção sustentável é inegável. A revisão do estado da arte permitiu constatar uma grande evolução quer nos métodos de avaliação da sustentabilidade dos edifícios, quer no desenvolvimento de soluções construtivas que contribuem para a melhoria na mesma. Apesar disso, ainda carecem formas e métodos que auxiliem e consciencializem as equipas de projeto de que pequenas ações, tomadas desde o início, podem promover e melhorar a sustentabilidade dos edifícios. Assim, o método aqui apresentado visa ajudar a colmatar esta lacuna. O desenvolvimento e promoção de ferramentas e métodos aplicáveis nas fases iniciais do projeto promovem a utilização de soluções mais sustentáveis e aumentam a consciencialização dos projetistas relativamente aos conceitos de construção sustentável, contribuindo, assim, para que a cada projeto novo se torne mais fácil a introdução dos mesmos. O EasyMode visa ser uma ferramenta simples e prática de usar, mas que permitirá a melhoria das habitações, promovendo o bem-estar dos seus utilizadores ao mesmo tempo que impacte sobre os seus recursos financeiros e ambiente e seja minimizado. O aumento da consciencialização para esta temática e o aumento do seu debate irão contribuir para a definição de novas formas de construir e reabilitar e para aprofundar o conhecimento em aspetos menos compreendidos.

Mais do que utilizar o desempenho sustentável como ferramenta de marketing, os princípios da construção sustentável devem ser utilizados como valores pessoais e contribuições para uma sociedade melhor e mais sustentável.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.