A indústria cimenteira quer deixar de ser encarada como um dos principais sectores emissores de CO2 – contribui com 22 % a nível nacional. Através de uma abordagem integrada a toda a cadeia de valor, quer cumprir os objectivos estabelecidos pela União Europeia no sentido de ser uma indústria neutra emissões de carbono em 2050. Para tal, foi criado o Roteiro da Indústria Cimenteira para a Neutralidade Carbónica 2050, que define os passos a dar para atingir esse objectivo, e que foi apresentado esta segunda-feira, na presença dos ministros João Matos Fernandes e Pedro Siza Vieira.

Os números comunicados durante a apresentação do Relatório apontam para uma redução de 48 % de emissões de CO2 até 2030, ao longo de toda a cadeia de valor. “Mesmo considerando a cadeia de valor só até ao cimento, será uma redução de 36 %”, afirmou Gonçalo Salazar Leite, presidente da Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC), acrescentado que, em 2050, “assim que estejam disponíveis, a uma escala industrial, as tecnologias disruptivas como as tecnologias de captura e reutilização de carbono ou as tecnologias de hidrogénio, o sector atingirá a neutralidade carbónica”. Este é o compromisso de uma indústria que quer ser parte da solução e não parte do problema, afirma o presidente da ATIC.

O Roteiro da Indústria Cimenteira para a Neutralidade Carbónica 2050 assenta em cinco “Cs”: Clínquer, Cimento, Betão (Concrete), Construção, e (Re) Carbonatação. No caso do clínquer, sendo a produção deste material a principal responsável pela geração de CO2, Gonçalo Salazar Leite acredita que a situação pode ser alterada através da utilização de materiais alternativos descarbonizados, como os resíduos de demolição e construção. Já no caso do betão, a Associação está a trabalhar com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e com o Instituto Superior Técnico (IST), no sentido de encontrar soluções capazes de descarbonizar o cimento e o betão. Ainda sobre o betão, Gonçalo Salazar Leite acredita que o material é um dos principais sumidouros de CO2. O betão 100 % reciclável pode absorver até 25 % das emissões resultantes da produção de clínquer.

“Temos de mudar a forma como consumimos e produzimos”

A indústria cimenteira e a ATIC foram dos primeiros a responder ao desafio que o Governo lançou em 2016 quando, na mesma altura, assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Aliás, acrescenta João Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Acção Climática, Portugal foi o primeiro país a assumir um compromisso dessa natureza. Além disso, é, “ainda hoje, dos países com metas mais ambiciosas para 2030”. Mas, para o conseguir, alertou o ministro, isso significa cortar as emissões de CO2 (até 2050) em 85 %, sendo que, até ao final de 2019, o país já tinha reduzido em 26 % – número que não contabiliza o fim da produção de electricidade tendo por base o recurso ao carvão.

O alcançar destas metas assenta não só no corte das emissões, mas também no aumento do recurso às energias renováveis – 47 % – com a incorporação de 80 % de renováveis na produção de electricidade. Sendo que, segundo João Matos Fernandes, hoje, 59 % da electricidade produzida pelo país tem como origem fontes renováveis.

Apesar de ambiciosas, as metas para 2030 são, segundo o ministro, alcançáveis. A prova, acrescenta, é que, em 2019, Portugal reduziu o dobro de emissões quando comparado com média da União Europeia. Mas, João Matos Fernandes afirma que as metas só serão cumpridas “se mudarmos a forma como consumimos e produzimos”. Adicionalmente, “os investimentos que hoje se fazem têm de estar alinhados com os objectivos de descarbonização, caso contrário, corremos o risco de criar activos que, muito em breve, estarão desactualizados e obsoletos, limitando a capacidade das empresas de atingirem os níveis de descarbonização necessários para cumprirem com as suas metas actuais e futuras”.

Esta é uma situação premente e que se reflecte no endurecimento das metas definidas pela União Europeia. “A transição energética é fundamental para combater as alterações climáticas”, afirmou, de forma perentória, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, que acrescentou que a neutralidade carbónica não será alcançada se apenas pensarmos na energia. Isto porque a “redução das emissões de gases com efeito de estufa associada não é suficiente, nem está a acontecer ao ritmo necessário para que sejam alcançados os objectivos climáticos”.

Basta pensar que 45 % das emissões decorrem da produção e consumo de bens e serviços, a par da produção de alimentos, é “necessário repensarmos a forma como extraímos, produzimos e consumimos”. A resposta, afirma o governante, está na economia circular, através de estratégias de maior recirculação de materiais secundários, reduzindo o desperdício na produção, produzindo produtos e estruturas com princípios de ecodesign, prolongando a vida útil dos produtos e implementando novos modelos de negócio tendo por base a partilha.

No caso específico da indústria cimenteira, a economia circular, com o reaproveitamento dos materiais contribui significativamente para a descarbonização do sector, principalmente porque o sector da construção “é aquele que tem a pior eficiência material em toda a economia”.

Já no que concerne à produção de energia, o ministro referiu a importância de soluções complementares aos instrumentos centralizados de produção eléctrica, nomeadamente a produção descentralizada, através das comunidades de energia. “O autoconsumo não é apenas uma oportunidade para os cidadãos. É também para a indústria nacional, que pode descarbonizar-se através do autoconsumo da electricidade renovável, produzindo nas zonas adjacentes das instalações fabris, aproveitando a lógica de parques empresariais”.

Já o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, que esteve também presente, realçou que a redução das emissões, no concerne à indústria cimenteira, não se limitam à fase de produção dos materiais e do reaproveitamento dos materiais de demolição e construção, mas também abarca o próprio transporte de matérias-primas e de produtos acabados, onde também se pode ter “reduções significativas das emissões”.

O responsável alertou para a situação de concorrência que os produtores de cimento enfrentam em relação aos produtores, de outras regiões do globo, onde não existem as (mesmas) regras ambientais que regem o negócio dos produtores europeus. Uma situação que, segundo Pedro Siza Vieira, tem de ser encarada de frente: “O acesso ao mercado interno (europeu) tem de ser feito em condições equitativas por parte de países terceiros”. E é por isso que “toda a regulamentação, quer do sector das emissões, quer ao nível fiscal, para evitar a fuga de carbono, é uma questão crítica”.

 

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