O tema da qualidade do ar interior (QAI) voltou à discussão! O diploma que transpõe a nova Directiva para os edifícios ainda não está fechado e, para além do regresso das auditorias à QAI, são muitos os pontos que o sector quer ver resolvidos. Uma janela de oportunidade?
Nos tempos de hoje, deparamo-nos cada vez com mais riscos e com uma maior imprevisibilidade”. Para Serafín Graña, coordenador da Especialização em Engenharia de Climatização da Ordem dos Engenheiros, “em tempos de grande virulência, como o actual, a comunidade profissional, técnica e científica no sector da climatização terá de se mostrar disponível para alargar cada vez mais as suas esferas de intervenção e assumir uma abordagem totalmente colaborativa neste domínio”. Para este especialista, as ocorrências persistentes de má qualidade do ar poderão provocar aquilo que hoje se designa por uma “epidemia silenciosa”, e que são obviamente altamente penalizantes para os ocupantes dos edifícios, originando doenças, muitas vezes, crónicas e, por vezes, irremediáveis.
Neste momento, o tema da QAI está mais vivo do que nunca e várias coisas estão a acontecer. Há manifestamente uma percepção crescente da necessidade da manutenção de um bom ambiente interior. A confirmá-lo, um mercado que não tem mãos a medir na resposta a equipamentos como purificadores do ar requisitados pelos hospitais e clínicas. Um exemplo é a solução “modular, constituída por múltiplas unidades portáteis de purificação do ar por recirculação e filtragem do ar em filtros HEPA” desenvolvida pela Sandometal e com a engenharia da Navitas, de Carlos Lisboa. Mas há muitos outros, com destaque para o fabricante português Ocram, que desenvolveu um equipamento de purificação do ar que permite transformar um quarto convencional num quarto de pressão negativa, indicado para o tratamento de casos positivos covid-19. O Hospital de Guimarães e o Hospital de Vila Verde foram as primeiras instituições a adquirir os equipamentos e, neste momento, a empresa liderada por Marco Lopes está a trabalhar em dois turnos para dar resposta à procura.
Há a expectativa de que os governantes e decisores olhem para a indústria do AVAC como um aliado e que isso possa alavancar o mercado brevemente. Um olhar optimista e uma oportunidade que não podemos perder de vista numa altura em que se espera a transposição para o nosso país da nova Directiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD). Prevista para Março, o documento que a enquadra já está redigido e em espera. Sabemos apenas que não está fechado e, por isso, ainda é passível de alterações. Um diploma único, ao que se sabe, mais ágil e com novas metodologias. Uma estrutura legal simplificada onde encaixam todas as tipologias de edifícios – da habitação, ao comércio e serviços. Houve um pedido de contributos de algumas entidades, mas outras ficaram de fora. Não se sabe se haverá outra ronda ou mesmo uma consulta pública. O grupo de trabalho Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG)/ADENE – Agência para a Energia já entregou o documento à tutela e já estamos fora do prazo. Outra incerteza está em saber se o dia 1 de Janeiro de 2021 se mantém como possibilidade de publicação.
Mas se existiam várias reservas quanto ao documento e a aspectos que careciam de revisão, neste momento, há quem tema que o assunto fique na gaveta mais tempo. Uma incerteza também pela pertinência em relação a novas regras que possam ser criadas para a QAI como forma de dar resposta à situação actual de retoma gradual da actividade económica.
A EFRIARC, uma das entidades consultadas, considerou positivas muitas das alterações que foram apresentadas na primeira fase. “No entanto, aspectos relacionados com os TIM (Técnico de Instalação e Manutenção de Edifícios e Sistemas), publicação no portal da ADENE dos planos de manutenção, inspecções periódicas, auditorias energéticas, QAI, metodologias de cálculo, estimativa de medidas de melhoria e verificação da qualidade merecem uma tomada de posição especial”. Concentremo-nos na QAI. Para esta associação de engenheiros, as auditorias à QAI deveriam ser retomadas aquando “da emissão de certificados energéticos (CE) para os Grandes Edifícios de Serviços, com amostragens simplificadas (de curta duração) dos contaminantes físico-químicos previstos na legislação com um critério de número mínimo de pontos. O CE deve integrar uma apreciação da qualidade do ar em função dos resultados obtidos e sugestão de eventuais medidas de melhoria”.
É difícil olharmos para todos estes aspectos de uma forma isolada quando o foco é a qualidade. Esperam-se inspecções periódicas para qualquer sistema técnico com mais de 70kW. Mas, para a EFRIARC, a “legislação deverá ser mais específica sobre os procedimentos técnicos mínimos a realizar numa auditoria energética associada ao processo de certificação energética, sobretudo nos vectores com impacto no consumo energético do edifício, como, por exemplo, espessuras dos elementos construtivos, análise de energia eléctrica dos circuitos mais relevantes”. Por outro lado e em relação às medidas de melhoria, a EFRIARC entende que esta análise nos grandes edifícios de serviços deve incidir em todas as vertentes do consumo, bem como realizada nas condições de funcionamento real quando se pretende olhar para a estimativa económica de poupança. No que diz respeito aos edifícios residenciais, “importa valorizar a vertente de conforto, relativizando a importância da componente energética, uma vez que a metodologia de cálculo incide apenas sobre consumos parciais da habitação. Ainda assim, para a certificação de habitação existente, deveria ser equacionado um procedimento simplificado com base em análise de requisitos, sem necessidade de desenvolver cálculos, mas considerando como limite a classe a atingir (por exemplo, C)”.
Os Peritos Qualificados (PQ) são a base de todo o Sistema de Certificação Energética. Cabe a estes profissionais (engenheiros e arquitectos) devidamente formados e qualificados dar vida ao sistema, nomeadamente na recolha de informação, na análise e na emissão de certificados energéticos. Sucede que a única associação que os representa, a ANPQ – Associação Nacional dos Peritos Qualificados, ainda não foi consultada neste processo (ver caixa). “O SCE continua a ser um processo de horror para os PQ com complexidade exagerada e desnecessária para os objectivos pretendidos”. Em concreto, estes especialistas queixam-se da legislação, dos procedimentos, dos guias práticos, das perguntas e respostas da ADENE de carácter obrigatório como se fossem leis e das acções subjectivas de fiscalização. A relação entre os PQ e a ADENE, a entidade gestora do SCE, nunca foi pacífica, alegadamente pelo excesso de zelo e uma desajustada fiscalização que terá criado vários problemas a estes profissionais. “É preciso muita coragem, paciência e resiliência para exercer este trabalho pelos preços que o mercado está disposto a pagar”. Uma situação que, denunciam, não tem paralelo em outros actos de engenharia e arquitectura. “Há bem pouco tempo, tivemos conhecimento de que existiram apenas 26 inspecções a empresas imobiliárias por práticas incorrectas no âmbito do SCE. Em contrapartida e durante estes últimos 14 anos, existiram milhares sobre a actividade dos PQ”.
Seja como for, estamos a viver uma oportunidade que, mesmo pelos piores motivos, exige um outro olhar para os edifícios. Seja no diploma que já devia ter saído, seja noutro criado para o efeito, convém não perder de vista estas recomendações – isto, se quisermos melhores edifícios. Não consultar quem anda no mercado ou criar regimes de facilitismo são erros crassos que já experimentamos nos últimos anos. E que se pagam muito caro. A opinião do sector é unânime: voltar a incluir a QAI é quase uma obrigação do legislador.