Numa época de incertezas, em que não se sabe quando a pandemia poderá acabar, nem quanto tempo mais vão existir restrições por esse mundo fora, o clima tem sentido sinais positivos face ao abrandamento da actividade económica. Mas surgem dúvidas do que poderá acontecer ao ambiente quando tudo retomar o ritmo pré-pandemia. Continuarão os esforços para salvar o planeta a ser uma prioridade ou serão relegados para segundo plano, face a uma recuperação económica urgente?

As emissões de CO2 caíram acentuadamente à medida que o mundo parava devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Mas as vozes de vários especialistas logo vieram dizer que estas podem não ser boas notícias para o ambiente, caso os governos não comecem a mudar para uma energia mais limpa. Este é um cenário que poderá ser difícil quando se prevê que a economia mundial sofra um grande abrandamento e se tente, a todo o custo, recuperar o dinheiro perdido em meses de inactividade em tantos sectores da economia.

O Carbon Brief, um site do Reino Unido especialista em ambiente, política climática e política energética refere, num artigo, que esta crise pode desencadear a maior queda anual de emissões de CO2 em 2020. Trata-se de uma queda maior do que em qualquer crise económica ou em períodos de guerra, todavia, ainda assim, não seria suficiente para se chegar sequer perto de alcançar o limite de redução da temperatura global de 1,5 °C. Como tal, refere o Carbon Brief, as concentrações de CO2, assim como o aquecimento global com elas relacionado, só estabilizarão quando as emissões anuais atingirem o nível zero, o que é, precisamente, o objectivo que a União Europeia (UE) quer alcançar até 2050: uma economia com zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa. A meta é um dos elementos centrais do Pacto Ecológico Europeu e está em consonância com o compromisso assumido pela UE no plano da acção climática a nível mundial, no quadro do Acordo de Paris.

Em Março deste ano, a Comissão Europeia (CE) apresentou uma proposta nesse sentido, que visa tornar lei este compromisso da UE em se tornar neutra em termos de clima. A Lei Europeia do Clima define o objectivo até 2050, assim como a orientação para todas as políticas da UE. Mas como tornar esta realidade viável, quando começam a surgir vozes que consideram que, no fim da pandemia, o foco deve estar em relançar a economia e não um planeta mais verde? Aline Guerreiro, dirigente da Quercus, a organização não governamental ambientalista, explicou à Edifícios e Energia que a situação que se vive actualmente, com as oscilações do preço do petróleo e o abrandamento da sua produção, “inevitavelmente originará uma tendência para o colapso [e] será uma ameaça para a tão esperada mudança para a energia verde”. Porém, acrescenta: “estamos crentes de que os governos continuem os seus esforços para promover a economia de energia, tentando diminuir a utilização de combustíveis fósseis nos sectores de transporte, edifícios e indústria”.

Um artigo publicado em Março pelo site EU Observer cita precisamente o chefe de governo da República Checa, que vai contra esta linha de pensamento. Na altura, Andrej Babiš afirmava que a Europa devia agora esquecer o Pacto Ecológico Europeu e concentrar-se no combate ao novo coronavírus. No entanto, nesse mesmo artigo, um porta-voz da Comissão Europeia explicava que a recém-anunciada Lei Europeia do Clima tinha sido elaborada com o intuito de evitar que a acção climática fosse considerada paralela face a desafios considerados mais urgentes e imediatos.

Como apostar em opções mais verdes, que são muitas vezes mais dispendiosas na sua aquisição, quando está iminente uma crise económica sem precedentes? Arquitecta de formação, Aline Guerreiro lembra que a aposta em tecnologias verdes pode ser mais dispendiosa no acto da compra, mas que se tornam compensadoras ao longo da vida útil. E, falando especificamente no sector dos edifícios, a arquitecta recorda que estas tecnologias permitem proporcionar ao edifício uma poupança energética e ambiental. Ainda assim, considera que existe o risco de os governos poderem “sentir-se impelidos a decidir por facilitar investimentos que poderão aumentar a poluição, e descarrilar os investimentos em energia limpa que visam tornar o clima neutro em carbono até 2030/2050, para compensar a economia mais rapidamente”. Como tal, na opinião da especialista da Quercus, “o ambiente poderá ficar numa situação fragilizada, sim”. O sector dos edifícios não escapa, recorda, já que as datas limite definidas pela revisão da Directiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) estão a chegar e, já em 2021, “os edifícios terão de ter o uso de quantidades quase nulas de energia para climatização, assim como para o aquecimento de água”.

Acção concertada para acção climática e combater o vírus

Face às vozes dissonantes mas também à urgência de salvar o planeta, 13 ministros de países da UE, em que se inclui Portugal, assinaram uma declaração conjunta no site Climate Home News, em que analisam a actual situação que se vive na Europa e no mundo, mas também o que deve ser feito para preparar a recuperação económica. Deixam, no entanto, bem frisado que, na introdução dos planos de recuperação, a crise ecológica deve ser tida em conta. Os governantes consideram que a lição a retirar da crise da covid-19 é que as acções planeadas são fundamentais e que que as respostas precisam ser encontradas de maneira concertada, através de uma resposta europeia comum. Consideram, por isso, necessário “manter a ambição para mitigar os riscos e custos da inacção decorrentes das alterações climáticas e das perdas de biodiversidade” e instam a Comissão Europeia a utilizar o Pacto Ecológico Europeu como estrutura para este exercício que agora se avizinha, uma vez que consideram que constitui uma nova estratégia de crescimento para a UE, capaz de gerar os benefícios (duplos) de estimular economias e criar empregos, ao mesmo tempo que acelera a transição verde de maneira económica.

Alemanha, Áustria, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Itália, Letónia, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Suécia são os países signatários desta missiva, que concordam na necessidade de enviar “um forte sinal político ao mundo e aos cidadãos de que a UE liderará pelo exemplo, mesmo em tempos difíceis como o presente, e abrirá o caminho para a neutralidade climática e o cumprimento do Acordo de Paris. Na mesma linha, as acções urgentes para proteger e conservar a biodiversidade devem ser uma parte essencial da nossa resposta à crise global de saúde e meio ambiente e um aspecto fundamental para garantir a sobrevivência e o bem-estar a longo prazo das nossas sociedades”.

Os 13 consideram, então, necessário “ampliar os investimentos, principalmente nas áreas da mobilidade sustentável, energia renovável, renovação de edifícios, pesquisa e inovação, recuperação da biodiversidade e economia circular”, lembrando que o Pacto Ecológico Europeu “fornece um itinerário para fazer as escolhas certas na resposta à crise económica, ao mesmo tempo que transforma a Europa numa economia sustentável e neutra em termos de clima”. Os signatários da missiva referem também que se devem evitar as “as tentações de soluções de curto prazo em resposta à actual crise, que corre o risco fechar a UE numa economia de combustíveis fósseis nas próximas décadas”. É por isso que consideram que devem continuar decididos a aumentar a meta da União Europeia para 2030 antes do final deste ano, cumprindo assim o cronograma do Acordo de Paris e inspirando outros actores globais a aumentar também as suas ambições climáticas.

Esta é uma linha de pensamento também seguida pela Quercus. Aline Guerreiro defende que “esta onda de diminuição da poluição, gerada pelo novo coronavírus, poderia/deveria ser uma inspiração para todos”. No entanto, “esta foi gerada à custa da diminuição da actividade humana, ou seja, à custa de menos produção, menos mobilidade, menos economia e a retoma não deve ser vista nem conseguida a todo o custo, mas ser implementada aproveitando os benefícios ambientais gerados por esta crise de saúde pública, continuando com as metas pensadas e fazendo esforços que as mesmas sejam atingidas”. Como tal, a “Quercus espera assim que, até ao verão de 2020, a Comissão Europeia apresente um plano, como já se previa na comunicação apresentada em Dezembro de 2019 para o Pacto Verde, para aumentar a meta de redução das emissões de gases com efeito estufa para 2030 para, pelo menos, 50 %, em comparação com os níveis de 1990, de forma responsável. O pacto prevê ainda que as políticas em desenvolvimento pudessem reduzir as emissões de gases com efeito estufa em 60 % até 2050”, esclarece.

Apesar de ser impossível prever o que pode vir a acontecer, de facto, após esta crise sem precedentes que se vive tanto na Europa, como no mundo, existem projectos legislativos, como a Lei Europeia do Clima, e vontade dos governantes dos países, como o demonstrado na missiva referida, que serão instrumentos de ajuda para que a retoma da economia não afecte o ambiente, nem que este seja negligenciado ou colocado de parte numa altura em que se esgotam os prazos para fazer algo pelo planeta para que os danos nele causados não sejam irreversíveis. E, apesar de ser um tema urgente, só mesmo o tempo dirá o que vai, de facto, acontecer.