Há duas dezenas de anos que a Europa encetou uma desafiante tarefa em direção à reabilitação energética de edifícios. O arranque consolidou-se com a primeira diretiva EPBD, Diretiva 2002/91/CE de 16 de Dezembro(2), que estabelecia como objetivo primordial a melhoria do desempenho energético dos novos edifícios. Contudo, esta diretiva também impunha requisitos aos edifícios existentes se estes fossem alvos de uma grande reabilitação. Cedo se foi tomando consciência de que, enquanto houvesse um grande número de edifícios existentes ineficientes, o setor dos edifícios seria sempre ineficiente. Seguiram-se outras diretivas mas foi através da reformulação da primeira EPBD, designada por EPBDrecast, Diretiva 2010/31/UE de 19 de Maio(2), que foram fixados novos e exigentes requisitos que, pela sua relevância, importa lembrar e, ao mesmo tempo, transcrever no contexto do presente comentário, destacando-se alguns dos principais requisitos:
“Artigo 7.º – Edifícios existentes
Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, aquando a realização de grandes renovações em edifícios, o desempenho energético do edifício ou da sua parte renovada, seja melhorado, a fim de cumprir os requisitos mínimos de desempenho energético estabelecidos em conformidade com o artigo 4.º (Estabelecimento de requisitos mínimos de desempenho energético), na medida em que tal seja possível do ponto de vista técnico, funcional e económico.
Os requisitos são aplicáveis ao edifício renovado ou à fração autónoma no seu conjunto. Adicionalmente ou em alternativa, podem ser aplicados requisitos aos componentes renovados”.
“Artigo 9.º – Edifícios com necessidades quase nulas de energia
- Os Estados-Membros asseguram que:
a) O mais tardar em 31 de Dezembro de 2020, todos os edifícios novos sejam edifícios com necessidades quase nulas de energia; e
b) Após 31 de Dezembro de 2018, os edifícios novos ocupados e detidos por autoridades públicas sejam edifícios com necessidades quase nulas de energia.
Os Estados-Membros elaboram planos nacionais para aumentar o número de edifícios com necessidades quase nulas de energia. Os planos nacionais podem incluir objetivos diferenciados consoante a categoria dos edifícios em causa.
- Além disso os Estados-Membros, seguindo o exemplo do setor público, desenvolvem políticas e tomam medidas, como, por exemplo, o estabelecimento de objetivos, para incentivar a transformação de todos os edifícios remodelados em edifícios com necessidades quase nulas de energia, e informam a Comissão nos planos nacionais a que se refere o nº 1”.
Com a publicação da recente EPBD2ªreformulação, Diretiva 2018/844/EU de 30 de maio(2) , estas medidas tornaram-se mais prementes.
Por imperativo da legislação europeia, os Estados-Membros estão obrigados a efetuar a transposição das Diretivas Europeias(2) para as respetivas legislações nacionais e o Estado português também está obrigado a desenvolver um processo paralelo ao definido nessas diretivas.
Para além da criação de um quadro regulamentar específico, seria necessário definir um caminho técnico crítico, iterativo entre as diversas especialidades que, em geral, são convocadas para a reabilitação de edifícios, para a implementação e concretização das medidas aí definidas.
O Estado português, embora tendo procurado iniciar o caminho da reabilitação energética dos edifícios públicos, não constituiu um plano estruturado, não se mostrando, assim, capaz de desempenhar eficazmente o papel que lhe competia. Ao fazer-se um caminho, ficam sempre marcas e pegadas. Que pegada deixa ou deixará o Estado português para as gerações atuais e, sobretudo, para as gerações futuras?
Conforme referido no tema de capa do número anterior desta revista, ao transcrever a conclusão de um relatório do Tribunal de Contas – Uma Auditoria sobre a Eficiência Energética em Edifícios Públicos: O Estado português devia dar o exemplo, mas não deu!”.
A reabilitação energética nos edifícios do Estado não tem sido e muito provavelmente continuará a não ser tarefa fácil, salvo se as atuais circunstâncias económicas sofrerem positivamente alterações significativas, se forem lançadas medidas legislativas e administrativas realistas e criadas as condições objetivas e propícias para levar a efeito tamanha tarefa.
O Estado não poderá continuar a menosprezar ou, como é seu hábito, derrogar estes problemas. Esta é mais uma emergência nacional!
Para além da criação de um quadro regulamentar específico, seria necessário definir um caminho técnico crítico, iterativo entre as diversas especialidades que, em geral, são convocadas para a reabilitação de edifícios, para a implementação e concretização das medidas aí definidas. Foram abertas candidaturas e propostos objetivos, mas que meios foram postos à disposição das entidades abrangidas por esses programas? A grande parte, para não dizer a maioria, não teve à sua disposição, ao que parece, um responsável direto pelo controlo da situação. Projetos tão ambiciosos como este requereriam a presença, se não permanente, pelo menos, frequente, de um Gestor Técnico de Energia (GTE), indispensável em edifícios com potência térmica nominal instalada ou a instalar superiores a 100 kW, o qual dispondo de formação, prática e ferramentas adequadas, acompanhasse o seu funcionamento e correspondente desempenho. Para os edifícios com potências inferiores, poder-se-ia considerar, para o efeito, numa perspetiva sinérgica, o agrupamento de edifícios. Onde estão esses responsáveis? Existem? E se existem, produzem relatórios circunstanciados de modo que permitam tirar conclusões efetivas sobre o desempenho do edifício?
Falando de recursos que são sempre escassos, estes gestores poderão pertencer aos quadros do Estado ou pertencer a agentes económicos habilitados técnica e economicamente mas que englobem técnicos qualificados para o efeito.
Também esta situação vem reforçar a necessidade de dotar os edifícios com Sistemas de Gestão Técnica Centralizada (SGTC), que, se adequadamente implementados, são um precioso auxiliar, dir-se-ia mesmo, indispensáveis para o GTE. Ao dotar-se os edifícios de meios de sensorização e meios de conectividade, poder-se-ão usar tecnologias de informação e comunicação, sistemas eletrónicos e adaptar o funcionamento dos edifícios às necessidades dos ocupantes e das redes inteligentes de energia e melhorar a eficiência energética e o desempenho dos edifícios na sua globalidade.
(1) Excerto do poema de António Machado Provérbios e Cantares incluído no livro Campos de Castilha publicado em 1912.
(2) Diretiva 2002/91/CE de 16 de Dezembro (EPBD – Desempenho Energético de Edifícios)
Diretiva 2006/32/CE de 5 de Abril (ESD – eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos, relevante para cálculo de EEE)
Diretiva 2009/28/CE de 23 de Abril (RES – promoção de energias renováveis),
Diretiva 2010/31/UE de 19 de Maio (EPBDreformulação – Desempenho Energético de Edifícios)
Diretiva 2012/27/UE de 25 de Outubro (EED – Eficiência Energética)
Diretiva 2018/844/EU de 30 de maio (EPBD2ªreformulação – Desempenho Energético de Edifícios)
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