Os últimos dez anos têm sido de crescimento para o mercado europeu das bombas de calor, que alcançou mesmo um recorde histórico em 2021, com 2,18 milhões de unidades instaladas. Thomas Nowak é o secretário-geral da Associação Europeia de Bombas de Calor (EHPA, na sigla em inglês) e, em entrevista à Edifícios e Energia, explicou o momento único que o sector está a viver, com a oportunidade de fazer a diferença na transição energética da Europa.
A Comissão Europeia identificou um objectivo muito ambicioso para a indústria das bombas de calor. É possível alcançá-la ao ritmo actual?
A Comissão Europeia estabeleceu a meta de instalar 30 milhões de bombas de calor hidrónicas adicionais até 2030. Como as bombas de calor ar-ar são também usadas na Europa, nós extrapolámos a meta da Comissão a todo o stock instalado de bombas de calor, o que resulta em cerca de 60 milhões de bombas de calor adicionais para aquecimento e produção de águas quentes.
A meta é ambiciosa, mas exequível. Na última década, os mercados europeus de bombas de calor têm crescido constantemente. Só em 2021, 2,18 milhões de unidades foram instaladas na Europa, um crescimento recorde histórico de 34 % face ao ano anterior.
Quais são as principais barreiras a que tal se concretize?
Apesar destas boas notícias, é necessária mais ambição por parte dos decisores políticos europeus para criar um enquadramento económico e legislativo favorável a uma transição rápida. O aquecimento limpo tem de ser acessível a todos. [Para o fazer] As medidas seriam incluir o aquecimento no mercado europeu de carbono, o Sistema de Comércio de Emissões (ETS), transferir os incentivos aos combustíveis fósseis para as bombas de calor, estabelecer centros de conhecimento que ajudem os cidadãos a perceber as soluções com base nesta tecnologia e a confiar na sua credibilidade.
As one-stop-shops – espaços que ajudam à avaliação do edifício, à escolha das tecnologias, a encontrar um instalador e formas de financiar as medidas – irão facilitar e tornar mais conveniente a decisão de mudar para um sistema de aquecimento e arrefecimento mais limpo.
Um dos principais obstáculos que o sector enfrenta é a actual crise dos semicondutores, que está a limitar a produção de bombas de calor. É essencial que a indústria, dada a sua importância para a segurança energética e a acção climática, tenha prioridade no acesso a componentes vitais, como são os semicondutores. Ao mesmo tempo, com o crescimento contínuo [da procura], a falta de mão-de-obra qualificada – instaladores, electricistas, engenheiros, projectistas e arquitectos – poderá tornar-se um factor limitador e que deve ser abordado imediatamente pela iniciativa europeia para as competências.
A EHPA lançou recentemente uma ideia para a criação do Heat Pump Accelerator, com vista a abordar exactamente esta questão. Pode explicar no que consiste e em que ponto está?
No âmbito do plano REPowerEU, a Comissão Europeia estabeleceu metas ambiciosas para que as bombas de calor ajudem a libertar a União Europeia do gás de origem fóssil, mas este plano não define uma forma abrangente de tornar isso possível. É preciso mais ambição para descarbonizar o aquecimento e alcançar as zero emissões em 2050.
Na nossa visão, este acelerador deverá focar-se em cinco objectivos principais: criar confiança na ambição de longo prazo para as bombas de calor; tornar o aquecimento limpo uma escolha financeiramente mais atractiva; garantir que as políticas ajudam e não prejudicam o mercado; alavancar as competências para a transição energética; e apoiar o sector de Investigação e Desenvolvimento. Deve também haver um foco na electrificação. As redes eléctricas têm de ser reforçadas para acomodar a electrificação dos sectores dos transportes e do aquecimento e arrefecimento.

Thomas Nowak no EHPA HP FORUM. © Vivian Hertz
A ideia de um acelerador reflecte-se em medidas que estão actualmente a ser discutidas. Duas propostas foram feitas pelo governo alemão ao Conselho da União Europeia que estão em linha com o acelerador das bombas de calor: [propõem] uma aliança de tecnologias de transição e um impulsionador de energias renováveis, a ser financiado pelo mecanismo de recuperação e resiliência europeu, com destaque para as bombas de calor industriais e de larga escala. Além disso, a Comissão Europeia estabeleceu também o Pact for Skills, uma iniciativa que apoia o desenvolvimento de competências por toda a Europa, e várias alianças para o hidrogénio e para as baterias. Acreditamos que o Heat Pump Accelerator poderá tomar forma numa aliança deste género. Estamos a acompanhar o debate e iremos continuar a pressionar para que este seja criado.
Muitos fabricantes, como a Daikin, a Panasonic, a Viessmann, a Stiebel-Eltron, entre outros, estão a investir na sua capacidade produtiva para responder à procura crescente. esta tendência é generalizada? Como podem os fabricantes contribuir para este esforço?
De facto, a indústria está a reagir a um aumento da procura e às metas definidas pelo REPowerEU. O investimento total em bombas de calor actualmente anunciado em toda a Europa, para os próximos três anos, ultrapassa os quatro mil milhões de euros. A mais recente novidade é a fábrica de bombas de calor ar-água da Clivet, um fabricante italiano que foi adquirido pela Midea. Este desenvolvimento ajudará, sem dúvida, a responder à procura actual e a preparar o mercado para os próximos anos. Como resultado, as bombas de calor vão tornar-se um produto “standard”.
Numa perspectiva de sociedade, os fabricantes criam postos de trabalho, directa e indirectamente e, muitas vezes, em partes remotas da Europa. As suas actividades de formação vão ajudar a aumentar o número de trabalhadores qualificados necessários para responder à procura actual e futura.
Quais são os principais desafios no que respeita a melhorar a tecnologia e torná-la próxima das zero emissões?
A tecnologia das bombas de calor usa o ciclo termodinâmico para explorar diversas fontes de calor, fornecendo aquecimento e arrefecimento de forma eficiente aos edifícios e à indústria. Quando o aquecimento e arrefecimento é gerado usando electricidade renovável, as bombas de calor fornecem aquecimento e arrefecimento 100 % renovável à escala. No entanto, há ainda muito para fazer para remover as barreiras técnico-económicas que existem para a disseminação massiva desta tecnologia. Nomeadamente, os regulamentos para os edifícios devem ser revistos para tornar mais fácil a instalação de bombas de calor e a legislação precisa de permitir que uma variedade de fluidos frigorigéneos possa ser usada de forma segura no futuro.
[Além disso] Para tirar o maior partido das bombas de calor, elas devem estar ligadas a outras partes do sistema [energético]. As bombas de calor podem oferecer flexibilidade do lado da procura em redes inteligentes; interagir com fotovoltaico, veículos eléctricos e energia eólica para maximizar a quota de renováveis e minimizar as emissões de CO2; podem suprir as necessidades de aquecimento e arrefecimento no local e além dele; podem usar calor residual em processos industriais e fornecer calor mais eficiente para fins que não de aquecimento ambiente, como secagem, limpeza, processamento de alimentos, etc.
“O investimento total em bombas de calor actualmente anunciado em toda a Europa, para os próximos três anos, ultrapassa os quatro mil milhões de euros.”
Falou das competências; a Europa tem trabalhadores qualificados suficientes, tanto ao nível do projecto, como ao nível da instalação, para fazer esta transição?
Para responder às necessidades que a transição verde exige, é preciso mão-de-obra qualificada a todos os níveis. Tanto as empresas como as administrações locais devem colocar ênfase no recrutamento e na formação destes trabalhadores, por exemplo, através de incentivos financeiros e cursos de formação adequados, o que iria resultar na criação de muitos postos de trabalho.
As bombas de calor são uma solução cara. Podemos esperar uma redução progressiva dos preços como aconteceu, por exemplo, com os painéis fotovoltaicos, ou a actual conjuntura Internacional dificultará essa tendência?
Com o aumento das vendas das bombas de calor, as economias de escala deverão levar a uma redução do preço de produção. No entanto, estamos numa situação desafiante: a actual escassez de semicondutores está a afectar a cadeia de valor, assim como a guerra na Ucrânia e as consequências de Covid-19 nas rotas de fornecimento globais. Demorará alguns meses, ou até anos, até que esta situação se normalize. E isso afectará a produção de bombas de calor, a sua distribuição e também o seu preço.
Adicionalmente, a legislação para a concepção ecológica e para os gases fluorados, actualmente em revisão, exige que os produtos passem por um redesign significativo. Para tornar as bombas de calor mais acessíveis, os governos e as administrações locais devem dar incentivos e educar os seus cidadãos para que estes exijam edifícios mais amigos do ambiente. Uma parte da redução de custos vai ser alavancada pela competição no mercado, que irá reduzir as margens através da cadeia de valor.
Ao mesmo tempo, os custos de instalação e de operação vão eventualmente cair causando um acesso mais barato a bombas de calor. Em suma, só através da implementação massiva e da concorrência no mercado é que será possível reduzir o preço das bombas de calor.
Até que tal aconteça, como podemos tornar as bombas de calor mais acessíveis?
Como disse, o mais importante é criar o ambiente económico e legal que torne as soluções baseadas em bombas de calor a opção mais atractiva do ponto de vista económico. Ao fazê-lo, activamos os recursos dos utilizadores finais e libertamos as forças de mercado em direcção a um aquecimento e arrefecimento limpos.
Isto pode ser alcançado pela integração dos efeitos externos do uso de energia fóssil, ao incluir o sector do aquecimento no ETS, e pelo reequilibrar da tributação sobre a energia. Os subsídios podem também ajudar, por exemplo, através da redução do IVA tanto para as bombas de calor como para a energia que estas usam.
Apoiar a cadeia de fornecimento será também importante. A disseminação massiva das bombas de calor afasta a tecnologia do ponto em que esta é um produto de luxo, e aproxima-a daquele em que é um produto pronto para o mercado de massas. A concorrência associada a isto vai eventualmente levar a uma maior eficiência na produção e instalação e tornará a tecnologia mais acessível.
Medidas como o apoio financeiro a agregados de baixos rendimentos e a liderança pelo exemplo, através da renovação energética dos edifícios públicos, por exemplo, poderão provocar um impacto imediato. Mostrar que é possível vai fazer com que as pessoas perguntem porque ainda não estão a fazê-lo. A descarbonização do aquecimento tem de se tornar um mercado de massas; não se trata de ‘se’ o devemos fazer, mas de ‘quando’. A tecnologia está pronta: vamos disseminá-la hoje!