Há notícias, dados e estatísticas que incomodam e estas semanas têm sido intensas. Em simultâneo, António Costa forma o seu Governo, o maior de sempre em democracia. Nunca houve tanta gente a gerir o país. Claro que falar sobre eficiência energética e do que se pretende para as cidades em termos de sustentabilidade seria oportuno e quase obrigatório. Seria bom tentar entender aquilo que está no papel, nomeadamente no super PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima) e quais vão ser as medidas para atingir uma quantidade enorme de metas. Tudo em quatro anos.
Iremos abordar estes temas. Mas, por agora, sugiro darmos atenção a uma realidade que não devia passar-nos ao lado e que condiciona, ou deveria condicionar, todas as políticas públicas: a sustentabilidade social. E, para a analisar, temos, inevitavelmente, de falar em pobreza real marcada por carências básicas. Ignorar os números é como ignorar grande parte do país. Sugiro ainda darmos atenção àquilo que se designa por pobreza energética. Qualquer coisa que toca na pobreza, naturalmente, mas que talvez deva ser analisada de outra maneira. Existe um Observatório europeu para a pobreza energética com o objectivo de criar uma União Europeia (UE) mais justa, solidária e inclusiva. Um Observatório que nos diz que 50 milhões de famílias europeias têm dificuldade em manter temperaturas adequadas nas suas casas e em pagar as facturas da energia. Segundo o Eurostat, Portugal está nos primeiros lugares da tabela. Sabemos que este problema traz muitos outros por arrasto ligados à saúde e, por consequência, à economia.
Mas quando falamos em atacar este problema da pobreza energética, estamos a falar em quê, concretamente? Não podemos estar a correr o risco de desviar a atenção daquilo que é o essencial? Não será a pobreza energética, ela própria, consequência de um problema maior e incompreensível no século XXI? É que há pobreza em Portugal e noutros países da UE! Não podemos ter medo de o dizer. E quando falamos em pobreza falamos em carências reais, de alimentação, de saúde, de educação e energéticas, naturalmente. As políticas têm sido insuficientes para a erradicar. Também não podemos ter medo de o dizer.
Não será a pobreza energética, ela própria, consequência de um problema maior e incompreensível no século XXI?
Perto de 20 % da população portuguesa ou é pobre ou vive em risco de pobreza (dados Instituto Nacional de Estatística). Correm risco de pobreza aqueles cujos rendimentos possam ficar abaixo do limiar de pobreza, na prática abaixo do rendimento médio da população (943 euros). É considerado pobre quem tem um rendimento mensal inferior a 460 euros, de acordo com a análise feita pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Sem os apoios e subsídios directos do Estado em taxas de pobrezas, subsídios de desemprego ou outros, estaríamos a falar de perto de 50 % da população em risco de pobreza. Hoje, o salário mínimo está apenas 78 euros (valores proporcionais) acima daquilo que se praticava em 1974, antes do 25 de Abril. Em 2016, segundo um estudo da Universidade Católica, 46 % da população confirma que “às vezes” não tem dinheiro para a sua alimentação até ao final do mês.
Estes dados são públicos e quando os vemos não queremos acreditar. Parece uma realidade que não é a nossa. Tipicamente, não a vemos. Numa análise muita básica, se quisermos fazer umas contas rápidas, se juntarmos a pobreza, chamemos-lhe real, à média de rendimentos individuais de menos de mil euros que caracteriza o país, parece-nos que sobra uma parcela muito pequena da população capaz de investir na reabilitação energética das suas casas. Valia a pena fazer estas contas a sério e saber exactamente de quantas pessoas ou famílias podemos estar a falar. Que necessidades específicas tem cada grupo de risco. Era interessante fazer um levantamento dos certificados energéticos emitidos e verificar, de facto, a percentagem de medidas de melhoria implementadas. Talvez através de um inquérito ou outro estudo para começar. Era ainda interessante caracterizar o mercado residencial real, das pessoas que nele habitam e, a partir daí, construir uma estratégia e medidas concretas. Enquanto não aumentam os ordenados mínimos para valores dignos de um país que se quer desenvolvido, o Estado devia olhar e intervir com políticas públicas eficazes. Fala-se na criação de uma comissão interministerial. Esperamos que avance e bem. Porque as taxas de esforço para a aquisição ou arrendamentos de casas já ultrapassam os 60 % dos orçamentos familiares. Um valor absurdo que devia disparar todos os alarmes. Esta tendência vai retirando, gradualmente, qualquer margem de folga na capacidade financeira das pessoas e isso vai reflectir-se também na economia do país muito rapidamente. De novo! O custo da electricidade em Portugal é o sexto mais caro da Europa. Claro que há iliteracia energética, que passa pela falta de promoção dos correctos usos da energia. Mas achar que mais informação ou que uma tarifa social de 4 % na redução da factura energética vai ajudar a resolver o problema é não querer ver o que está mesmo à nossa frente!
Nota de abertura originalmente publicada na edição nº126 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2019)
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