Um quinto da população é pobre no nosso país. Destes dois milhões de pessoas, 1,6 milhões vivem com menos de 540 euros mensais e, por isso, estão abaixo do limiar de pobreza. Apenas um em cada três portugueses tem um emprego estável. Os baixos rendimentos, o desemprego, a doença e o divórcio são os factores principais que nos empurram para estes números, referentes a 2020, apresentados recentemente pela PORDATA e que são assustadores. São assustadores também porque nos transportam para um qualquer sítio de indignação que não devia existir. Mas esse sítio existe e o problema é que apenas ficamos por lá alguns minutos com uma ou outra leitura, uma ou outra notícia e pouco mais. Nós e os nossos governantes. Parece que esta é uma realidade paralela, que, para além de desconfortável, queremos que seja invisível.
Os dados da PORDATA de 1994 falam-nos em 28 % de intensidade de pobreza em Portugal, valor apenas ultrapassado em 2013 (30 %). Em 2016, ainda estávamos nos 27 %; só nos últimos três anos, baixamos para os 22-24%. Este índice, explica-nos a Fundação Francisco Manuel dos Santos, “permite medir a distância que separa o rendimento monetário equivalente de um indivíduo pobre do limiar de pobreza. Desta forma, níveis elevados de pobreza dos indivíduos, essencialmente nos rendimentos mais baixos, conduzem a maiores valores”. Mas existem outros indicadores e a taxa de pessoas em risco de pobreza na União Europeia em 2018 é de cerca de 22 %, em linha com o nosso país, segundo o Eurostat. Sucede que a crise de 2009 a 2013 foi um rombo para a nossa economia e para a nossa sociedade.
Portugal continua a crescer como um dos países mais desiguais do espaço europeu. O que significa que existe uma enorme disparidade entre a distribuição de rendimentos pelas famílias. E, quanto maior é a desigualdade, maior é o risco de pobreza porque os mais pobres e mais vulneráveis são aqueles que perdem mais rendimentos durante uma crise. Estamos pior hoje e já ao nível da Grécia. É que, segundo o estudo “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos”, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, 10 % dos trabalhadores em Portugal estão em situação de pobreza e os restantes na mesma situação social e económica de pobreza não têm emprego, dependem de apoios sociais, estão doentes ou têm empregos precários.
Depois da perda geral de rendimentos da crise financeira de 2013 e, agora, com a pandemia, esta é uma tragédia que nos obriga a reflectir sobre o país que queremos. Estará a ser feita essa reflexão? A Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2021-2050 ainda não foi publicada, nem se sabe se os contributos dos vários especialistas foram considerados.
Separar a pobreza da pobreza energética não é fácil, mas é essencial. Claro que as causas são comuns e uma arrasta a outra. Sucede que a forma de as atacar é totalmente diferente. Uma coisa é combater a pobreza, a outra é olhar para a degradação do nosso edificado e combater a ineficiência energética e a falta de conforto térmico. Existem vários estudos que nos apontam para a esmagadora degradação e ineficiência energética do nosso parque edificado. São muito poucas as pessoas (cerca de 10 %) que têm capacidade de aquecer a sua casa no inverno.
O inverno vem aí e o dinheiro também. E o que vamos fazer? O Governo teima em avançar com medidas de apoio avulsas que não cobrem a totalidade das necessidades de quem é elegível, na maioria dos casos, por uma única razão: exigem investimento, ou seja, o financiamento é sempre parcial e não a fundo perdido. Naturalmente que quem vive em pobreza fica de fora. E quem não é pobre muito raramente tem capacidade para pagar a factura energética. Hoje, sabemos que apenas uma minoria consegue fazer intervenções estruturais nas suas casas.
No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, estão a ser disponibilizados 100 mil vales de eficiência às famílias “economicamente vulneráveis” no valor de 1300 euros cada, num total de 162 milhões de euros. Destas famílias, estão excluídos aqueles que moram em casas arrendadas, provavelmente a maioria dos que se encontram em pobreza. O Governo está convencido de que, com este valor, as pessoas vão conseguir “aumentar o desempenho energético, o conforto térmico e as condições de habitabilidade das suas casas”. Provavelmente, o Executivo está convencido de que, numa casa com problemas estruturais, mudar uma única janela ou comprar um recuperador de calor vai resolver o problema. Provavelmente, o Governo está convencido de que essa poderá ser uma primeira ajuda na reabilitação energética das casas das famílias mais pobres e que recorrem à tarifa energética social. Por mais boa vontade, é impossível entender o que se pretende com estas medidas. Vem aí mais dinheiro e vão aparecer mais medidas no âmbito da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, mas o Governo prefere dar dinheiro às pessoas, convencido de que, assim, resolve os problemas da ineficiência energética.
Nota de abertura originalmente publicada na edição nº138 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2021). Assine já!
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