O percurso para melhorar o conforto térmico e a eficiência energética nos edifícios em Portugal data da década de 1980 – primeiro, com recomendações não obrigatórias produzidas no então Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, e, depois, com um primeiro regulamento, o RCCTE – Regulamento das Características de Comporamento Térmico dos Edifícios, publicado em 1990. Como qualquer novo regulamento, este foi alvo de enorme contestação por muitos setores, não só pelos representantes dos “consumidores”, mas também, e principalmente, pelos corpos técnicos (engenheiros e arquitetos), que viam assim ligeiramente coartada a sua liberdade de projetar e construir mal. Mas, apesar de toda a contestação, a “térmica” acabou por se impor.

Esta regulamentação só evoluiu na sequência de uma iniciativa europeia, a EPBD (Energy Performance of Buildings Directive, 2002), que forçou a sua revisão e a publicação de um novo RCCTE em 2005. Na mesma ocasião, foi iniciada a Certificação Energética dos Edifícios (SCE) e entrou também em vigor o primeiro regulamento visando os sistemas AVAC (RSECE – Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios), substituindo o RQSECE (Regulamento da Qualidade dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios) de 1998, que nunca foi efetivamente implementado. Mais uma vez, a contestação a todo este pacote legislativo foi enorme, envolvendo, de novo, todos os mesmos atores que se haviam oposto ao RCCTE em 1990. Mas, como no passado, o SCE e os novos regulamentos acabaram também por se tornar parte da prática profissional.

A EPBD foi sendo sucessivamente revista, primeiro em 2010, depois em 2018, impondo requisitos e objetivos mais ambiciosos e obrigando a revisões concomitantes da regulamentação nacional, sempre com contestação, agora mais dirigida para o grau de exigência “despropositado e exagerado num país de clima tão ameno”, bem como para os correspondentes procedimentos administrativos. Portanto, é sem a mínima surpresa que vejo agora tanta controvérsia e contestação após a publicação da versão mais recente da regulamentação nacional (DL 101-D/2020 e pacote de portarias e despachos de julho de 2021), e que voltaremos a ver após a publicação da próxima versão da EPBD, cuja preparação já foi iniciada, e a forçosa posterior revisão da regulamentação nacional. Teremos sempre debate, críticas e contestação com cada nova mudança da regulamentação térmica nacional.

No entanto, esta última atualização da regulamentação nacional segue as imposições da EPBD, como tem de ser. Os procedimentos são muito semelhantes aos que têm estado em vigor na última década. Os requisitos tornaram-se mais exigentes, alinhados com o percurso para a meta estabelecida a nível europeu (e nacional) de termos um setor dos edifícios descarbonizado em 2050. Qualquer projeto de um novo edifício ou de uma grande reabilitação continua a ter de receber “luz verde” de um Perito Qualificado através da emissão de um Certificado ou Pré-Certificado Energético no licenciamento. É imposto – e bem – que as soluções construtivas e de climatização constem dos respetivos projetos de especialidade. Portanto, havendo boa implementação da legislação, o que nem sempre aconteceu no passado, a nova regulamentação representa um passo em frente. Ainda assim, importa referir que:

  • • por um lado, poderia ter havido maior transparência. Houve quase três anos de silêncio entre a publicação da EPBD e a da regulamentação nacional, e, quando houve uma consulta pública, os prazos concedidos foram ridiculamente curtos, um mero pró-forma, o que também já se tornou habitual. É difícil de aceitar que pouco ou nada se dialogue, calma e atempadamente, durante mais de dois anos e se deixe a transposição para os últimos dias do prazo, sem dar tempo adequado para a exigida consulta;
  • • por outro lado, talvez a nova regulamentação não seja totalmente coerente com o objetivo de um parque edificado descarbonizado em 2050. Dá-se um pequeno passo, mas, tal como noutros setores, diga-se, estamos muito longe de tomar todas as medidas necessárias para o atingir. Todos os edifícios que irão ser licenciados e construídos de acordo com esta regulamentação continuarão a existir em 2050… Os edifícios construídos com base nesta nova regulamentação deverão entrar em uso a partir de 2025 e, portanto, serão “jovens” de 25 anos em 2050. Muitos deles não terão sequer qualquer remodelação importante até 2050. E é com os atuais requisitos mínimos que teremos edifícios carbono-neutros? Nem de perto, nem de longe! Mesmo com os aumentos de requisitos que foram agora impostos, as necessidades energéticas dos novos edifícios são ainda muito significativas e até “só” têm de ser cobertas em 50 % por energias renováveis. Nos Açores, até ainda é possível construir edifícios novos, ditos NZEB na regulamentação nacional, sem qualquer isolamento…! Uma política que fosse verdadeiramente séria para atingir a neutralidade carbónica dos edifícios portugueses em 2050 teria de exigir, desde já, muito mais.

A nova regulamentação baseia-se na premissa de que “100 % do parque de edifícios existentes em 2018 seria reabilitado até 2050”1. Este documento indica um investimento necessário, para este cenário, de cerca de 143,5 mil milhões de euros (2020), dos quais cerca de 110 mil milhões para o parque residencial (3,6 mil milhões de euros/ano daqui até 2050). Mesmo que esta verba venha a existir ou a ser disponibilizada, e partindo do princípio de que a taxa de cofinanciamento público será idêntica à dos parcos mecanismos atualmente oferecidos, em que circunstâncias é que os privados, proprietários da grande maioria dos edifícios nacionais, terão os meios (se tiverem vontade para tal, o que está longe de estar garantido!) para fazer um tal investimento, mesmo com base em crédito, num país em que a pobreza energética assume proporções muito significativas?

Admitindo que esse objetivo até possa ser mais fácil nos edifícios unifamiliares, onde tudo depende da vontade de um único proprietário, o que fazer com os milhões que vivem em condomínios, onde basta que um deles diga que não (até por não ter os meios financeiros para o fazer) para inviabilizar (ou dificultar muito) a reabilitação desse edifício? A atual legislação não salvaguarda, de forma alguma, a situação dos edifícios multifamiliares de propriedade privada onde habita a grande maioria dos portugueses em meios urbanos. Até pela própria forma como são emitidos os Certificados Energéticos (CE): a emissão de CE por fração (que não questiono, claro) impede a inclusão eficaz de recomendações de melhoria desta tipologia de edifícios. Nenhum proprietário de uma fração pode isolar apenas a sua envolvente exterior. Poderia, talvez, mudar os seus envidraçados, mas, mesmo para isso, enfrentaria restrições urbanísticas e outras impostas pelo próprio condomínio.

Creio que se impõe atuar rapidamente no sentido de promover a emissão massiva de CE para os edifícios multifamiliares em regime de condomínio como um todo, e a sensibilização dos respetivos coproprietários para uma ação conjunta no sentido da reabilitação energética do edifício. Sem uma ação eficaz dirigida para esta importante tipologia, nunca o parque nacional dos edifícios será sustentável, ou perto do carbono zero, daqui a menos de 30 anos, pois a reabilitação ficará muito longe dos tais 100 %.

Para concluir, fica, portanto, a convicção de que toda a controvérsia que se tem gerado sobre a nova regulamentação nacional para a eficiência energética dos edifícios, se bem que expectável, parece claramente exagerada. Nada mudou no essencial, e o que mudou foi para melhor e para um maior grau de exigência. Mas fica, sobretudo, a sensação de que ainda não temos todos os instrumentos, nem estão impostos os requisitos que permitirão cumprir a meta de um parque edificado carbono-zero em 2050. Bem pelo contrário, estamos muito longe de poder atingir essa meta. Falta ambição!

Devemos rapidamente dar os passos que se impõem para alcançar essa meta, sem continuar a atirar as soluções difíceis para um futuro cada vez mais próximo de 2050, e, então, falhar, por falta de tempo. Ou, em alternativa, assumir que o objetivo não passa de retórica e que não é para cumprir até 2050, a menos que se esteja já a contar com edifícios 100 % baseados em eletricidade renovável (que hoje é excluída da definição nacional de NZEB) e com recurso maioritário a soluções baseadas em bombas de calor.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.