Não será este um momento histórico para investir nos edifícios? A Comissária europeia da energia diz que sim. Para Kadri Simson, a razão é simples. Há “uma folga” no orçamento europeu para se investir em eficiência energética. A Renovation Wave aponta-nos essa necessidade, a questão está em saber o que cada país vai fazer e como vai fazer. O nosso ministro do Ambiente e da Acção Climática está confiante porque este é também um programa que permite “criar emprego e novas competências para a intervenção nestes mesmos edifícios”. O mantra repete-se, claro, sobretudo naquela parte em paramos e só nos ocorrem (várias) perguntas.
O Executivo escolheu desenhar um programa onde vão ser alocados 300 milhões de euros até 2025 para os edifícios residenciais. Trata-se da Estratégia a Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética cuja consulta púbica terminou no dia 17 de Maio. Parte deste valor vai para o reforço de programas existentes, 130 milhões de euros para o vale/cheque eficiência, a distribuir pelas famílias com menores rendimentos, e 35 milhões de euros para implementar projectos de autoconsumo colectivo e comunidades de energia renovável. Muito dinheiro e boas medidas. E ainda há mais para chegar. A bazuca é um milagre!
Na prática, foi definida uma estratégia para combater a pobreza energética num país estruturalmente pobre. O que quero com isto dizer? Que era importante caracterizar a própria pobreza primeiro e depois a pobreza energética e olhar para a realidade nas suas várias dimensões. É que são coisas diferentes embora se liguem, naturalmente. A realidade de uma família que vive numa casa degradada e em situação de pobreza efectiva é diferente da situação económica de uma família que não consegue suportar a conta da energia para aquecer a sua casa no inverno. As necessidades de apoio, de intervenção e até de solidariedade são completamente diferentes. Há pobreza no sentido lato numa e pobreza energética noutra. Sabemos hoje qual é a nossa realidade? Esse levantamento está feito? Sabemos quais as casas que carecem de profunda reabilitação para poderem ser habitadas com o mínimo de dignidade? É que já vimos que a bondade da tarifa social para a electricidade não resolve nada. Quem tem a casa degradada e vive em situação de pobreza não tem qualquer possibilidade de investir no conforto térmico!
Na prática, foi definida uma estratégia para combater a pobreza energética num país estruturalmente pobre. O que quero com isto dizer? Que era importante caracterizar a própria pobreza primeiro e depois a pobreza energética e olhar para a realidade nas suas várias dimensões. É que são coisas diferentes embora se liguem, naturalmente. A realidade de uma família que vive numa casa degradada e em situação de pobreza efectiva é diferente da situação económica de uma família que não consegue suportar a conta da energia para aquecer a sua casa no inverno.
Voltando à estratégia, aquilo que nos é dito é que as várias medidas pretendem aumentar o desempenho energético das habitações e reduzir os encargos com os consumos de energia. Até 2050, o Governo quer reduzir de 18,9 % (2019) para menos de 1 % a população que vive sem capacidade para manter a casa aquecida. Estima-se que esse número chegue, segundo o Governo, aos 3 milhões de pessoas. Com este Programa, espera-se ainda reduzir para menos 5 % a população que viva em habitações com problemas construtivos como de infiltrações ou humidade. Neste documento, a ambição é que os orçamentos das famílias não ultrapassem os 10 % nos gastos com a energia. Um longo caminho e muita coisa por fazer sobretudo numa área tão complicada e com resultados tão pouco visíveis a curto prazo.
Será uma boa estratégia juntar tudo no mesmo saco? O problema do edificado empobrecido é transversal a toda a Europa e todos sabemos que não há cheque de 1300 euros que chegue para aquecer uma casa com problemas estruturais e construtivos. Um qualquer equipamento, por mais eficiente que seja, não resolve a falta de isolamento ou a humidade neste tipo de habitações. Esse cheque faz sentido, sim, depois de atacados os aspectos estruturais das habitações degradadas ou junto de uma outra classe, uma classe média, também ela empobrecida e que continua a não conseguir aquecer as suas casas, porque a factura da electricidade e do gás são incomportáveis. Este é um problema de um país que ainda não foi capaz de intervir estruturalmente nas habitações, de criar medidas e condições para o conforto térmico e de abrir caminho à descentralização da energia como forma de progresso social e económico para as famílias e para o país. Três linhas fundamentais e urgentes que apenas requerem vontade e competência porque o dinheiro já existe. Corremos o risco de despachar mais medidas a eito, dinheiro e não resolvermos coisa nenhuma.
Talvez não seja por acaso que, actualmente, os temas fortes das reuniões entre Estados-Membros sejam as comunidades de energia, a integração dos sistemas energéticos e o autoconsumo. Parece que andar para a frente significa descentralizar e criar condições locais para qualquer coisa perto da autossuficiência energética. É que, enquanto nestes encontros de Bruxelas se afinam estratégias para o ajustamento da Directiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) – já em consulta pública –, por cá ainda não temos as regras desta directiva em despachos e portarias.
Nota de abertura originalmente publicada na edição nº135 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2021)
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