Há alturas que nos inquietam e esta é uma delas. São vários os motivos e, desde logo, a abundância de acontecimentos ou potenciais acontecimentos deixa-nos inevitavelmente agitados. Uma reacção normal para quem anda nesta coisa da energia e dos edifícios há tantos anos. E para quem tem esperança. É impossível controlar estes estados de alma. Achamos sempre que alguém vai endireitar o que precisa de ser endireitado.
Abundância é uma palavra desconcertante. Pode remeter-nos para uma grande quantidade de qualquer coisa e, depois, conduzir-nos ao excesso. Dá-nos e tira-nos ao mesmo tempo. Dá-nos alento, mas também pode tirar-nos o tapete logo a seguir. O que não é mau, nem bom. É assim, assim. Nós, portugueses, estamos habituados a encolher os ombros com uma enorme facilidade.
Uma analogia estranha que passo a explicar: está a chegar dinheiro a jorros para tudo e mais alguma coisa! São imensos os programas e são dos bons. 97 milhões de euros é o orçamento do ELENA (European Local Energy Assistance) para financiar medidas de eficiência energética no residencial. Por cá, o Programa Nacional de Investimento 2030, para a energia, dá-nos 1 500 milhões para a eficiência energética e 650 milhões para as renováveis. Espantosamente, as renováveis oceânicas ficam 150 milhões – mas isso, agora, levava-nos para outro lado e corríamos o risco de perder o alento que queremos manter.
Uma dose extra para esse nosso alento vem com a transposição da nova Directiva para os Edifícios e, sobretudo, com a garantia que nos deram de que está a ser criada uma comissão alargada para o fazer. Que boa notícia! E há tanto por fazer. Não resisto a deixar uma sugestão, uma primeira tarefa: parar durante três meses e começar apenas a sistematizar documentos, juntá-los e fazer “copy/paste” de tudo o que são papéis legislativos. Vale a pena arrumar a casa, que é, como quem diz, a trapalhada da papelada.
Para o tema de capa da revista de Março/Abril, começámos a tentar juntar o puzzle das alíneas que remetiam para os decretos que as tinham incompletas porque estariam noutra alínea algures, numa outra peça legislativa, e que, quando as encontrámos, passado duas horas, já tínhamos perdido o fio à meada, que, entretanto, já não fazia sentido, porque desdizia aquilo que nos tinha parecido como certo ao início. Depois de dezenas de papel impresso e muito corte e costura, desistimos. É uma tarefa impossível. Um castigo. Já estamos habituados a que o Estado não cumpra, mas achamos este castigo excessivo. Confiámos na nossa experiência e fomos falar com quem sabe ou com quem, porventura, dedica muitos dos seus dias nesta descoberta. Pareceu-nos a melhor opção. É simples: “arrumem e resumam os documentos e acabem com os anteriores”. Ou, então, façam um único com tudo, sem cortes e espaços em branco.
Os edifícios começam a ser a estrela num contexto de inovação onde, de uma forma integrada, as renováveis, a gestão da energia, a mobilidade eléctrica e a sustentabilidade começam a ser áreas de negócio decisivas para os gigantes mundiais.
Voltando ao tema do alento, quando falamos no PNEC (Plano Nacional para Energia e Clima), as coisas começam a mudar. Começamos a escorregar para o desalento e, aí, entramos no estranho mundo dos excessos que temos dificuldade em interpretar. A aderência à realidade foge-nos. À nossa realidade. Parece uma coisa feita para a Suécia ou para a Finlândia. Um documento que lemos e pensamos: “estes tipos são bons. Vão pegar nisto a sério. Estão comprometidos com aquilo que realmente interessa. Estão a servir o país e a apostar nos temas certos”. Mas, logo depois, percebemos que o documento é nosso. As metas têm luz – talvez, excesso de luz –, mas as medidas para lá chegar estão às escuras. Falta-nos energia neste particular da gestão pública. Ou porque somos ofuscados por outra luz mais poderosa ou porque, simplesmente, somos uns sonhadores. É aqui que nos tiram o tapete e cada um com a sua dor encolhe os ombros. Ou não.
Em contraciclo mais uma vez, temos as empresas e o mercado. Enquanto andamos a tentar entender o impacto destes temas no dia-a-dia, o mercado e a tecnologia estão-se nas tintas para estes documentos. Os edifícios começam a ser a estrela num contexto de inovação onde, de uma forma integrada, as renováveis, a gestão da energia, a mobilidade eléctrica e a sustentabilidade começam a ser áreas de negócio decisivas para os gigantes mundiais. Os edifícios são hoje uma interface e uma infra-estrutura essencial para que muitas marcas façam crescer as suas áreas de negócio. Desde os carros às comunicações. Os edifícios são um negócio cada vez mais apetecível. As empresas já estão aí e, em breve, tudo muda. Sim, porque somos nós que nos vamos ajustar.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores.