Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 158 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2025).
Por razões privadas, tive oportunidade de rever um conjunto de Certificados Energéticos emitidos durante o último ano, todos eles relativos a frações autónomas em edifícios de habitação multifamiliares existentes, todas com mais de 30 anos de idade, com classes energéticas entre o B+ e o G. Eram frações que eu conhecia bem e para as quais já tinha estudado com algum detalhe como implementar, ou aconselhar a implementar (ou não) medidas que pudessem melhorar a eficiência energética e aumentar o conforto dos ocupantes reduzindo-lhes, ao mesmo tempo, os custos energéticos associados. Fiquei, por isso, muito curioso com o que seriam as recomendações de melhoria que iriam constar agora desses Certificados. E não fiquei desiludido! Confirmaram-se as minhas piores expectativas. Apesar de se tratarem, maioritariamente, de apartamentos com classes energéticas baixas, não encontrei uma única medida recomendada que pudesse vir a ser implementada com alguma racionalidade, realismo ou viabilidade económica.
“Não vi medidas como isolamento pelo interior (que tem impactos sobre o espaço interior disponível, sobretudo em frações pequenas, mas é possível implementar sem limitações técnicas, apenas com implicações de redução da área útil) mas vi, quase sempre, a recomendação de instalação de uma Bomba de Calor para aquecimento ambiente, o habitual ar-condicionado que permite a eletrificação (e descarbonização) dos edifícios, claro, mesmo nos casos em que a unidade exterior iria ficar totalmente exposta no exterior de uma fachada “limpa”, onde tal apêndice nunca tinha sido previsto”.
Encontrei medidas com muitas dezenas de anos de payback, como mudar os envidraçados (e respetivas caixilharias) de simples para duplos, muitas impossíveis de implementar, como por exemplo isolar a envolvente pelo exterior (tal como mudar os envidraçados, tudo o que mexa com o exterior da envolvente carece de ação concertada do condomínio e o SCE (Sistema de Certificação Energética) continua a não abordar essa questão fundamental para a renovação dos edifícios multifamiliares, apesar dos muitos alertas para esta situação que já foram feitos cá e a nível europeu), outras simplesmente irrealistas, por exemplo, substituir um esquentador de AQS por uma bomba de calor com depósito de 100 litros (não cabia sequer no interior da fração sem alterações radicais à cozinha, nem havia localização possível para a unidade exterior) ou instalar coletores solares num piso intermédio de um edifício em que os terraços eram todos para uso privado de outras frações (certamente, seria para instalar nas janelas ou nas varandas… e, mesmo isso, com as mesmas limitações regulamentares de alteração de fachadas!).
Não vi medidas como isolamento pelo interior (que tem impactos sobre o espaço interior disponível, sobretudo em frações pequenas, mas é possível implementar sem limitações técnicas, apenas com implicações de redução da área útil) mas vi, quase sempre, a recomendação de instalação de uma Bomba de Calor para aquecimento ambiente, o habitual ar-condicionado que permite a eletrificação (e descarbonização) dos edifícios, claro, mesmo nos casos em que a unidade exterior iria ficar totalmente exposta no exterior de uma fachada “limpa”, onde tal apêndice nunca tinha sido previsto.

E lá tive, também, de esclarecer muita gente que ficou admirada por certas medidas prometerem uma poupança superior ao que as pessoas gastavam anualmente… como sabemos, os modelos adotados admitem uma climatização “24/7” durante toda a duração das estações de aquecimento e de arrefecimento, prática que muito poucos portugueses realmente adotam. Muitos certamente por questões de pobreza energética, mas muitos outros porque simplesmente não faz sentido aquecer ou arrefecer uma habitação vazia quando os ocupantes estão todos fora a trabalhar, na escola, em férias ou atividades ao ar livre, etc. Não é o estilo de vida nórdico que aquece sempre durante todo o inverno sob pena de, não aquecendo, encontrarem os canos gelados e partidos quando regressam a casa… o modelo de cálculo das necessidades energéticas subjacente aos nossos Certificados Energéticos, embora cumpra os requisitos das normas europeias em cuja preparação Portugal esteve praticamente ausente, mas que votou a favor em sede do CEN (Comité Europeu de Normalização), não salvaguarda especificidades sociais e climáticas que deviam tornar a estimativa de necessidades energéticas nas habitações nacionais mais consistentes com a nossa realidade, e que as normas europeias permitem através da introdução de anexos nacionais que nunca foram preparados para cá.
É muito mais fácil usar e implementar um modelo europeu preparado pelo CEN sem alterações do que preparar o tal anexo nacional que ajustasse as necessidades à realidade portuguesa. Talvez na próxima transposição da Diretiva EPBD (Diretiva do Desempenho Energético dos Edifícios) de 2024 seja possível melhorar este aspeto crítico da regulamentação nacional, mas… duvido que isso aconteça. Primeiro, porque será quase impossível preparar um anexo nacional para a norma CEN no curto prazo agora disponível para a transposição. E, depois, porque uma redução das estimativas de poupanças resultante das medidas de renovação iria complicar (ainda mais) a viabilidade de muitas delas nos Certificados Energéticos e reduzir o montante total das poupanças potenciais que Portugal poderia contabilizar, com consequências importantes sobre as políticas internas e europeias que tendem sempre a aumentar os potenciais de poupança para dar melhor imagem da situação. Desde que as auditorias energéticas se tornaram populares na década de 1970 que se verifica este tipo de situação: o auditor a propôr uma medida que diz ir poupar mil, e o cliente a responder, “mas como, se eu só gasto trezentos!!!?”.
Neste contexto, não posso deixar de comentar a nova iniciativa da criação da “Rede de Espaços Energia”, lançada a 29 de janeiro de 2025 sob a coordenação da ADENE, cujo declarado objetivo é “reforçar o compromisso com eficiência e literacia energética”. Estes “Espaços Energia” funcionarão junto de municípios, freguesias, agências de energia e outras entidades locais. E isto não pode deixar de me preocupar um pouco. Não pela iniciativa, que me parece ótima, ou, pelo menos, com potencial de vir a ser útil, apesar de já ter visto uma moda antiga, mas grandemente falida, com umas quantas exceções que funcionam bem, da rede de Agências Locais de Energia. Qual será a diferença entre estas antigas agências falhadas e esta nova rede de Espaços Energia? Será um reinventar da roda? Será que vamos ter uma roda mais redonda e bem oleada que funcione mesmo melhor? Por exemplo, onde vai a rede encontrar peritos bem formados nas temáticas da energia nos edifícios que sejam capazes de dar bons conselhos, realistas, a quem os vai consultar? Ou vão-se limitar a fazer o mesmo que os Peritos nos Certificados Energéticos, propondo tudo e mais alguma coisa, a maioria das quais sem viabilidade económica ou apresentando um leque de possibilidades e o interessado que decida?
Num recente evento público, um responsável da ADENE disse que estavam a pensar que todos os proprietários de habitações com Certificados Energéticos com classe C ou pior seriam convidados para uma reunião num Espaço Energia. Ora, se o ponto de partida forem as recomendações produzidas nos Certificados Energéticos, e as entrevistas forem para convencer os proprietários das habitações a implementarem essas medidas, fico então verdadeiramente preocupado. Vamos estar de novo a enganar os consumidores, como já aconteceu na primeira campanha de colocação de painéis fotovoltaicos em qualquer casa, em regime de autoprodução, quando muitos não tinham consumos significativos durante as horas de produção de energia solar por coincidirem com as horas laborais em que os ocupantes estavam fora de casa? Lá havia um frigorífico “on-off” e os pequenos consumos parasitas de muitos equipamentos a alimentar, mas pouco mais.
Agora, as campanhas já focam mais os sistemas com baterias de armazenamento, mas o preço já não é tão atrativo, o que, claro, torna a venda mais difícil. Haverá o cuidado de fazer adequar as recomendações de melhoria ao padrão de utilização real dos ocupantes, o que fará com que as poupanças sejam frequentemente muito menores que as indicadas nos Certificados Energéticos e, portanto, com muito menor atratividade para os ocupantes. Será politicamente correto um colaborador de um “Espaço Energia” dizer ao dono do certificado que esqueça o CE e que não há nada que possa fazer com rentabilidade económica, que continue tal qual está num cenário “business as usual”, a menos que queira fazer qualquer coisa apenas para ficar melhor com a sua consciência, de não estar a contribuir tanto para as alterações climáticas? É que, na habitação multifamiliar, o grande potencial reside numa intervenção global em todo o edifício, e nunca numa fração isolada. Esse devia ser, repito mais uma vez, o grande objetivo de reabilitação do edificado nas cidades. Enquanto continuarmos a olhar apenas fração a fração, não vejo como vamos conseguir reduzir o impacte ambiental da climatização nos edifícios multifamiliares.
“Será que os técnicos que vão trabalhar nos Espaços Energia terão todos formação adequada? Haverá assim tantos especialistas escondidos no país, bem treinados, para popular estes centros? Se os “Espaços Energia” se destinarem a ajudar mesmo os consumidores e não forem sobretudo mecanismos para encorajar investimentos sem retorno, redundantes na base do que consta nos Certificados Energéticos, se os peritos em energia na habitação forem mesmo competentes, muitos dos contactos nessa rede vão resultar numa conclusão de “vá para casa e não faça nada”.
Os Peritos que produzem os Certificados Energéticos, a quem é oferecida extensa formação (opcional), incluindo sobre as medidas de melhoria, estão, na sua grande maioria, mas nem todos, conscientes da realidade e da qualidade do que colocam como recomendações nos Certificados Energéticos. Sabem mesmo que, em muitos casos, o que propõem não vai produzir as poupanças que os modelos indicam, e que os períodos de recuperação dos investimentos que indicam são tão pouco atrativos que um consumidor bem informado os vai ignorar. Mas não deixam de as colocar, pelo menos uma, pois, dizem, estão convencidos de que um Certificado Energético sem quaisquer medidas de melhoria, sobretudo nas classes energéticas mais baixas, é um convite para uma inspeção/auditoria da ADENE. Por isso, mesmo que não identifiquem grandes hipóteses de melhoria, ou que o que identificam não seja realizável ou não tenha viabilidade económica, colocam sempre pelo menos uma qualquer medida de melhoria, nem que seja absurda, para escaparem a esse “castigo”, sempre penalizador em termos de tempo para quem usa esse tempo, obviamente, para faturar serviços.
Será que os técnicos que vão trabalhar nos Espaços Energia terão todos formação adequada? Haverá assim tantos especialistas escondidos no país, bem treinados, para popular estes centros? Se os “Espaços Energia” se destinarem a ajudar mesmo os consumidores e não forem sobretudo mecanismos para encorajar investimentos sem retorno, redundantes na base do que consta nos Certificados Energéticos, se os peritos em energia na habitação forem mesmo competentes, muitos dos contactos nessa rede vão resultar numa conclusão de “vá para casa e não faça nada”.
Talvez com esquemas de apoio mais atrativos e mais bem implementados, sem tanta burocracia, que não demorem tanto tempo a dar resposta e que não obriguem a avançar com o investimento antes da candidatura, correndo o risco (talvez…) a um reembolso passados uns largos meses. Talvez sem que os pedidos sejam invalidados, por mero detalhe formal a quem se esqueceu de algum pequeno detalhe na candidatura, insignificante e sem impacto real e apenas porque o regulamento foi feito por alguém que nunca teve a capacidade de antever todas as situações. Um regulamento que tem de ser seguido à letra sob pena de fortes penalizações para quem se enganar ou se esquecer de alguma exigência.
Talvez assim, esses espaços possam vir a ter algo mais concreto para oferecer. Talvez possam mesmo ser úteis ao ajudarem, eles próprios, a elaborar a candidatura, verificando todos os detalhes com uma boa “check-list”, sem obrigarem a contratar empresas intermediárias cujo lucro vai reduzir ou mesmo anular as poucas potenciais vantagens que os apoios até agora ofereciam. Esperemos que esta rede de Espaços Energia venha a ser realmente útil e tenha colaboradores que sejam amigos dos consumidores. Mas, para tal, também precisam de poder oferecer algo de útil e melhor do que as ajudas que agora estão disponíveis.
Concluindo, então, pede-se mais atenção às medidas de melhoria recomendadas que vão aparecer num Certificado Energético ou como resultado de uma interação de um consumidor num Espaço Energia. Em particular, para uma única fração num edifício multifamiliar, as recomendações não devem deixar de observar os seguintes princípios:
- Primeiro, que sejam possíveis de instalar na fração (por exemplo, por favor, não recomendem painéis solares num piso intermédio sem local para os colocar!);
- Segundo, que não sejam apenas possíveis com intervenção em todo o edifício, via condomínio, a menos que tal seja claramente anotado na recomendação;
- Terceiro, que os custos de investimento sejam bem estimados (por exemplo, instalar uma bomba de calor para AQS pode obrigar a renovar a cozinha… não pode ser simplesmente o custo do equipamento);
- Quarto, que tenham viabilidade económica, partindo de valores de poupanças realistas que correspondam ao tipo de ocupação típica nacional, ou, então, com uma nota bem visível e em evidência (não em letra pequenina como nos longos contratos de variados serviços…) que foram calculadas na base de climatização 24/7 durante todo o ano;
- E, finalmente, que, se o Perito não identificar nada de realista e economicamente viável, o PQ não seja penalizado pela ADENE pela falta de uma recomendação – admita-se que, muitas vezes, não há mesmo nada a recomendar com o atual contexto legal do regime de condomínios, com os (elevados) custos de investimento dos novos equipamentos e com os atuais preços da energia (eletricidade, gás natural, propano ou outro). O que a ADENE devia mesmo de todo evitar eram recomendações absurdas ou com períodos de retorno de muitas dezenas de anos.
Sem observância deste mínimo de princípios, as recomendações nos Certificados Energéticos só podem levar a uma falta de credibilidade de todo o SCE (Sistema de Certificação Energética).
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