Artigo publicado originalmente na edição de Novembro/Dezembro de 2024 da Edifícios e Energia
A EPBD foi e continua a ser um instrumento poderoso para melhorar a eficiência energética dos edifícios na Europa. Desde 2002, ano em que foi publicada pela primeira vez, impôs uma filosofia comum para todos os Estados-Membros (EM) da União Europeia (UE), alguns dos quais nem sequer tinham ainda qualquer requisito mínimo de eficiência térmica e energética para os seus edifícios. Por outro lado, alguns EM, bastante poucos, sobretudo os de clima mais frio durante o inverno, até já tinham regulamentação energética bem exigente.
A EPBD DE 2002 FOI UM MARCO.
Não só exigiu que todos os EM estabelecessem requisitos mínimos de eficiência para os edifícios novos e as grandes renovações, mas introduziu também a obrigação da criação dos certificados energéticos, obrigatórios para edifícios novos e sempre que houvesse uma operação de venda, locação, ou equivalente, de um edifício ou de uma fração autónoma, bem como a sua afixação em edifícios públicos de alguma dimensão, e a organização de um sistema de inspeções periódicas às caldeiras. Com maior ou menor grau de sucesso, dependente da medida (por exemplo, as inspeções não se conseguiram impor no grau pretendido, demasiado ambicioso), esta EPBD tornou-se o motor para uma transformação real da qualidade térmica e/ou energética do setor dos edifícios na Europa.
Cada EM fez a transposição desta EPBD, com maior ou menor grau de entusiasmo, em muitos casos com algum atraso, após muita discussão e um enorme esforço a nível nacional. Os resultados foram díspares (por exemplo, não houve dois certificados energéticos iguais entre todos os EM, nem havia – nem há ainda – forma de comparar dois edifícios em dois EM distintos, pois cada um usou a sua própria metodologia e critérios de classificação), mas tiveram como enorme sucesso comum o simples facto de aparecerem os certificados energéticos e de todos os EM passarem a ter um regulamento energético para os edifícios. E, ainda, apareceu uma nova profissão, a do Perito Qualificado, os especialistas que passaram a poder emitir (e ainda emitem) os certificados energéticos, e que tinham o poder (teórico, às vezes…) de obrigar proprietários e projetistas a alterarem o que fosse anti-regulamentar nos casos previstos na Lei.
O sucesso da EPBD foi tão grande que gerou muito interesse (e alguma “inveja” positiva) noutros países fora da Europa, e foram mesmo implementadas iniciativas semelhantes, com os devidos ajustes noutras geografias, da América à Austrália.
Claro que, como qualquer primeira iniciativa numa dada temática, a EPBD de 2002 era algo limitada nos seus objetivos, por vezes tão vagos que permitiam interpretações e implementações muito diferentes, e, como já disse, algumas das suas disposições não tiveram o efeito desejado. Impunha-se a sua alteração, para aumentar a ambição nos aspetos mais importantes, corrigir os mecanismos que se demonstraram desadequados ou de difícil (ou mesmo impossível) implementação, e diminuir a gama de interpretação dada aos EM para certos aspetos mais críticos. E, assim, surgiu a segunda versão da EPBD em 2010.
A EPBD DE 2010 FOI UMA CONSOLIDAÇÃO.
Esta EPBD estabeleceu critérios mais objetivos, embora ainda sujeitos a grande amplitude de interpretações, para a fixação dos requisitos mínimos (apareceu o conceito do custo ótimo!), ajustou o funcionamento dos sistemas de certificação para ultrapassar os problemas pontuais que haviam sido identificados durante a implementação do regime original, alargou a consideração de fontes renováveis nos edifícios, promoveu o lançamento de uma série de normas europeias necessárias para metodologias de cálculo para implementação da EPBD a nível nacional, e, talvez o avanço mais significativo, introduziu o conceito de edifício de necessidades energéticas quase nulas (nZEB) e obrigou os EM a fixarem um calendário de transição (um “roadmap”), para que os novos edifícios fossem nZEB a partir de 2020.

Ou seja, a segunda EPBD diminuiu alguns graus de liberdade aos EM, obrigando-os a fixar requisitos mínimos baseados em critérios objetivos de custo ótimo (uma primeira aproximação, se bem que muito simplificada, à metodologia do custo de ciclo de vida!) e a evoluir esses requisitos, tendo em vista um parque edificado constituído por nZEB, e com todos os novos edifícios obrigados a serem nZEB no espaço de uma década. Claro que o grau de ambição de nZEB foi muito distinto na implementação pelos EM, com uns EM a estabelecerem obrigações correspondentes a verdadeiros nZEB, mas com outros em que os nZEB padeciam de um “Nearly-Zero” bastante distante do zero…
A EPBD não definiu de forma exata quão próximo de zero o “próximo” teria de o ser. Portugal não ficou, certamente, dentro do grupo dos EM mais ambiciosos na definição do que deveria ser um nZEB. A forma de incorporação de fontes renováveis nos nZEB foi também outro ponto em que a diversidade de implementação pelos EM variou imenso.
Esta segunda versão da EPBD, apesar das limitações apontadas, deu um passo em frente significativo, mudando a forma de pensar do mercado e dos legisladores, começando a apontar metas concretas imprescindíveis para descarbonizar o setor dos edifícios. A definição dos nZEB foi, sem dúvida, um marco importante, decisivo, neste caminho.
Na primeira década e meia de vida da EPBD (2002-2017), contudo, houve muito pouco progresso prático na melhoria real do comportamento energético dos edifícios. O setor é muito lento a reagir, pois, da ideia de construir um edifício até à sua entrada em funcionamento, decorre sempre um período de alguns anos. Portanto, o setor dos edifícios pouco melhorou nestes anos, sobretudo porque o número de edifícios novos (ou renovados profundamente) foi muito pequeno. O parque de edifícios é dominado pelos edifícios existentes, e, a esses, a EPBD passava maioritariamente ao lado. Obrigava a um certificado energético no momento de mudança de propriedade ou entrada de um novo locatário, acompanhado de recomendações (não obrigatórias) para melhorar o seu desempenho, e pouco mais. Portanto, em 2015, os edifícios europeus estavam quase tão longe da descarbonização como em 2002. Era a altura de capitalizar todos os esforços feitos até então e dar um passo significativo no sentido do aumento da eficiência energética dos edifícios e atacar os obstáculos principais que obstavam a melhoria do setor. Era preciso melhorar, de novo, a EPBD. Torná-la mais ambiciosa e com algumas metas mais concretas.
A EPBD DE 2018 FOI A DIRETIVA DA ACELERAÇÃO
E surge, então, a terceira versão da EPBD, em 2018. Foram introduzidas apenas alterações cirúrgicas na EPBD de 2010, mas de importância capital. A EPBD de 2018 foi a Diretiva da ACELERAÇÃO. Os EM obrigaram-se a estabelecer metodologias de cálculo que cumprissem o disposto na nova série de normas europeias (a série ISO 52000), mas, sobretudo, a melhorar o desempenho dos edifícios existentes. Os EM tiveram de definir uma estratégia de longo prazo para a reabilitação dos edifícios existentes (em Portugal, a ELPRE) e de aumentar e afinar os apoios fiscais e financeiros para que houvesse apoios eficazes e atrativos que levassem os proprietários dos edifícios existentes a, voluntariamente, promoverem a renovação energética dos seus edifícios (para além das renovações profundas, essas, as grandes renovações, já obrigadas a cumprirem os objetivos definidos para os edifícios novos desde a primeira versão da EPBD de 2002). Pela primeira vez, foi quantificada, em diretiva, a ambição europeia para o setor: reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes do setor dos edifícios em 2050 para um valor entre 85 % e 90 % das emissões do setor em 1990.
Na sequência desta revisão da EPBD, Portugal refez completamente o método de cálculo, incluindo simulações detalhadas de base horária para os edifícios mais complexos, com impactos importantes nas atividades dos Peritos Qualificados e nas classes energéticas dos edifícios. E produziu a ELPRE (Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios), com o seu declarado objetivo de reabilitar 100 % dos edifícios existentes e com um custo associado (pré-pandemia…) de 143 mil milhões de euros, cuja base de cálculo não se percebia bem. A enormidade desta estimativa, correspondente a 5 mil milhões de euros por ano durante 30 anos, pareceu não assustar o nosso Governo, mas, mesmo com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Fundo Ambiental que foram disponibilizadas por esses programas (cerca de mil milhões de euros por ano durante a vida do PRR), isto significa que o Estado só pensa investir cerca de 20 %, ou menos, das verbas necessárias. O grosso do investimento teria de ser dos privados. Entretanto, a inflação que nos afetou certamente que levará a um aumento significativo deste custo. Mas haverá grande diferença entre 5 ou 6 mil milhões de euros por ano? Em termos absolutos, claro que sim, mas, na prática, sendo ambos aparentemente inatingíveis, a diferença é quase nula se o critério for responder à questão “é possível ou impossível atingir este objetivo?” e a resposta for “é impossível”. O resultado concreto é que, não só em Portugal, mas por toda a Europa, as metas estabelecidas para a renovação do edificado ficaram muito aquém do previsto.
É então neste contexto que surge a nova EPBD de 2024. Muitos EM, tal como Portugal, fizeram as contas ao custo de reabilitar, do ponto de vista energético, todo o seu parque de edifícios existentes. E muitos concluíram que a população nunca conseguiria financiar este enorme esforço, mesmo que houvesse financiamento disponível (o financiamento bancário tem de ser pago… e a população não tem, na sua maioria, meios ou desejos para assumir mais este custo adicional num contexto muito desafiante como o atual).
O QUE É A EPBD DE 2024?
Bom, a proposta da Comissão Europeia, apresentada em 2020, pretendia ser uma Diretiva de DESCARBONIZAÇÃO ou de Intervenção Obrigatória nos Edifícios Existentes. Em linha com o programa Fit for 55, que pretendia reduzir as emissões de gases com efeito de estufa da UE em 55 % até 2030, previa a obrigatoriedade de renovação de todos os edifícios de classe G para classe F até 2030 e todos os F para classe E até 2033. As classes energéticas seriam, e deverão vir a ser, harmonizadas em toda a UE, com a classe G correspondente aos piores 15 % dos edifícios existentes em cada EM, e intervalos equivalentes definidos para cada uma das outras classes. A classe A – a única admissível para novos edifícios e grandes renovações – corresponderia exclusivamente a edifícios ZEB (Zero Energy Buildings), ou seja, um nZEB já nem seria sequer classe A, como acontece hoje em Portugal (os novos edifícios a construir em Portugal devem ser, hoje, “apenas” classe A ou melhor – ainda temos a classe A+).
Perante este tipo de exigência, uma maioria muito significativa dos EM recusou a proposta da Comissão Europeia e defendeu uma DESACELERAÇÃO. A obrigação de renovação estava a tornar-se um pesadelo para uma grande maioria dos cidadãos da Europa. E, portanto, como o Parlamento Europeu pretendia ainda mais do que os 15 % propostos pela Comissão, os EM aceitaram uma diretiva de compromisso que promete reduzir os consumos de energia primária em (adivinhemos!)… 16 % até 2030 (16 % é mais que 15 %, claro) e entre 20 % e 22 % até 2035. Mas a grande diferença é que esta meta não obriga à reabilitação dos 15 % piores edifícios de cada EM. A redução pode ser conseguida no conjunto global do parque de edifícios nacional. Acaba o pesadelo de um cidadão que não tem meios, ou não está disposto a custear uma intervenção obrigatória no seu edifício pouco eficiente. Tudo se mantém voluntário e cabe aos EM promover a eficiência energética, oferecendo incentivos que tornem essas intervenções interessantes. Esses incentivos podem ser também transformados em aumento de custos, ou taxas, como a taxa de carbono, que tornem as tecnologias verdes mais interessantes do que a manutenção de consumos de energias de origem fóssil. Podemos também classificar esta diretiva, do ponto de vista dos EM, como uma Diretiva de COMPASSO DE ESPERA, imposto pela necessidade de enfrentar a realidade das circunstâncias atuais e da economia real (um Reality Check!).
Assim, para quem apoia medidas fortes de combate às alterações climáticas, por exemplo, movimentos ambientalistas, esta é a Diretiva do DESAPONTAMENTO. Esta versão da EPBD exige uma redução das necessidades de energia primária de 20 % até 2035 (em 10 anos), e deixa os restantes 70 – 80 % de redução para serem conseguidos nos últimos 15 anos até 2050. Será credível? Será que haverá condições para que os EM aprovem um tal objetivo e uma aceleração drástica da velocidade de reabilitação do parque de edifícios existentes daqui a uma década? Teremos de aguardar até ao início da década de 2030 para vermos qual será o próximo passo neste caminho europeu para a descarbonização do setor dos edifícios.
Portanto, a minha conclusão é que esta quarta versão da EPBD de 2024 é uma Diretiva de TRANSIÇÃO. Não será certamente com esta EPBD que vamos atingir a descarbonização total do setor dos edifícios até 2050. Para tal, precisamos de algo muito mais ambicioso e desafiante. Mas há que reconhecer que esta EPBD é realista, que dificilmente se poderia ter ido mais longe no contexto atual, pois o esforço financeiro necessário para atingir tal objetivo é tão grande que parece muito improvável, para não dizer impossível, ou utópico, que venha a ser uma realidade. Talvez seja necessário prever um prazo mais dilatado para conseguir este grande e importante objetivo. Análises recentes da Agência Internacional de Energia apontam, agora, para a necessidade de investir quase 1 trilião de euros (um milhão de biliões de euros) por ano, até 2050, para conseguir descarbonizar o setor dos edifícios a nível mundial. Esta verba corresponde a cerca de 0,65 % do PIB global. Admitindo que a distribuição seria uniforme em todos os países, seria este o investimento que cada país, nomeadamente Portugal, teria de prever anualmente daqui até 2050 só para descarbonizar o setor dos edifícios. Veremos o que nos dirá a próxima versão da ELPRE, que Portugal está obrigado a preparar até finais de 2025, de acordo com esta EPBD de 2024. E esperemos que a nova ELPRE de 2025 venha a ser mais credível e mais transparente na justificação dos custos e das metas adotadas.
E cá ficaremos, então, à espera de uma verdadeira Diretiva de Descarbonização na sua quinta versão, previsivelmente no início da década de 2030. Há que esperar. Mas não devemos esperar sentados, há muito trabalho a fazer daqui até lá para que o objetivo de descarbonizar o setor dos edifícios se possa tornar uma realidade. E há que começar por garantir que se conseguem mesmo atingir as metas desta EPBD de 2024, pois reduzir as necessidades de energia primária no setor dos edifícios em 16 % até 2030, e, depois, pelo menos 20 % até 2035, só por si, podem não ser metas assim tão fáceis de atingir, mesmo que se compreenda que, com esta EPBD de 2024, estamos perante um compasso de espera e uma desaceleração ditados pela realidade económica dos Estados e de cada cidadão europeu. Mais vale avançar devagar e bem do que avançar depressa demais e falhar completamente as metas, o que resultaria num desapontamento enorme e poderia comprometer a vontade dos EM de avançar decisivamente para a meta final.
Independentemente de tudo o que foi dito, esta nova EPBD é bem-vinda. Parece realista no contexto técnico-económico atual, continua a dar passos, mesmo que mais pequenos do que o proposto pela Comissão Europeia, na direção do grande objetivo da descarbonização total do setor dos edifícios. E, mesmo que parecendo avançar mais devagar do que muitos desejariam, a nova EPBD de 2024 não deixa de colocar desafios importantes para esta próxima década.
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