Quase um ano decorrido sobre a revogação quase completa de toda a legislação do SCE, eis que mais uma nova diretiva vem a caminho. A construção em Portugal tem, felizmente, continuado a bom ritmo e só tem abrandado por elevada burocracia e demoras injustificáveis nos processos de autorização urbanística, falta de mão-de-obra especializada e por ação dos elevados aumentos dos preços dos produtos necessários e das logísticas de transporte.
Do ponto de vista dos Peritos Qualificados (PQ), temos conseguido, de forma mais ou menos trabalhosa e engenhosa, levar a cabo a função que nos foi designada pelo Sistema de construir os edifícios muito eficientes energeticamente e com boas condições de conforto, aos quais a legislação portuguesa chama nZEB (edifícios de energia quase nula).
Recentemente, foi revelado um estudo da Associação Europeia de Aquecimento, envolvendo 3 000 consumidores europeus que haviam recém-adquirido um novo sistema de aquecimento no qual se concluiu que mais de 70 % dos inquiridos adquiriram o mesmo tipo de tecnologia que já possuíam, 43 % acreditam que as características das suas casas não lhes permitem ter um sistema diferente, 28 % não conhecem outras tecnologias e 25 % não tiveram tempo ou disponibilidade para procurar mais informação.
Os PQ do SCE podem, e devem, ser parceiros importantes neste apoio à população desde que motivados e promovidos na sociedade pelos organismos públicos. O SCE precisa de um Simplex, de modo a ser valorizado quer pela população em geral, quer pelos técnicos do setor.
Entretanto, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o novo Governo vai lançando tímidas medidas de apoio à eficiência energética, à redução dos consumos e à melhoria das condições de conforto das habitações através do Fundo Ambiental. Para além da continuidade dos programas anteriores Edifícios Mais Sustentáveis, para a classe média, e Vale Eficiência, para apoio aos consumidores domésticos beneficiários de tarifa social de energia elétrica, foi também publicado o aviso para o Apoio à Renovação e Aumento do Desempenho Energético dos Edifícios de Serviços.
Este apoio terá de ser requisitado pelo titular do direito de propriedade, abrangendo-se ainda, neste conceito, o titular de outro direito de gozo sobre um edifício desde que este detenha o controlo dos sistemas de climatização e respetivos consumos e seja o credor contratual do fornecimento de energia. O aviso promete uma doação a fundo perdido de 70 % do investimento até ao máximo de 200 mil euros, com a obrigatoriedade de redução de, pelo menos, 30 % no consumo de energia primária para os grandes edifícios de serviços, o que, no caso, não costuma ser fácil de atingir sem elevados investimentos em diversos sistemas técnicos. Recorde-se que um edifício de comércio e serviços com mais de 1 000 m² de área útil de pavimento é considerado um grande edifício de serviços e que, para ser considerado muito eficiente e nZEB, só precisa de ter a etiqueta “B”, o que significa uma redução de apenas 25 % de consumo de energia primária relativamente a um edifício de referência regulamentar. Relativamente aos edifícios com menos de 1 000 m², as exigências reduzem para 15 %.
A candidatura acabou em 31 de maio (prazo prorrogável até esgotar a verba prevista de 20 milhões de euros) e tinha de ser suportada por uma auditoria energética inicial com a emissão de um certificado energético por PQ inscrito na ADENE, incidindo nas medidas de melhoria possíveis a suportar as intervenções nas diversas tipologias, entre as quais:
• Substituição de vãos envidraçados;
• Substituição dos sistemas técnicos de AVAC e AQS por sistemas centralizados com gestão técnica (entenda-se por sistemas centralizados os sistemas de climatização em que, pelo menos, um dos equipamentos de produção térmica se encontra numa instalação e num local distinto das frações a climatizar sendo o frio, o calor ou a humidade transportados por um fluido térmico);
• Substituição integral dos sistemas de iluminação por tecnologia LED;
• Instalação de painéis solares fotovoltaicos;
• Substituição dos gases fluorados nocivos da atmosfera, tais como o R22.
No final, é exigido outro certificado energético que valide a redução de, pelo menos, 30 % do consumo de energia primária. Considerando um edifício de cerca de 6 000 m² de área útil, a redução em cerca de 30 % da energia primaria poderá significar investimentos da ordem dos 1 200 milhões de euros, ficando o valor do apoio muito abaixo do investimento necessário, pelo que o aviso está a ser enganador para o público em geral. Esta é mais uma situação para os técnicos desmistificarem antes de serem contratados e verificarem que os valores necessários de investimento não correspondem à expetativa dos interessados.
Ainda no âmbito do PRR e através do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), foi lançado um novo programa de apoio a novas construções de habitação social, bem como à reabilitação de construção existente.
Para o cumprimento do requisito a aplicar na construção de novos edifícios habitacionais, a necessidade de energia primária tem de ser, pelo menos, 20 % mais eficiente do que a dos edifícios com necessidades quase nulas de energia – nZEB à luz da metodologia atual. Para o efeito, são necessárias algumas intervenções ao nível dos projetos de arquitetura e de desempenho energético dos edifícios, bem como a instalação obrigatória de aquecimento solar térmico para águas quentes.
Este requisito pressupõe elevadas espessuras de isolamento térmico nas coberturas, que pode ir até 300 mm, e também nas fachadas (até 120 mm), com o objetivo de baixar significativamente as necessidades de energia útil para a função aquecimento. Esta obrigatoriedade do programa vai obrigar a que, no futuro, tendo em conta a atual metodologia de cálculo, todos os edifícios de habitação social tenham classificação “A+” – condição que, até 1 de julho de 2021, só cerca de 2,6 % dos cerca de 1,6 milhões de edifícios certificados possuíam.
Estas habitações de construção económica e integração social passam a ser construídas com requisitos de conforto térmico e eficiência energética mais elevados do que as construções normais privadas a serem construídas atualmente. Esta classificação para habitação social nova deriva dos critérios de Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e da atual metodologia de cálculo, pois, conforme o Manual do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, aprovado pelo Despacho n.º 6476-H-2021, de 1 de julho, em que está previsto que os edifícios que se situam na região climática I1 (clima mais ameno no inverno, casos da região centro e sul) possam gozar da faculdade de considerar as necessidades de aquecimento nulas, quando estes verificarem cumulativamente as seguintes condições:
• Relação NIC/NI inferior ou igual a 60 %;
• Fator solar máximo (gT max) inferior ou igual a 0,15.
Entretanto, relativamente aos edifícios existentes de cariz social, o programa apenas exige uma melhoria de 10 % no consumo de energia primária relativamente à classificação energética existente antes da intervenção urbanística, o que se consegue, de forma mais ou menos sustentável, com isolamento térmico das envolventes e substituição das janelas por vidros duplos com caixilharias equipadas com corte térmico.
Posto isto, voltemos à nossa vidinha: o país atravessa um desafio enorme com inflação alta, elevados preços da energia, falta de técnicos habilitados para fazer face ao desenvolvimento e crescimento económico. Os nossos jovens com formação superior fogem para o exterior à procura de novas oportunidades e de melhores condições de vida. O mesmo acontece com os técnicos habilitados e capazes.
Os nossos governantes devem ter isto em mente quando legislam e as nossas universidades de engenharia e de arquitetura deveriam ter uma atitude mais colaborativa e mais responsável para com as necessidades do mercado do imobiliário. Deixemos de fora, e de propósito, a questão dos impostos que o Governo nunca liberta, apesar de apregoar querer limitar os preços de custo da habitação e o valor das rendas.
Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2022 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.