Artigo publicado originalmente na edição de Setembro/Outubro de 2021 da Edifícios e Energia

O novo processo legislativo foi atribulado. A ausência de contribuições, a opacidade, as novas regras e a contínua dificuldade em operacionalizar o Sistema de Certificação Energética (SCE) são alguns dos problemas identificados pelos agentes do mercado. “Os certificados foram reduzidos à classificação” energética. Conheça o que está em causa.

Os novos diplomas que complementam e encerram o pacote legislativo referente à transposição da Directiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) estão finalmente em vigor desde 1 de Julho passado. Uma lei (DL n.º 101-D/2020) publicada em Dezembro que veio com mais de um ano de atraso e que trouxe algumas novidades com os novos requisitos aplicáveis à concepção e renovação de edifícios. Existem novas regras para os edifícios de habitação, e, para os edifícios de serviços, a nova classe mandatória é a B. A esta juntam-se outras obrigações, como as inspecções periódicas aos sistemas técnicos de aquecimento, arrefecimento ou ventilação, o regresso da Qualidade do Ar Interior (QAI) por via de uma “avaliação simplificada anual”, ou a alteração do layout dos certificados energéticos (CE) e de toda a metodologia de instalação e manutenção através de novos indicadores energéticos. Neste novo SCE, são ainda definidos os requisitos para as infraestruturas referentes à electromobilidade e os critérios para a utilização de energia renovável e de energia fóssil para os edifícios de serviços. Em linha com a directiva europeia anterior, os edifícios novos passam ainda, obrigatoriamente, a edifícios com necessidades quase nulas de energia, sujeitos a requisitos que permitam alcançar níveis de desempenho energético elevados e níveis óptimos de rentabilidade. Na mesma linha, os sistemas de automatização e controlo são exigidos nos edifícios de comércio e serviços com maiores necessidades de energia.

Muita coisa foi feita, mas este processo não foi pacífico. O contexto de pandemia acelerou alguns aspectos e, em cima da mesa, continuam outras preocupações que importa recordar. A QAI voltou em tempos de pandemia, mas a dúvida está na forma de a assegurar através da simplificação dos procedimentos e da aplicação por parte de técnicos sem competências de engenharia em matéria de sistemas e equipamentos; o TRF como garante da qualidade das instalações não é recuperado, pelo contrário, foi criada mais dispersão com actos próprios para TGE e TIS (competências a adquirir com exames a efectuar pela ADENE – Agência para a Energia, excepto para PQ II, no caso dos TGE); a complexidade da panóplia legislativa; a falta de fiscalização; o excesso de zelo ou a desproporção do impacto da fiscalização na actividade dos peritos qualificados (PQ) são também alguns dos aspectos que merecem atenção.

Neste contexto, o sector aguardou sete meses pelas respectivas metodologias, porque a lei teria de entrar em vigor a 1 de Julho. Catorze dias foi o prazo dado pelo Executivo para a consulta dos novos documentos complementares ao SCE. Portarias, despachos e o Manual SCE – 12 diplomas no total, com perto de 300 páginas. Depois, sobraram nove dias para os responsáveis analisarem os contributos, levarem-nos a discussão, integrarem (se fosse o caso) as alterações no conteúdo regulamentar e procederem a todas as mudanças necessárias. Uma dupla impossibilidade pela complexidade e trabalho que seriam necessários. Em resumo, e pelo que conseguimos apurar, as associações não conseguiram responder como queriam e tudo indica que a análise não foi feita.

É neste ambiente que os diplomas foram publicados. Depois de uma “total opacidade e falta de transparência na redacção das peças legislativas, marcadas pela ausência de colaboração e contributos dos stakeholders, os prazos apresentados pelo Governo português para a consulta pública dos diplomas comprometeram os objectivos de promoção do combate à pobreza energética, de aumento da eficiência energética”, denunciam a Ordem dos Engenheiros e a EFRIARC. Um grito de indignação transversal a todo o sector, que considera este processo o cumprimento de um proforma conduzido e marcado por um desinteresse total por parte do Executivo.

E, agora, publicados os diplomas, temos parte dos problemas resolvida? Existe finalmente um quadro regulamentar satisfatório e estamos em condições de recuperar a qualidade nos processos rumo à eficiência energética, conforto térmico, boa qualidade do ambiente interior e da sustentabilidade? A partir de 2050, a sociedade será carbono próximo do zero, sendo que, agora, os edifícios são responsáveis por cerca de 40 % das emissões. Será que finalmente estamos a levar tudo isto a sério?

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“O que apenas parece interessar é ‘apanhar’ o perito que cometeu alguns erros e, depois, expô-lo na praça pública, ferindo a sua dignidade. Mas o que mais me espanta é que perante esta situação, que já vem de trás, as Ordens Profissionais permaneçam em silêncio.”
E. Peixeiro Ramos

Recuperar a qualidade

Eduardo Maldonado, antigo responsável pela transposição das primeiras directivas para o sector, anterior membro da Subcomissão dos Regulamentos para a eficiência energética dos Edifícios (R3E) e coordenador da equipa que implementou o SCE entre 2006 e 2012, ficou satisfeito pelo trabalho de 2006 estar agora vertido no novo SCE. “Está tudo no regulamento. Não notei nenhuma mudança de filosofia. Aquilo que criámos há mais de uma década está lá. Estão lá todos os princípios, quer da parte da eficiência energética, quer da QAI, inspecções, manutenção… Fiquei positivamente surpreendido”.

Em concreto, este especialista, que foi presidente da Agência Nacional de Inovação até há alguns meses, destaca como a estrutura e todos os requisitos essenciais com outro formato integram agora os documentos. É, no entanto, com algum desapontamento que reconhece a navegação à vista com que foram conduzidos estes trabalhos. “Sim, há uma espécie de orfandade” desde o momento em que desapareceram as estruturas de acompanhamento e os grupos de trabalho, que, em tempos, lideraram o caminho tanto ao nível da concepção como de implementação do SCE. “A falta de diálogo é uma característica das instituições públicas. Basta ver que os documentos aparecem com prazos irreais para as entidades darem a sua opinião. Eu tive imenso tempo à volta dos documentos. Depois, é preciso pensar e escrever. E normalmente essas opiniões não são tidas em conta, são uma mera formalidade”. Eduardo Maldonado defende que devia existir uma comissão de trabalho à semelhança do passado, mas com menos pessoas, menos alargada. “Era bom para todos. Permitia aos PQ, aos projectistas e a todos os que têm de aplicar a regulamentação dar a sua opinião. O diálogo só pode promover a melhoria gradual dos processos. Aliás, é essa a metodologia seguida nos países onde este sistema funciona de uma forma melhor do que cá”, aponta.

Mas, para este especialista, existem ainda outras questões essenciais que o novo SCE não resolve: “a falta de ambição e o problema da implementação no terreno, que tantas dores de cabeça tem dado na última década. Para um parque habitacional que se quer em 2050 com edifícios carbono zero, ‘só’ pode ficar ‘desapontado’. Estamos, neste momento, com um regulamento focado nos edifícios novos e nas remodelações. Os edifícios novos que agora arrancam, se calhar, não vão ser renovados até 2050, e estamos a falar de 20 anos”. Para Eduardo Maldonado, estes edifícios, com os requisitos que hoje são exigidos no regulamento, “estão muito longe daquilo que devia ser a estratégia do país”. Trata-se de uma “falta de ambição tremenda. Deveríamos estar, neste momento, a construir edifícios que, apenas com uma pequena intervenção no futuro, pudessem passar a edifícios de carbono zero. Fico chocado quando vejo que os requisitos mínimos nos Açores permitem construir sem qualquer isolamento térmico”, lamenta.

A operacionalidade do sistema

Depois, temos a questão da operacionalização de tudo isto, nomeadamente pela dificuldade na verificação da qualidade dos CE, da qualidade dos planos de eficiência energética para os grandes edifícios de serviços, etc. “Não há vontade nenhuma em resolver estas questões e existem penalizações para os proprietários ou responsáveis pela instalação. A verificação da qualidade dos CE está feita de uma forma tão burocrática que, só de ver a checklist, assustei-me. Estes regulamentos estão a ser aplicados de uma forma cega às pessoas que vão ter de o seguir… Vai ser complicado”, antevê Eduardo Maldonado. Há anos que esta questão dos PQ é apontada como uma das principais falhas da implementação do sistema: “Estamos a forcar-nos nos detalhes pouco importantes em vez de nos forcarmos no essencial”. Para este professor catedrático, não faz sentido corrermos atrás de “pequenos erros de cálculo ou medição de um pé direito”, que em nada influenciam o resultado final da classe energética, e criar um clima de “humilhação quando são pedidas justificações detalhadas. Podíamos fazer as verificações de uma forma só ‘um’ pouco mais digna”, uma vez que, provavelmente, “temos PQ muito mais competentes tecnicamente do que os técnicos que fazem as inspecções, que também são competentes”. É ainda preciso ver o “preço dos certificados, que não é compatível com o detalhe que é exigido na qualidade do mesmo”. É por estas e outras falhas que Eduardo Maldonado considera que o que está em causa, e em primeiro lugar, é a operacionalidade do sistema. “A credibilidade dos certificados com este tipo de verificação não está garantida. Aquilo que vejo é que o certificado é uma folha de papel e era importante que fosse qualquer coisa de útil para ser efectivamente usado. Hoje, o certificado é meramente uma burocracia e as pessoas não olham para ele”, exclama.

Para Ernesto Peixeiro Ramos, também membro da referida Subcomissão dos regulamentos e da equipa que implementou o SCE entre 2006 e 2012, “apesar de hoje a letra da lei consagrar praticamente toda a filosofia que esteve na génese da regulamentação térmica dos edifícios, estamos muito longe dos objectivos então almejados, pois a certificação dos edifícios pouco mais é do que uma mera obrigação burocrática. Os certificados foram reduzidos à classificação, não interessa saber a constituição dos elementos construtivos, preferindo-se tabelas de factores agravados; as medidas de melhoria são potenciais, mas, na maior parte, irrealizáveis. Em resumo, os certificados nada dizem sobre a real utilização de energia. Para a entidade responsável pelo SCE, a qualidade é apenas a mera verificação da informação recebida no portal de acordo com um quadro com mais de uma centena e meia de parâmetros com desvios aceitáveis ou valores exactos, não tendo em conta qualquer ponderação: dislexias, casualidade, relação causa-efeito na classe. Ignora ainda que os sistemas de qualidade são uma estratégia para garantir a satisfação dos beneficiários dos serviços e, como tal, no que se refere à certificação, têm de estar incluídos as entidades supervisoras, as ferramentas, os peritos e os donos/utilizadores dos edifícios. O que apenas parece interessar é ‘apanhar’ o perito que cometeu alguns erros e, depois, expô-lo na praça pública, ferindo a sua dignidade. Mas o que mais me espanta é que, perante esta situação, que já vem de trás, as Ordens Profissionais permaneçam em silêncio. A certificação deveria operar uma transformação de cultura da utilização correcta da energia e, para isso, é necessário sensibilizar os utilizadores, pois só eles podem realmente poupar a sua utilização. É por isso que o papel do PQ é fundamental e tem de ser valorizado: o PQ deve ser a jóia da coroa da certificação”, conclui.

Seja como for, a opinião é consensual: o actual PQ está muito fragilizado e não tem condições para assegurar a fiscalização dos projectos de arquitectura e das especialidades requeridas pelos novos diplomas.

“A legislação de Julho de 2021 obriga a um projecto de licenciamento de um sistema de gestão técnica para todos os edifícios com potência nominal global superior a 100 kW. Esta exigência vem alterar radicalmente o cenário de aplicação destes projectos. A ADENE está a fazer sessões de esclarecimentos junto dos quadros técnicos das câmaras municipais, alertando, entre outros pontos, que este novo projecto de especialidade passou a ser obrigatório. Seguramente que o mercado do projecto se terá de adaptar e reagir a este novo cenário, obrigando a uma reorganização das equipas dos gabinetes de engenharia, incidindo também na revisão dos honorários.”

Francisco Pombas

Sector indignado

Pela primeira vez desde que o SCE foi lançado, em 2006, assistiu-se a uma indignação colectiva sobre a forma como foi conduzido todo o processo. A alegada falta de interesse da parte das entidades governativas sobre esta questão motivou várias contestações. À ausência de diálogo e de participação por parte dos stakeholders, junta-se o desconhecimento sobre quem integrava o processo. Ninguém sabia o que estava a ser feito e por quem estava a ser feito. O escândalo dos prazos duplamente impossíveis para responder à consulta pública e, depois, de poderem ser apreciados fez disparar uma série de sirenes que se reflectiram em comunicados das várias entidades profissionais ou tomadas de posição radicais. Depois de uma série de reivindicações e alterações propostas pela ANPQ, que a nossa revista tem divulgado ao longo do tempo, esta associação declarou que não ia participar na consulta pública sobre a nova legislação “por não acreditar nas boas vontades do SCE”.

No essencial, há vários aspectos que o mercado queria clarificar, embora o ponto de partida seja sempre o mesmo: o sistema não funciona nem está em linha com a qualidade que se pretende. Neste sentido, a Ordem dos Engenheiros – Comissão de Especialização em Engenharia de Climatização, em sede de consulta pública, fez saber que “a metodologia de aplicação do SCE deveria ser, tendencialmente, prescritiva com soluções de referência, no sentido de agilizar o processo de certificação e, até, de o credibilizar, em especial nos edifícios de habitação e pequenos edifícios de serviços, não invalidando que, para edifícios mais complexos de comércio e serviço ou para soluções que não se pretendam as de referência, requeiram estudos de sensibilidade e que justifiquem o seu cumprimento regulamentar. Tanto mais que, agora, se prevê a transição de responsabilidades de matérias de comportamento e caracterização térmica de soluções construtivas para os respectivos projectos, cujos autores não têm, necessariamente, formação específica”. Para esta entidade, a metodologia continua “complexa, com um grau de exigência em determinados parâmetros totalmente desproporcional ao impacto na avaliação energética pretendida, quase sem distinção entre edifícios de habitação e grandes edifícios de serviços. Por outro lado, temos uma metodologia, erroneamente, baseada numa referência não fixa que induz, muitas vezes, a tomadas de decisão, isto é, a opções de projecto que resultam, necessariamente, no aumento dos consumos de energia dos edifícios, só por vantajosas do ponto de vista da classe de certificação”.

A complexidade das peças legislativas é outra dificuldade sentida no terreno e com impactos directos em custos, porventura, desnecessários para o dono de obra e para o cidadão. Esta crítica é fundamentada pela quantidade de documentos que vão existindo e que configuram um dos quadros jurídicos mais complexos da União Europeia (UE). Neste aspecto, José Afonso, engenheiro projectista e ex-presidente da EFRIARC, denuncia “a necessidade do legislador de alterar tudo e mais alguma coisa sem razão de ser. Até as designações e terminologias mudam sempre que se mexe nos regulamentos. É uma confusão. A nossa legislação estava uma manta de retalhos, com decretos-lei e demais portarias, despachos, declarações de rectificação e alterações sobre alterações. Era até embaraçoso e confrangedor mostrar a um estrangeiro o estado a que se chegou. Esperemos que agora não se venha a passar o mesmo”. Além disso, “seria recomendável que a legislação tivesse saído com uma antecedência de meses, relativamente à sua entrada em vigor, para que quem a aplica na sua área profissional a pudesse estudar e interiorizar. Acresce ainda que deveria ter sido submetida atempadamente a discussão pública, para que se pudessem limar algumas arestas decorrentes de um eventual desfasamento do legislador face à realidade no terreno”. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra e, por isso, José Afonso destaca que o impacto não é apenas económico. “Há um problema de cumprimento de prazos em projectos contratados e que não poderiam estar a ser desenvolvidos de acordo com a legislação actualmente em vigor por não se ter a certeza sobre o que iria sair”.

Quanto ao conteúdo da legislação propriamente dita, para este engenheiro projectista, não há grandes alterações ao nível do projecto, nomeadamente com a introdução de uma avaliação simplificada (CO2, PM10 e PM2,5) anual à QAI, feita por um técnico de saúde ambiental. “A legislação é adequada em termos dos requisitos aplicáveis à concepção e renovação de edifícios, não tendo havido alterações significativas na concepção de instalações de AVAC”. No entanto, “é incompreensível que não haja espaço para os PQ-QAI na legislação actual, alguns dos quais continuaram a sua actividade e contribuíram para que tenha havido auditorias voluntárias nos últimos anos. A maioria dos problemas da QAI é resolvida com os sistemas de AVAC, nomeadamente na componente de renovação (por diluição) e filtragem do ar, e os PQ-QAI têm conhecimento dos equipamentos e das instalações. Aparecem agora os Técnicos de Saúde Ambiental como os aptos à realização de avaliações à QAI. Com todo o respeito que nos merecem, e ressalvando-se o seu conhecimento em saúde e ambiente, saberão eles a diferença entre um chiller e uma UTA? Quem irá propor medidas adequadas à resolução dos problemas da QAI, tendo em conta os sistemas de AVAC específicos de cada edifício? Qual é o sentido de não se aproveitarem os Peritos-QAI?”. Esta é uma luta que a ANPQ vem vindo a travar desde 2013, altura em que terminaram as auditorias periódicas à QAI e foi afastada uma classe profissional criada anos antes para dar resposta ao SCE.

Quanto a esta decisão do regulador, a Ordem dos Engenheiros não hesitou em marcar uma posição: “Os Técnicos do SCE, especificamente os PQ, são engenheiros ou arquitectos com o grau de sénior (mínimo de cinco anos de experiência) outros são especialistas (mínimo de dez anos de experiência especializada), reconhecidos pelas respectivas Ordens Profissionais, pelo que, a menos de prova contrária por más práticas reportadas à respectiva Ordem Profissional e após processo disciplinar onde se venha a demonstrar dolo ou negligência na sua actuação, estão na efectividade dos seus direitos como engenheiros ou arquitectos e são responsáveis pelos respectivos actos, pelo que não se entende que uma qualquer outra entidade (que não as Ordens Profissionais ou um tribunal) possa impedir o acesso à profissão de PQ. Entendemos estar colocado em causa o direito de cidadania, nomeadamente, o direito de acesso à profissão e à presunção de inocência”.

Serafin Graña e Isabel Sarmento, da Especialização em Engenharia de Climatização, são muito críticos em relação a outros aspectos. Lê-se ainda no documento que “os critérios de aferição da qualidade no âmbito do SCE não têm par, por via legal e/ou regulamentar, em qualquer outro acto de engenharia (senão em qualquer outra actividade técnica ou científica), sendo desproporcional ao risco que advém de uma, eventual, má prática, pelo que se entende que os mesmos sejam revistos com a razoabilidade que se exige, tendo em conta o adequado equilíbrio entre os potenciais ‘desvios’ e o impacto negativo que daí advém, que, como demonstrado, é ténue e bem inferior aos erros assumidamente verificados em ferramentas de simulação energética”.

“Nos edifícios de serviços, a espessura do isolamento de condutas em espaços não úteis (que, na legislação de 2013, eram designados por espaços complementares, mas que, na de 2006, se chamavam espaços não úteis), depende do valor de coeficiente de redução de perdas, designado em 2021 por Bztu, mas que, na legislação de 2013, se chamava Btr e, na de 2006, se chamou Tau. Trata–se sempre do mesmo parâmetro, determinado da mesma forma, segundo a norma ISO 13789, designando-se apenas e sempre pela letra ‘b’. Qual a necessidade de se alterar designações de parâmetros que não sofrem qualquer alteração? O RCCTE deixou de o ser, para, em 2013, passar a ser REH, e o RSECE passar a ser RECS. Em 2021, terá deixado de haver regulamentos? Porque se estão sempre a mudar os nomes? Os Planos de Racionalização dos Consumos de Energia (PRE) passam a ser designados por Planos de Melhoria do Desempenho Energético dos Edifícios (PDEE), porquê?”

José Afonso

SACE e os grandes edifícios de serviços

Um dos aspectos que é consensual refere-se à Gestão Técnica Centralizada (GTC). António Vieira, da Geoterme, recorda o que está em causa: “De acordo com a nova legislação, os edifícios existentes, com uma potência térmica igual ou superior a 290kW, devem instalar sistemas SACE (sistemas se automatização e controlo do edifício) até 31 de Dezembro de 2025, mas ainda falta definir os critérios de viabilidade económica que obriguem a essa implementação”. Na prática, pretende-se, com os requisitos apresentados, garantir a monitorização, o registo e a análise contínua do consumo de energia com capacidade de regulação, a análise comparativa da eficiência energética, incluindo a detecção de perdas de eficiência e a capacidade de integração dos diversos sistemas técnicos e equipamentos existentes no interior dos edifícios. Para o empresário, são poucos os edifícios que estão preparados para responder a estas exigências. “Provavelmente só os mais recentes, com sistemas de GTC instalados de acordo com a legislação em vigor a partir de 2013, cumprem com as exigências da Portaria n.º138-I/2021 para os sistemas SACE em edifícios existentes. Depois, para além destes, existirão outros dois grupos de edifícios: os que têm já instalados sistemas de GTC e necessitam de intervenções pontuais para se adaptarem a estas novas exigências, e os edifícios que não têm sistemas de GTC ou têm sistemas antigos e/ou desadequados, que necessitarão de instalar novos sistemas SACE com os requisitos mencionados”.

Francisco Pombas, responsável pela Domótica SGTA, recorda que a realidade é bastante heterogénea. “Há edifícios onde estes sistemas estão praticamente abandonados e outros onde as equipas técnicas residentes os mantêm com um nível de operacionalidade excelente”, e que, por isso, “é muito provável que hoje mesmo os SACE cumpram integralmente com os requisitos impostos pela legislação que entrou em vigor em Julho de 2021”. E considera que o legislador veio elevar muito o nível tecnológico dos SACE ao impor a obrigatoriedade de instalação em todos os grandes edifícios. “A imposição de instalação de SACE irá desafiar proprietários, projectistas, instaladores e integradores de sistemas de gestão técnica nos próximos quatro anos e meio”. Quanto aos edifícios novos, “a nova legislação não irá ter grande impacto, visto que os requisitos sofreram algumas alterações, mas a Classe B da EN 15232 já era obrigatória desde Janeiro de 2019”.

Para António Vieira, o impacto que estas alterações terão no mercado depende dos critérios que vierem a ser estabelecidos para determinar a obrigatoriedade de implementação dos sistemas em edifícios existentes. Francisco Pombas considera que “também a isenção das inspecções obrigatórias aos sistemas técnicos nos edifícios equipados com SACE com as características e funcionalidades de monitorização do consumo de energia, análise da eficiência dos sistemas e de interoperabilidade, prevista na nova legislação, vem lançar desafios ao mercado da manutenção e condução dos sistemas técnicos, nomeadamente dos SACE”. E explica: “Só garantindo que os sistemas de GTC cumprem de forma continuada com estas funcionalidades será possível dispensar as inspecções obrigatórias, pelo que me parece da mais elementar coerência que estes SACE terão de ser conduzidos, mantidos e até inspeccionados periodicamente para garantir o seu correcto funcionamento, abrindo o mercado da manutenção, mas também da condução dos sistemas às empresas fornecedoras e instaladoras de sistemas de gestão técnica”.

Seja como for, o caminho está definido e há, aparentemente, uma maior simplicidade na interpretação do novo SCE. Contactámos a ADENE para se pronunciar sobre as preocupações, mas sem sucesso. Já se fizeram duas grandes renovações no SCE e muita coisa ficou pelo caminho. O desígnio pela eficiência energética foi uma delas. Criam-se estratégias, criam-se diplomas, mas o ruído e outros chavões vão entrando e desviando as atenções. Repetem-se incentivos desajustados à nossa realidade e estes problemas são estruturais e definem a nossa forma de fazer política. Segundo Eduardo Maldonado, “a população em geral não está minimamente preocupada com este tema, nem tem os meios para o fazer. Os programas de apoio não resolvem tudo. A verba maior continua a cargo dos proprietários e só os que estiverem motivados é que o vão fazer; 90 % dos proprietários não se vão candidatar, não estão motivados”.

De todas estas reacções, subsistem dúvidas e mais perguntas. Sucede que há um aspecto incontornável e que ressalta quando falamos com o sector, todas estas mudanças implicam mais custos. Estará o mercado preparado para o suportar?