A nova Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), inaugurada a 15 de Janeiro deste ano pela Marinha do Brasil, conta com equipamentos e engenharia portugueses. A fabricante de soluções de climatização Arfit e o gabinete de engenharia Afaconsult deram o seu contributo para esta nova estação de investigação científica, cuja construção obrigou as empresas nacionais a encontrar formas de resistir aos desafios da Natureza.
Situada na Península Keller, a 900 quilómetros da Patagónia, a infra-estrutura vem substituir a anterior estação, que, em 2012, foi arrasada por um incêndio. O novo projecto arrancou em meados de 2015, com os muitos desafios que a construção na Antártida implica – condições climatéricas rigorosas, temperaturas muito baixas e ventos superiores a 200km/h, solos congelados, restrições ambientais, dificuldade no acesso em termos logísticos e limitações no espaço e tempo disponíveis para a realização da obra. Apesar de todas as dificuldades, cinco anos depois, a obra ficou concluída e o novo edifício foi inaugurado em Janeiro passado.
Foto: © Marinha do Brasil
Entre os parceiros que deram corpo a este projecto, estão as duas empresas nacionais Arfit e Afaconsult. O gabinete de engenharia, responsável pelo projecto de mecânica e por apoiar o empreiteiro (a chinesa CEIEC), em várias vertentes da obra, trabalhou em parceria com o gabinete brasileiro Estúdio 41 no projecto da estação e foi através dele que o desafio chegou à Arfit, conta o CEO da fabricante portuguesa, Paulo Feyo. Depois de meses de negociação e avaliações técnicas, a fabricante nacional foi escolhida para fornecer alguns dos equipamentos para a instalação, nomeadamente as unidades de tratamento de ar, os sistemas de humidificação e de ventilação, os ventiloconvectores, os sistemas de desenfumagem e um chiller para controlo de temperatura nos aquários.
Porém, segundo Paulo Feyo, o desafio deste projecto ia muito além do simples fornecimento de soluções e passou pelo “desenvolvimento de equipamentos capazes de ir ao encontro de todas as exigências, por executar um plano de testes em fábrica, fazendo recepções provisórias acompanhados pelo cliente final (Marinha brasileira), por adaptar os equipamentos e criar todo um conjunto de documentação que facilitasse a assemblagem provisória no estaleiro da CEIEC em Xangai para a posterior montagem final na Antártida e comissionamento final dos equipamentos em obra”.
Foto: © Arfit
Requisitos excepcionais para uma obra fora do comum
Com uma área de 4500 metros quadrados, a nova estação da Marinha do Brasil na Antártida dispõe de 17 laboratórios, uma enfermaria, áreas comuns, espaços técnicos e acomodações para 64 pessoas. O edifício foi projectado com vista à sustentabilidade, respeitando as exigências ambientais do local e minimizando o seu impacto na envolvente. Apoiado em blocos pré-moldados de concreto e com estrutura em aço especial, as fundações da estação foram dimensionadas para resistir a ventos de até 200 km/h, temperaturas baixas, ciclos de congelamento e descongelamento e abalos sísmicos, explica a Marinha do Brasil.
Em termos de uso de energia, a eficiência energética foi levada ao extremo neste projecto, já que a nova estação está pensada para usar o mínimo de recursos energéticos possível. Nesse sentido, foi dada especial atenção ao isolamento térmico da estação, é feita a recuperação da energia térmica libertada pelos geradores a diesel, utilizam-se também fontes de energia renovável (eólica e solar), e um sistema de gestão técnica optimiza o uso de energia.
Foto: © Arfit
Mas os principais desafios da nova estação começaram muito antes da operação do edifício e reflectiram-se também no desenvolvimento dos equipamentos de climatização. No que coube à Arfit, foi preciso assegurar que os equipamentos estavam à altura do desafio e, num local como a Antártida, a sua função não se restringia ao simples conforto dos ocupantes do edifício. “Trata-se de garantir a sobrevivência das pessoas que lá residem ao longo do ano”, sublinha Paulo Feyo. Com isto em mente, a empresa portuguesa escolheu “criteriosamente” os componentes a utilizar nos equipamentos, “assegurando a máxima fiabilidade nas condições adversas que se verificam no local, em particular as baixas temperaturas”. Também a intermutabilidade dos componentes entre equipamentos foi alvo de atenção, no sentido de diminuir o número de peças de reserva – “é um local que se encontra isolado, sem qualquer possibilidade de chegar até ele qualquer mercadoria durante a maior parte do ano”, explica o responsável. Para além disso, no que se refere às características técnicas, a instalação exigia que os equipamentos estivessem preparados para alimentação eléctrica trifásica 380/60Hz, para suportar elevados níveis de corrosão atmosférica, admissão de ar exterior com temperaturas até -30 ºC, ventos ciclónicos e características da água específicas, entre outras particularidades.
Foto: © Arfit
As condições inóspitas do local justificam a dificuldade também na instalação. A temperatura média anual na EACF varia entre os -17 ºC e os 6 ºC no Inverno e os -9 ºC e 7 ºC no Verão, sendo que só durante este último período é possível realizar qualquer acção no local. Por esse motivo, foi necessário realizar uma pré-instalação num outro local, para, depois, avançar para o destino final, o que exigiu “extremo rigor” na concepção, preparação e execução da instalação, assim como rapidez, de forma a aproveitar o curto espaço de tempo disponível para o efeito. Para além disso, em termos logísticos e dada a complexa acessibilidade geográfica ao local, todo o material necessário à intervenção teve de ser minuciosamente previsto e preparado.
“Existiu todo um trabalho em conjunto com a Afaconsult de estudo dos equipamentos, sequência de montagem, entrada nos locais e simulação de montagem”, conta Paulo Feyo, acrescentando que o projecto da empresa de engenharia incluiu a modelação BIM de todo o edifício com elevado nível de detalhe.
Foto: © Arfit
Em Fevereiro, os técnicos da Arfit regressaram a Portugal, depois de concluída a instalação, com o seu comissionamento e entrega dos equipamentos. A actuação da empresa portuguesa não se esgota aqui e esta irá, no futuro, continuar a acompanhar a instalação através de um acesso remoto e, caso se verifique necessário, através da presença física no local. O balanço é mais do que positivo, principalmente pelo “grande desafio” que o projecto trouxe à Arfit. “Já tínhamos experiências isoladas de alguns dos requisitos que existiram nesse projecto, mas preencher tantos requisitos e todos em conjunto foi um grande desafio. Contámos com um conjunto de parceiros que nos ajudaram a perceber como ultrapassar a especificidade”, conclui Paulo Feyo.