Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2024 da Edifícios e Energia.
Em 8 de maio de 2024, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia a Diretiva (UE) 2024/1275 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de abril de 2024, relativa ao desempenho energético dos edifícios (reformulação).
Da leitura do supracitado documento, observa-se a continuação de uma visão holística do pensamento dominante no seio da região europeia – ambição sem limites –, manifestada desde a primeira versão da diretiva, publicada em 2002 (Diretiva 2002/91/EC), e nas subsequentes reformulações, onde tudo parecia fácil de implementar.
A consciência das limitações e as preocupações à medida que os objetivos e requisitos aumentam merecem, certamente, uma atenção redobrada. Dada a complexidade e diversidade das propostas em apreço, muito trabalho será necessário fazer e muita tinta correrá até à transposição final desta diretiva para o quadro legislativo nacional. Não se trata de pessimismo, mas, sim, de realismo!
OS DESÍGNIOS DA NOVA EPBD (REFORMULAÇÃO)
Esta publicação constitui um marco muito significativo e representa um passo crucial para alcançar os objetivos de neutralidade climática da União Europeia, impulsionando simultaneamente a competitividade e a segurança em termos energéticos em toda a região. A aplicação da presente diretiva exigirá a colaboração e o empenho de todos, a fim de maximizar os seus benefícios e cumprir objetivos comuns.
Entretanto, dada a sua atualidade e importância, transcrevem-se algumas das mais relevantes propostas, bem como conceitos e requisitos, incluídas nesta nova diretiva e que, sucintamente, se agrupam nos temas principais que serão desenvolvidos neste texto.
DESCARBONIZAÇÃO DOS EDIFÍCIOS
O objetivo ambicioso da diretiva de alcançar a neutralidade carbónica no setor da construção centra-se nos requisitos aplicáveis aos edifícios com emissões nulas (ZEB), que afetarão os novos edifícios a partir de 2030 (e, dois anos mais cedo, os novos edifícios públicos). Além disso, até 2050 todos os edifícios serão ZEB. [A diretiva] Destaca a necessidade de eliminar progressivamente os combustíveis fósseis nos edifícios existentes até 2040.
AUMENTO DAS REABILITAÇÕES
A diretiva não só não esquece como, ao mesmo tempo, procura promover o aumento das reabilitações dos edifícios existentes através de renovações profundas, em que, além do setor privado, o setor público terá um papel crucial.
Além disso, estabelece a obrigação de renovar os edifícios não residenciais e de incentivar as renovações nos edifícios residenciais. As renovações devem visar o cumprimento dos requisitos dos edifícios com emissões nulas, de acordo com o princípio da “eficiência energética em primeiro lugar”: melhorar a qualidade da envolvente do edifício, renovar as instalações com sistemas mais eficientes, inteligentes e mais bem geridos e com a implementação de energias renováveis.
CONCEITO DE RENOVAÇÃO PROFUNDA
A fim de alcançar uma visão a longo prazo para os edifícios, uma renovação profunda é definida como uma renovação que transforma edifícios em edifícios com emissões nulas, mas, numa primeira fase, como uma renovação que transforma edifícios em edifícios com necessidades quase nulas de energia. O conceito de renovação profunda é, pois, uma intervenção de renovação em consonância com o princípio da prioridade à eficiência energética, que se centra nos elementos de construção essenciais, e que transforma um edifício ou uma fração autónoma:

a) Até 1 de janeiro de 2030, num edifício com necessidades quase nulas de energia;
b) A partir de 1 de janeiro de 2030, num edifício com emissões nulas.
Esta definição tem por finalidade aumentar o desempenho energético dos edifícios. As renovações profundas centradas no desempenho energético podem também ser uma excelente oportunidade para tratar outros aspetos, como a qualidade do ambiente interior, as condições de vida dos agregados familiares vulneráveis, a necessidade de resiliência às alterações climáticas, a resiliência contra os riscos de catástrofes, incluindo a atividade sísmica, a segurança contra incêndios, a remoção de substâncias perigosas, incluindo o amianto, e a acessibilidade para as pessoas com deficiência.
A renovação profunda por etapas pode ser uma solução para os elevados custos iniciais e para os eventuais impactos nos habitantes decorrentes de renovações realizadas de uma só vez e pode permitir a adoção de medidas de renovação menos perturbadoras e mais viáveis financeiramente. No entanto, tal renovação profunda por etapas tem de ser cuidadosamente planeada, a fim de evitar que uma etapa de renovação impeça que se avance para etapas subsequentes necessárias. As renovações profundas realizadas de uma só vez podem ser mais eficazes em termos de custos e resultar em menos emissões associadas à renovação do que as renovações por etapas.
Os passaportes de renovação providenciam um roteiro claro para renovações profundas por etapas, ajudando proprietários e investidores a fixarem o melhor calendário e o melhor âmbito das intervenções. Por conseguinte, os passaportes de renovação deverão ser incentivados e disponibilizados como um instrumento voluntário aos proprietários de edifícios em todos os Estados-Membros. Os Estados-Membros deverão assegurar que os passaportes de renovação não criam encargos desproporcionados.
A fim de promoverem as renovações profundas, que são um dos objetivos da estratégia Vaga de Renovação, os Estados-Membros deverão prestar um maior apoio financeiro e administrativo às mesmas.
NOVOS INDICADORES
Destacam-se as seguintes mudanças: alteração dos certificados de desempenho energético e estabelecimento de novos limiares de eficiência; utilização do potencial de aquecimento global (PAG) para avaliar e comparar o impacto climático de diferentes tecnologias e estratégias na construção de edifícios; [inclusão de] indicadores de qualidade do ar interior em certificados de desempenho energético. Por fim, estabelece-se como ato voluntário determinar o Índice de Desempenho Inteligente, que é utilizado como indicador de aptidão para tecnologias inteligentes na eficiência e melhoria da qualidade do ambiente interior.
“A renovação profunda por etapas pode ser uma solução para os elevados custos iniciais e para os eventuais impactos nos habitantes decorrentes de renovações realizadas de uma só vez e pode permitir a adoção de medidas de renovação menos perturbadoras e mais viáveis financeiramente.”
MODERNIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS
As adaptações de edifícios incluem a adição de sistemas avançados de automação e controle para otimizar o uso de energia e melhorar o conforto dos ocupantes. Além disso, há um compromisso com a medição em tempo real e o registo de dados sobre o consumo de energia, a temperatura, a humidade relativa e os níveis de CO2. O objetivo é melhorar a qualidade do ar interior e a resiliência dos edifícios às alterações climáticas (a tónica é colocada na luta contra o sobreaquecimento dos edifícios). Ademais, são estabelecidos requisitos para carregadores de veículos elétricos e estacionamento de bicicletas, a fim de promover a mobilidade sustentável.
INDICADOR DE APTIDÃO PARA TECNOLOGIAS INTELIGENTES
O indicador de aptidão para tecnologias inteligentes deverá ser utilizado para aferir a capacidade de cada edifício em termos de uso de tecnologias de informação e comunicação e sistemas eletrónicos, com vista a adaptar o funcionamento do edifício às necessidades dos ocupantes e à rede, bem como para melhorar a sua eficiência energética e o seu desempenho global. O indicador de aptidão para tecnologias inteligentes deverá sensibilizar os proprietários e os ocupantes de edifícios para o valor inerente à automatização dos edifícios e à monitorização eletrónica dos sistemas técnicos dos edifícios e deverá dar maior confiança aos ocupantes quanto às poupanças efetivas destas novas funcionalidades avançadas. O indicador de aptidão para tecnologias inteligentes é particularmente proveitoso para edifícios de grandes dimensões, com necessidades de energia elevadas. Quanto aos demais edifícios, a aplicação do regime para classificar a aptidão dos edifícios para tecnologias inteligentes deverá ser facultativa para os Estados-Membros.
Um gémeo digital do edifício é uma simulação interativa e dinâmica que reflete o estado e o comportamento em tempo real de um edifício físico. Ao incorporar dados em tempo real provenientes de sensores, contadores inteligentes e outras fontes, um gémeo digital do edifício proporciona uma visão holística do desempenho do edifício, incluindo o consumo de energia, a temperatura, a humidade, os níveis de ocupação, entre outros parâmetros, e pode ser utilizado para monitorizar e gerir o consumo de energia do edifício. Sempre que esteja disponível, um gémeo digital do edifício deverá ser tido em conta, em especial no que diz respeito ao indicador de aptidão para tecnologias inteligentes.
A IMPORTÂNCIA DOS VEÍCULOS ELÉTRICOS
Os veículos elétricos deverão desempenhar um papel central na descarbonização e na eficiência do sistema elétrico, nomeadamente graças à prestação de serviços de flexibilidade, balanceamento e armazenamento, em especial por via da agregação. É necessário explorar plenamente este potencial dos veículos elétricos de se integrarem no sistema elétrico e contribuírem para a eficiência deste e para uma maior absorção da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. O carregamento em edifícios é um aspeto particularmente importante, uma vez que é aí que os veículos elétricos são estacionados regularmente e durante longos períodos de tempo. O carregamento lento é económico e a instalação de pontos de carregamento em espaços privados pode fornecer armazenamento de energia ao edifício em causa, bem como a integração de serviços de carregamento inteligente e bidirecional e de serviços de integração de sistemas em geral.
Em combinação com um aumento da quota da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia, os veículos elétricos produzem menos emissões de gases com efeito de estufa. Os veículos elétricos constituem uma importante componente do processo de transição para uma energia limpa assente em medidas de eficiência energética, combustíveis alternativos, energia renovável e soluções inovadoras de gestão da flexibilidade energética. As normas de construção podem ser utilizadas eficazmente para introduzir requisitos específicos que apoiem a implantação de infraestruturas de carregamento nos parques de estacionamento de edifícios residenciais e não residenciais. Os Estados-Membros deverão ter por objetivo remover os entraves, como os incentivos contraditórios, e os encargos administrativos com que os proprietários se deparam quando tentam instalar pontos de carregamento nos seus espaços de estacionamento.
A instalação de pré-cablagem e de condutas facilita a rápida implantação de pontos de carregamento se e quando tal for necessário. A disponibilização atempada de infraestruturas diminuirá os custos de instalação de pontos de carregamento a suportar pelos proprietários e garantirá que os utilizadores de veículos elétricos tenham acesso a pontos de carregamento. O estabelecimento, a nível da União, de requisitos de eletromobilidade relativos ao pré-equipamento dos espaços de estacionamento e à instalação de pontos de carregamento é uma forma eficaz de promover os veículos elétricos no futuro próximo e permitir, ao mesmo tempo, novos desenvolvimentos a custos reduzidos neste domínio, a médio e a longo prazo. Sempre que tal seja tecnicamente viável, os Estados-Membros deverão assegurar o acesso das pessoas com deficiência a pontos de carregamento.
TECNOLOGIAS DE CARREGAMENTO INTELIGENTE E DE CARREGAMENTO BIDIRECIONAL
As tecnologias de carregamento inteligente e de carregamento bidirecional permitem integrar os edifícios no sistema energético. Os pontos de carregamento situados nos locais em que os veículos elétricos permanecem habitualmente estacionados durante longos períodos, por as pessoas aí residirem ou trabalharem, são extremamente relevantes para a integração do sistema energético, pelo que é necessário assegurar funcionalidades de carregamento inteligentes. Nas situações em que o carregamento bidirecional possa contribuir para uma maior utilização de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, por frotas de veículos elétricos no setor dos transportes e no sistema elétrico em geral, essa funcionalidade deverá também ser disponibilizada.
A promoção da mobilidade ecológica é um elemento fundamental do Pacto Ecológico Europeu e os edifícios podem desempenhar um papel importante na disponibilização das infraestruturas necessárias, não só para o carregamento de veículos elétricos, mas também para as bicicletas. A transição para soluções de mobilidade ativa, como os velocípedes, pode reduzir significativamente as emissões de gases com efeito de estufa provenientes dos transportes. Tendo em conta o aumento da venda de bicicletas elétricas e de outros tipos de veículos da categoria L referidos no artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 168/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, e a fim de facilitar a instalação de pontos de carregamento numa fase posterior, deverá ser exigida a instalação de pré-cablagem e de condutas para esses veículos nos edifícios residenciais novos e, sempre que tecnicamente exequível e economicamente viável, em edifícios residenciais sujeitos a grandes renovações.
Tal como referido na Comunicação da Comissão de 17 de setembro de 2020, intitulada Reforçar a ambição climática da Europa para 2030: Investir num futuro climaticamente neutro para benefício das pessoas (o Plano para atingir a Meta Climática), o aumento das quotas de modos de transporte públicos e privados não poluentes e eficientes, como a bicicleta, reduzirá drasticamente a poluição causada pelo setor dos transportes e trará grandes benefícios aos cidadãos e as comunidades. A falta de lugares de estacionamento para bicicletas constitui um grande entrave à utilização deste modo de transporte, tanto em edifícios residenciais como não residenciais.
Os requisitos da União e às normas de construção a nível nacional podem apoiar eficazmente a transição para uma mobilidade mais limpa, obrigando à disponibilização de um número mínimo de lugares de estacionamento para bicicletas, e a construção de lugares de estacionamento para bicicletas e infraestruturas conexas em zonas onde as bicicletas sejam menos utilizadas pode resultar num aumento da sua utilização. A obrigatoriedade da disponibilização de lugares de estacionamento para bicicletas não deverá depender da disponibilidade e da oferta de lugares de estacionamento para automóveis (que podem, em determinadas circunstâncias, estar indisponíveis), nem a isto estar necessariamente ligada. Os Estados-Membros deverão permitir um aumento do estacionamento para bicicletas em edifícios residenciais onde não existam lugares de estacionamento para automóveis através da instalação de, pelo menos, dois lugares de estacionamento para bicicletas por cada fração autónoma residencial.
O indicador de aptidão para tecnologias inteligentes deverá ser utilizado para aferir a capacidade de cada edifício em termos de uso de tecnologias de informação e comunicação e sistemas eletrónicos, com vista a adaptar o funcionamento do edifício às necessidades dos ocupantes e à rede, bem como para melhorar a sua eficiência energética e o seu desempenho global.”
DIGITALIZAÇÃO
As prioridades do mercado único digital e da União da Energia deverão ser consonantes e servir objetivos comuns. A digitalização do sistema energético está a alterar rapidamente o panorama energético, desde a integração das energias renováveis até às redes inteligentes e aos edifícios aptos a receberem tecnologias inteligentes. A fim de digitalizar o setor da construção, as metas da União em matéria de conectividade e as suas ambições para a implantação de redes de comunicações de elevada capacidade são importantes para as casas inteligentes e para as comunidades com boas ligações entre si. É necessário criar incentivos adaptados que promovam sistemas aptos a receberem tecnologias inteligentes e soluções digitais nas áreas construídas. Tal criará novas oportunidades para poupanças de energia, ao permitir que os consumidores acedam a informações mais exatas sobre os seus padrões de consumo e que os operadores dos sistemas giram a rede de uma forma mais eficaz. Os Estados-Membros deverão incentivar a utilização de tecnologias digitais para a análise, a simulação e a gestão dos edifícios, inclusive no âmbito de renovações profundas.
FINANCIAMENTO DE REABILITAÇÕES
São necessários muitos recursos para atingir os objetivos fixados. De facto, é necessário elaborar um plano nacional para a renovação dos edifícios, especificando as fontes e as medidas de financiamento necessárias. A tónica é colocada na facilitação do processamento das ajudas públicas e na aplicação de um sistema de “balcão único”. Além disso, o setor privado deve ser utilizado para financiar medidas de poupança através de regimes de repartição. A implantação tecnológica apoiada por esta lei é uma oportunidade para descarbonizar e digitalizar edifícios terciários e casas em toda a União.
FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS QUALIFICADOS
Os instaladores e os construtores são essenciais para a correta aplicação da presente diretiva. Nessa medida, um número adequado de instaladores e de construtores deverá possuir, através de formação e de outras medidas, as qualificações adequadas para a instalação e integração das tecnologias necessárias eficientes em termos energéticos e que utilizem energias renováveis.
TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA PELOS ESTADOS-MEMBROS
O próximo desafio é a transposição da diretiva pelos Estados-Membros em dois anos, o que implica a criação de um quadro político estável e de sistemas de financiamento adequados que proporcionem visibilidade a longo prazo e, assim, estimulem os investimentos no setor.
Será que é possível o cumprimento de todos estes bem-aventurados objetivos, que deverão satisfazer todos os requisitos, nomeadamente prazos e todas as demais condições, técnicas, económicas e financeiras?
Em jeito de recordatória anotamos quais as ações que importa ter como alvo de reflexão e concretizar:
• Desafio de transpor os requisitos da Diretiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios
– Definição ZEB: indicadores de procura e energia primária total;
– Metodologia harmonizada: definição de fronteira, autoconsumo, tempo de cálculo;
– Análise do potencial de aquecimento global durante o ciclo de vida;
– Novo modelo de Certificado de Desempenho Energético. Renovação do passaporte;
– Contribuição solar.
• Situação do setor face ao desafio da descarbonização
– Eliminação dos combustíveis fósseis até 2040;
– Substituição de caldeiras a combustíveis fósseis;
– Bombas de calor: evolução da tecnologia. Impacto dos gases fluorados;
– Outras tecnologias: redes urbanas, biomassa, biogás, hidrogénio, etc.
Fotografia de destaque: © Shutterstock
As conclusões expressas são da responsabilidade do autor.