Artigo publicado originalmente na edição 159 (Maio/Junho de 2025) da Edifícios e Energia.
A certificação energética, no contexto da nova habitação social ao abrigo do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), assume atualmente uma importância extrema, tendo em vista os requisitos regulamentares e as boas práticas, com foco no bom senso e na sustentabilidade social, técnica e económica dos recursos disponíveis. Os contos maravilhosos da nossa infância costumam começar com a expressão “Era uma vez…”. No entanto, abramos uma exceção à regra e contemos uma história menos feliz.
Era uma vez o Estado português, que desperdiçava rios de dinheiro no programa de recuperação do Parque Escolar, através de um ambicioso plano de modernização das escolas públicas. À época, em 2007, muitas dessas escolas encontravam-se degradadas, insalubres, desconfortáveis e energeticamente ineficientes.
Dizia-se, inclusive, que havia notícias de alunos do ensino básico e secundário que consumiam bebidas alcoólicas logo pela manhã, apenas para suportar o frio intenso no inverno.
Coincidindo com o início do referido programa do Parque Escolar — uma entidade criada para esse fim —, entraram em vigor os primeiros dois Decretos-Lei da era moderna do Sistema de Certificação Energética (SCE): os Decretos-Lei n.º 79/2006 e 80/2006. Estes foram complementados por diversa legislação conexa e, além dos requisitos térmicos e energéticos, introduziram um novo tema: a Qualidade do Ar Interior. Este conjunto legislativo sobrepôs-se às obrigações da Diretiva n.º2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao desempenho energético dos edifícios.
Muitos ainda se recordam de como o programa do Parque Escolar impôs exigências megalómanas em matéria de ventilação e renovação de ar, apesar da importância do tema. Centenas de escolas foram remodeladas com sistemas de climatização tecnologicamente avançados que, infelizmente, em muitos casos foram rapidamente desligados devido à falta de recursos financeiros para suportar os elevados consumos de eletricidade e para contratar empresas de manutenção especializadas.
Durante anos, muitas dessas escolas enfrentaram dificuldades em obter a certificação energética final obrigatória, devido à ausência de técnicos de manutenção responsáveis pelo bom funcionamento dos sistemas de climatização e pela qualidade do ar interior.
Mais tarde, em 2013, este tema foi praticamente apagado com a eliminação regulamentar das auditorias obrigatórias à Qualidade do Ar. Do ponto de vista legal, o problema deixou de existir. A machadada final foi dada com o Despacho n.º 6476-H/2021, no qual o legislador introduziu uma solução “criativa”:
“Nos edifícios de comércio e serviços, para efeitos da verificação de requisitos, pode ser considerado o efeito da abertura de janelas para determinação do caudal de renovação de ar dos espaços.”
Basta, agora, abrir uma janela para controlar a qualidade do ar interior!
Para facilitar ainda mais, a legislação recomenda, mas não obriga, a instalação de sistemas de monitorização permanente de dióxido de carbono (CO2) para assegurar uma ventilação eficaz dos espaços.
Curiosamente, a mesma legislação proíbe que a ventilação dos edifícios residenciais seja feita através de janelas. E, de forma inexplicável do ponto de vista do uso racional da energia, aumenta a taxa de renovação de ar de 0,40 para 0,50 renovações por hora.
A única explicação plausível para tal alteração reside na “Teoria do Imperativo da Imitação”, que nos leva a seguir cegamente normas europeias pouco adaptadas à realidade de um país com recursos limitados, como Portugal. Foi essa mesma lógica que conduziu ao sobredimensionamento dos sistemas de ventilação mecânica nas escolas — sistemas que agora o legislador tenta simplificar por conveniência.

E cá estamos de novo, numa prática insustentável no âmbito do PRR, com a construção de novos bairros sociais.
De acordo com a legislação atual, a construção de novos edifícios residenciais exige a classe energética mínima “A”, o que significa que as necessidades de aquecimento dos edifícios devem ser inferiores a 0,75/0,85/0,90, dependendo da localização. Além disso, o rácio de eficiência energética deve ser inferior a 50% face ao consumo de referência de um edifício regulamentar.
No entanto, os projetos financiados pelo PRR têm de melhorar este indicador em 20%, exigindo que o rácio seja inferior a 40%.
O sistema de certificação energética para edifícios de habitação assenta numa metodologia de cálculo extremamente complexa, que procura um equilíbrio difícil entre a eficiência da envolvente passiva e os sistemas técnicos — sistemas esses que implicam custos elevados de manutenção.
E é precisamente aqui que estamos a falhar: sem massa crítica e sem discernimento, estamos a encher a habitação pública de sistemas técnicos caros e complexos, tanto no investimento inicial como nas despesas de operação e manutenção.
“Errare humanum est, perseverare diabolicum.”
A construção de edifícios deve basear-se em princípios de qualidade, sustentabilidade ambiental, baixa manutenção e durabilidade, assegurando o uso racional dos recursos e minimizando os impactos ecológicos. Para tal, é essencial integrar estratégias simples de conservação, eficiência energética e otimização dos consumos, promovendo um equilíbrio entre conforto e responsabilidade ambiental.
Além disso, está a criar-se uma injustiça social: a habitação social, financiada por dinheiros públicos, torna-se mais eficiente do que a habitação privada — que, independentemente do rendimento dos seus ocupantes, não beneficia dos mesmos apoios.
Estamos a instalar um verdadeiro “elefante branco” na habitação social do Estado: edifícios com isolamento térmico elevado (o que, por si só, não é negativo), mas combinados com sistemas técnicos desproporcionados e dispendiosos, sem qualquer racionalidade económica ou energética.
Os incentivos do PRR deveriam privilegiar soluções construtivas passivas e sistemas simples, de fácil manutenção, assegurando eficiência a longo prazo sem criar dependências técnicas e financeiras.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.
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