Autores: João Marcelino | João Gavião
Foi concluído o primeiro escritório Passive House em Portugal, que é também a primeira reabilitação Passive House em Portugal. Trata-se do escritório e sede da Homegrid, localizado em Ílhavo, que é simultaneamente a sede da Associação Passivhaus Portugal. Este projecto, desenvolvido pela Homegrid e denominado de nZEBoffice+ (Figura 1), tem como principais objectivos ser a primeira Passive House no sector dos serviços em Portugal, ser um protótipo demonstrador, desenvolver soluções replicáveis a outros projectos juntamente com os parceiros envolvidos, caminhar para ter um balanço energético anual positivo e, acima de tudo, proporcionar qualidade de vida aos seus utilizadores.
Atravessamos um período de grande actividade do sector da construção em geral e com uma grande incidência das práticas de reabilitação. É sabido que o parque edificado em Portugal é caracterizado pela sua generalizada falta de qualidade, não proporcionando as adequadas condições de habitabilidade, nomeadamente a boa qualidade do ar interior, conforto térmico e acústico, originando a ocorrência de patologias nos elementos construtivos e problemas de saúde aos seus ocupantes. Assim, à primeira vista, o aumento relativo e absoluto das intervenções de reabilitação será algo a realçar. Mas será que a generalidade das reabilitações realizadas terá um impacto positivo a longo prazo? Será que o desempenho dos edifícios ou fracções reabilitadas irá proporcionar a necessária mudança de paradigma tão necessária no nosso parque edificado?
Figura 1: O nZEBoffice+ desenvolvido pela Homegrid (© Homegrid).
Segundo o secretário geral da EuroACE – European Alliance of Companies for Energy Efficiency in Buildings, Adrian Joyce, deverá ser garantido que todas as reabilitações “são à prova de futuro e que cumprem com os requisitos de eficiência energética e de qualidade mais elevados” e que “não o fazer irá conduzir a um bloqueio do potencial lamentável e que, no futuro, custará caro a Portugal” [Joyce, 2018]. Isto significa que, se não reabilitarmos bem hoje, estamos a bloquear reabilitações futuras no curto/médio prazo que melhorem o desempenho do edifício, potenciando o lock-in effect.
Situação inicial
O escritório corresponde a uma fracção, com uma área útil de 52 m², no terceiro e último andar de um edifício de escritórios, construído nos anos 90, localizado no centro de Ílhavo e ocupado pela Homegrid desde 2014. A qualidade da construção é típica da época, com a envolvente opaca sem isolamento térmico e com a envolvente transparente composta por caixilharia simples de alumínio e vidro simples. Tais características da envolvente do edifício originam um péssimo desempenho do edifício ao nível do conforto térmico e acústico, da qualidade do ar interior e do consumo de energia. Ou seja, este era um espaço que não cumpria algumas das funções essenciais como proporcionar ambientes confortáveis termicamente e acusticamente e garantir uma boa qualidade do ar interior. O não cumprimento destas funções essenciais tem impactos relevantes na produtividade dos ocupantes [Satish, 2012].
O aquecimento era realizado através de radiadores eléctricos sempre ligados entre as 9:00h e as 19:00h, com uma potência de 3,5 kW. Não existia nenhum sistema de arrefecimento. Toda a energia usada é eléctrica.
A análise do balanço energético, de acordo com o PHPP (Passive House Planning Package), como mostra a Figura 2, apresenta necessidades de aquecimento (energia térmica) de 231 kWh/m²a e necessidades de energia primária (toda a energia utilizada) de 209 kWh/m²a, correspondendo a um valor de 80 kWh/m²a de energia final, considerando um factor de conversão de 2,6, de acordo com o PHPP. Este balanço energético foi calculado tendo em conta os dados climáticos históricos de Ílhavo, uma temperatura mínima de 20° C, uma ocupação de quatro pessoas e uma temperatura média dos espaços vizinhos durante o período de aquecimento de 15° C (edifício vizinho, escritórios vizinhos no mesmo edifício e caixa de escadas), de acordo com a monitorização realizada.
O consumo médio anual de energia final (electricidade) medido é de 2375 kWh/a, perfazendo um valor de 45,67 kWh/m²a de energia final ou 118,75 kWh/m²a de energia primária. O consumo médio de energia final medido no período de aquecimento, de Novembro a Março inclusive, é de 1550 kWh/a, sendo o consumo médio medido para os restantes sete meses do ano de 825 kWh/a.
Figura 2: Balanço energético da situação inicial de acordo com o PHPP (© Homegrid).
Apesar deste elevado consumo de energia, não eram proporcionadas as mínimas condições de conforto térmico, à semelhança de um escritório vizinho, no mesmo edifício e com condições semelhantes, como mostra a Figura 3. O controlo da qualidade do ar era feito através da medição e visualização constante dos níveis de CO2 e a renovação do ar era realizada através da abertura de janelas quando se detectava uma elevada concentração de CO2, normalmente sempre que atingia os 1500 ppm, com todo o desconforto, perda de energia e inconvenientes provocados. Os resultados medidos mostram que, apesar deste controlo, os níveis de CO2 eram elevados, sobretudo no escritório vizinho, onde não havia práticas de controlo e de renovação do ar, como mostra a Figura 4.
Figura 3: Medição das temperaturas durante um dia de Dezembro, com os radiadores eléctricos ligados, com 3,5 kW de potência (© Homegrid).
Figura 4: Medição da concentração de CO2 durante um dia de Dezembro, com a renovação do ar realizada através da abertura de janelas (© Homegrid).
Situação final
A razão essencial que motivou esta intervenção foi o mau desempenho geral do escritório. Para além de procurar contribuir para o bem-estar dos ocupantes, o projecto procurou também assegurar a ausência de
Figura 5: Planta do escritório na situação final (© Homegrid).
patologias no edifício através da mitigação do efeito das pontes térmicas e da garantia da estanquidade ao ar da envolvente, evitando assim infiltrações e exfiltrações nos pontos mais frágeis da envolvente.
As principais condicionantes foram as seguintes:
- Obrigatoriedade de intervir pelo interior – devido ao facto de a fachada não poder ser alterada, justificada pela integração deste edifício num conjunto de edifícios, e também devido ao facto da intervenção ocorrer apenas numa fracção e não em todo o edifício;
- Limitação da protecção térmica da envolvente opaca – a obrigatoriedade de intervir pelo interior limitou as espessuras de isolamento a utilizar de modo a não reduzir a área útil;
- Potencial de replicação – este foi um dos pressupostos assumidos no início do desenvolvimento do projecto e que passava por encontrar e definir, em conjunto com os parceiros envolvidos, soluções passíveis de ser replicadas noutros cenários semelhantes;
- Definição de soluções custo-eficientes – procurou-se alcançar o máximo desempenho com soluções correntes e facilmente disponibilizadas pelos nossos parceiros tendo em conta o ponto anterior do potencial de replicação. O custo de investimento está entre os 420 e os 480 euros/m².
A protecção térmica da envolvente foi definida pelo interior e a nova janela foi instalada pelo interior, mantendo a janela existente na sua posição inicial, como mostra a Figura 5. O projecto de renovação do escritório passou pela manutenção da lógica de open space na organização do espaço. A área útil na situação final é de 50 m², havendo uma perda de área útil de cerca de 2 m².
As soluções construtivas implementadas estão apresentadas na Tabela 1 e foram definidas tendo em conta a manutenção da fachada inalterada.
As soluções de sistemas e equipamentos definidas são as seguintes: sistema de ventilação com recuperação de calor, para garantir a adequada renovação de ar com o máximo de conforto térmico e acústico e menores perdas de energia, e uma unidade de ar condicionado, para suprir as necessidades de aquecimento e arrefecimento. A unidade de ventilação é da Zehnder, modelo ComfoAir 350, com uma eficiência de recuperação de calor de 84 %. A unidade de ar condicionado é do tipo mono split mural da Daikin, série Premium +, com 2 kW de potência. A produção de energia, numa primeira fase, será realizada através de dois painéis fotovoltaicos, instalados na cobertura, com uma potência instalada de 500 W num regime de autoconsumo.
A análise do balanço energético, de acordo com o PHPP, como mostra a Figura 6, apresenta necessidades de aquecimento de 57 kWh/m²a e necessidades de energia primária de 108 kWh/m²a, correspondendo a um valor de 42 kWh/m²a de energia final. Este balanço energético foi calculado tendo em conta uma temperatura média dos espaços vizinhos durante o período de aquecimento de 15° C.
Tabela 1: Soluções da envolvente do edifício.
Figura 6: Balanço energético da situação final de acordo com o PHPP (© Homegrid).
Figura 7: Balanço energético da situação final altern. de acordo com o PHPP (© Homegrid).
Com uma temperatura média dos espaços vizinhos durante o período de aquecimento de 20° C os resultados do balanço energético apresentam necessidades de aquecimento de 22 kWh/m²a e necessidades de energia primária de 87 kWh/m²a, como mostra a Figura 7. Este é o princípio de cálculo definido pela Passive House, que parte do princípio que as unidades vizinhas têm também adequadas condições de conforto. O cumprimento estrito dos requisitos Passive House não foi alcançado por pouco (limite das necessidades de aquecimento de 15 kWh/m²a ou carga de aquecimento de 10 W/m²). O desempenho alcançado cumpre com os requisitos EnerPHit, que foi desenvolvido pelo Passivhaus Institut precisamente para situações similares a esta com muitos condicionalismos à aplicação das soluções Passive House típicas da construção nova [PHI, 2016].
A primeira fase da obra decorreu em Abril com a aplicação das janelas. Esta intervenção decorreu sem afectar a produtividade uma vez que não houve necessidade de interromper a utilização do escritório neste período. A fase seguinte da obra iniciou-se em Agosto com a aplicação das soluções da envolvente opaca, como mostra a Figura 8. A obra foi concluída em finais de Outubro de 2018, como mostra a Figura 9.
Foi definido e instalado um sistema de monitorização que irá fazer a recolha de dados relevantes relativos ao desempenho do escritório, nomeadamente: temperaturas interior e exterior, humidade relativa interior e exterior, a concentração de CO2, os consumos de energia globais e parciais (aquecimento, arrefecimento e ventilação) e a energia produzida. A informação recolhida estará disponível em tempo real numa plataforma online.
Figura 8: Fotos da obra a decorrer (© Homegrid).
Figura 9: Foto da obra finalizada (© Homegrid).
Figura 10: Os parceiros da rede Passive House envolvidos no projecto (© Homegrid).
Figura 11: A redução de 75 % das necessidades de aquecimento (© Homegrid).
Conclusões
A primeira Passive House no sector dos serviços e também a primeira reabilitação Passive House em Portugal foi concluída num trabalho desenvolvido pela Homegrid com a colaboração de alguns dos parceiros da rede Passive House (Figura 10). O nZEBoffice+ é um projecto pioneiro e um exemplo demonstrador.
Os resultados do balanço energético revelam a redução drástica das necessidades de aquecimento de 231 kWh/m²a na situação inicial para 57 kWh/m²a na situação final, como mostra a Figura 11, correspondendo a uma redução de 75 %.
Foi também cumprido o objectivo de desenvolver e aplicar soluções tendo em vista o seu potencial de replicabilidade. O envolvimento dos parceiros foi crucial para desenvolver e testar soluções inovadoras e óptimas do ponto de vista do custo-benefício.
Com o nZEBoffice+, demonstra-se que é possível, viável e sustentável alcançar um elevado desempenho na reabilitação, mesmo em cenários com grandes condicionalismos como é o caso de uma reabilitação pelo interior, e que a Passive House dá uma resposta inigualável para a melhoria do parque edificado em Portugal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[Joyce, 2018] Joyce, Adrian, Estratégias de longo prazo para a reabilitação energética de edifícios: colhendo os benefícios para Portugal, Edifícios e Energia, Revista Março/Abril 2018, Algés, 2018
[PHI, 2016] Passivhaus Institut, Criteria for the Passive House, EnerPHit and PHI Low Energy Building Standard, Passivhaus Institut, Darmstadt, 2016
[Satish, 2012] Satish, U. et al., Is CO2 an Indoor Pollutant? Direct Effects of Low-to-Moderate CO2 Concentrations on Human Decision-Making Performance, Environmental Health Perspectives, volume 120, number 12, Durham, 2012
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.