Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2024 da Edifícios e Energia.
Mais de 78 mil candidaturas foram submetidas à primeira fase do Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis 2023 e, segundo informação fornecida pelo Fundo Ambiental, a maior parte dos pedidos diz respeito à adopção de medidas activas. Enquanto a análise de candidaturas está em andamento, algumas associações do sector partilham aquilo que gostavam de ver numa segunda fase do programa.
De acordo com o Fundo Ambiental, a primeira fase de candidaturas relativa ao Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis 2023 (PAE+S 2023) terminou, no final de Outubro, com 78 068 pedidos submetidos. Para dar continuidade ao objectivo de programas anteriores no que diz respeito ao financiamento de medidas de reabilitação, descarbonização, eficiência energética e hídrica e economia circular para melhorar o desempenho energético e ambiental dos edifícios, o Fundo Ambiental lançou, em meados de Julho, o 1.º Aviso do PAE+S 2023. No entanto, para dar resposta aos “principais desafios” identificados na análise dos resultados obtidos na segunda fase do Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis (PAE+S II), foram introduzidas algumas novidades neste apoio mais recente.
Com 30 milhões de euros disponíveis numa primeira fase de candidaturas, cujo período de candidaturas começou no dia 16 de Agosto e terminou no dia 31 de Outubro de 2023, o PAE+S 2023 assumiu um sistema de majorações para promover uma maior diversificação geográfica dos investimentos, uma maior adopção de medidas passivas e uma maior implementação de medidas em edifícios multifamiliares. Terá sido bem sucedido? E o que pensam algumas associações do sector sobre este apoio?
LISBOA E PORTO LIDERAM, TAL COMO MEDIDAS ACTIVAS
De acordo com dados disponibilizados pelo Fundo Ambiental à data de 29 de Dezembro de 2023, a primeira fase do PAE+S 2023 terminou com 78 868 candidaturas submetidas. Dessas (Tabela 1), 14,4 % correspondem a pedidos relativos ao distrito de Lisboa e 13,9 % a candidaturas respeitantes ao distrito do Porto, seguindo-se os distritos de Braga (11 %) e de Aveiro (8,4 %). No total, os quatro são responsáveis por quase metade das candidaturas, sendo que só a combinação dos distritos de Lisboa e Porto ultrapassa um quinto das submissões. Do outro lado do espectro, as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, bem como os distritos de Beja, Portalegre e Évora, contemplam menos de 2 % das candidaturas cada.
Em relação ao PAE+S II, o cenário do PAE+S 2023 não é muito diferente, embora tenha conseguido diminuir o peso de Lisboa no total de candidaturas e aumentar o peso de outras regiões como a dos Açores. Relativamente à tipologia de candidaturas submetidas (Tabela 2), os dados avançados pelo Fundo Ambiental permitem fazer um retrato que parece continuar a dar preponderância às medidas activas. Talvez até mais do que antes. As tipologias 3 – Sistemas e Equipamentos Eficientes e 4 – Painéis Fotovoltaicos do PAE+S 2023 agregam 80,2 % da procura, quando antes as tipologias correspondentes incluíram cerca de 70,5 % (isto considerando as candidaturas submetidas no PAE+S II; considerando apenas as elegíveis este valor sobe para 73,6 %). Em detalhe, a tipologia 3 (onde se enquadram bombas de calor, equipamentos de ar condicionado, sistemas solares térmicos, bem como caldeiras e recuperadores a biomassa) foi a que arrecadou o maior número de candidaturas submetidas – mais de 36,5 mil, o correspondente a 46,8 %. Já a tipologia 4 (que diz respeito aos sistema solares fotovoltaicos com ou sem armazenamento) reuniu mais de 26 mil candidaturas submetidas (33,4 %).
A componente dedicada à substituição de janelas não eficientes por janelas de classe energética igual a A+ (tipologia 1) mantém a terceira posição em termos de procura. Em particular, foram submetidas 13 899 candidaturas no âmbito desta tipologia (17,8 %). As medidas relativas aos isolamentos térmicos e as intervenções que visam a eficiência hídrica aparecem, no PAE+S 2023, com menos candidaturas, pouco mais de mil (1,5 %) e quase 400 (0,5 %), respectivamente. Quanto ao número de candidaturas respeitantes a edifícios multifamiliares, cuja inclusão constitui uma novidade introduzida pelo programa, o Fundo Ambiental não avançou quaisquer dados. De acordo com o quadro em tempo real disponibilizado no website desta mesma entidade, sabe-se ainda que houve mais cerca de 12 mil candidaturas que ficaram apenas na fase de “em preenchimento” e quase três mil desistências. Fica agora por saber quais das mais de 78 mil candidaturas submetidas serão consideradas elegíveis pelo Fundo Ambiental. As que transitarem para o grupo de candidaturas elegíveis irão beneficiar de um apoio máximo de 7 500 euros por edifício ou fracção autónoma alvo de intervenções.
Recorde-se que a expectativa deste programa é de que as intervenções no edificado dos beneficiários resultem, em média, numa redução do consumo de energia primária de pelo menos 30 %. O PAE+S 2023 tem uma verba total prevista de 100 milhões de euros e decorre do investimento TC-C13-i01 – Eficiência Energética dos Edifícios Residenciais, inserido no Plano de Recuperação e Resiliência.
FALTA MAIS PLANEAMENTO, CRITICA ANFAJE
A existência de programas de apoio à eficiência energética nos edifícios tem sido bem recebida pela ANFAJE – Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes, que caracteriza o PAE+S II como um “sucesso” e reforça que o PAE+S 2023 “é importante”. Não obstante esse balanço positivo, a associação tem vindo também a alertar para uma “falta de planeamento dos programas” que “pode comprometer os objectivos”. As palavras são do presidente da ANFAJE, João Ferreira Gomes, pronunciadas em Julho em resposta ao anúncio do lançamento do PAE+S 2023. Em comunicado, o dirigente explicou que a indefinição de períodos temporais para a publicação deste tipo de apoios “origina picos de procura totalmente imprevisíveis, gera falta de credibilidade junto dos portugueses, e torna difícil para as empresas a definição de uma estratégia de planeamento atempada, rigorosa e que corresponda às exigências de prazos de produção, fornecimento e instalação de todas as obras de janelas eficientes”.
A par disto, a ANFAJE também apontou críticas à própria altura de lançamento e abertura do programa – um período tipicamente de férias, com condicionamentos na disponibilidade das pessoas e empresas – e ao curto período para as candidaturas. “Sendo as janelas um produto de construção fabricado à medida de cada habitação, e estando as empresas em período de férias, como será possível responder a orçamentos, fabricar e instalar janelas em dois meses?”, questionou, na altura, João Ferreira Gomes. Questionada recentemente sobre este tema, a ANFAJE diz manter a sua posição em favor de um maior planeamento e de uma estratégia antecipada de comunicação, fixando e divulgando datas previstas de abertura e encerramento e envolvendo as associações e empresas do sector. Reforça também que os programas devem ter uma duração mais longa. “Três meses é pouco para uma empresa avaliar e dar um orçamento, para o cliente decidir, e para se fabricar e instalar a janela”, refere a associação, que adianta ter havido “muita procura por parte do cliente particular” quanto a este produto que “não é de stock”. Além disto, a ANFAJE defende ainda a existência de benefícios fiscais, em sede de IRS, para quem investe no conforto e na eficiência energética da sua habitação.
APIRAC APELA À INCLUSÃO DE MEDIDAS PARA RENOVAÇÃO DO AR
“[O PAE+S 2023] potencia o alcance de múltiplos objectivos”, que, em última análise, pretendem contribuir para edifícios mais confortáveis, saudáveis, duráveis, resilientes e para uma redução das facturas energéticas, da dependência energética do país e das emissões de gases com efeito de estufa, elenca Nuno Roque, secretário-geral da APIRAC – Associação Portuguesa das Empresas dos Sectores Térmico, Energético, Electrónico e do Ambiente, num comentário dirigido à Edifícios e Energia. É neste contexto que, na visão do representante e da APIRAC, se torna importante abordar a qualidade do ar interior (QAI) como um dos objectivos “definidos como estratégicos” graças aos “benefícios inegáveis para a saúde e para a extensão da vida útil dos edifícios”, e a renovação do ar como uma questão “de valor complementar inestimável [em relação] a outras soluções adoptadas pelo PAE+S 2023”. Isto porque, justifica, as tipologias relativas aos isolamentos e às janelas eficientes “tornam os edifícios estanques”.
A questão da ventilação “é muitas vezes ignorada ou mal compreendida – e normalmente só nos apercebemos [disso] quando há um problema”, lamenta Nuno Roque, acrescentando que o “actual enfoque nos custos energéticos” pode agravar esta situação. Esta é uma das principais críticas que a APIRAC tem em relação ao PAE+S 2023, razão por que decidiu endereçar à secretaria de Estado da Energia e Clima e ao Fundo Ambiental um apelo para que a ventilação seja considerada uma das tipologias em futuras fases do programa. Lembrando que uma boa ventilação que utilize tecnologia faz o equilíbrio entre “qualidade do ar, utilização de energia e conforto”, “a APIRAC insta o Governo e o Fundo Ambiental a internalizarem as virtualidades da ventilação para a melhoria da eficiência energética dos edifícios”, reitera Nuno Roque, colocando a tónica nos sistemas que possibilitem a recuperação de calor para eliminar eventuais perdas térmicas e evitar consumos energéticos desnecessários. “A ventilação com recuperação de calor revela-se um meio essencial para contribuir de modo evidente no sentido da concretização dos propósitos definidos. Ora, considerando que nas habitações a transmissão de calor devido à ventilação pode ser responsável por mais de 50 % das perdas térmicas no Inverno, a adopção de sistemas de ventilação com recuperação de calor, em particular com free-cooling, permite reduzir necessidades de aquecimento e arrefecimento”, elabora.
É PRECISO APOIAR MAIS A EFICIÊNCIA HÍDRICA, DEFENDE ANQIP
Como é que o PAE+S 2023 encara a eficiência hídrica? Para a ANQIP – Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações Prediais, que tem este desígnio no centro da sua acção desde 2005, o programa “apoiou esse desiderato, embora de forma débil”, o que, comenta Armando Silva Afonso, presidente da direcção, não é novidade e reflecte o facto de “a Comissão Europeia priorizar as questões energéticas e, na prática, não ser sensível aos graves problemas dos países do Sul no que se refere à água”, bem como o de “Portugal só contemplar este tipo de apoios quando são suportados por fundos europeus”. “A eficiência hídrica tem sido encarada nestes programas apenas como complemento da eficiência energética, recorrendo ao nexus água-energia, quando, na realidade, pode e deve ir muito além desta perspectiva.” Mas, para isso, argumenta o representante, é preciso ter “regulamentação actualizada (a revisão do actual Regulamento Geral de Águas e Esgotos, contemplando um capítulo específico sobre eficiência hídrica em edifícios, foi iniciada em 2012 e aguarda publicação desde 2018…)” e ter a “capacidade para defender na Europa, em particular no que respeita aos fundos europeus, uma afectação mais de acordo com a realidade e as necessidades de cada país”.
“Há vários anos que se aguarda por um Voluntary Agreement para a adopção de uma etiqueta europeia unificada de eficiência hídrica para produtos sanitários, enquanto a etiqueta obrigatória de energia já existe há 30 anos e continua a evoluir com novas versões e actualizações”, ilustra Armando Silva Afonso. Apesar disto, o responsável salienta que Portugal tem “liderado a resposta aos problemas da eficiência hídrica em edifícios na Europa, um capital que tem sido desaproveitado face às necessidades do país”.
“Fomos um dos primeiros países a terem rotulagem de eficiência hídrica de produtos (voluntária), um dos primeiros a terem especificações para o aproveitamento de águas pluviais em edifícios e o primeiro a ter especificações para a reutilização predial de água e para a certificação técnico-sanitária destes sistemas (recomendada pela Comissão Europeia)”, realça.
CRITÉRIOS DEVEM FAVORECER SUSTENTABILIDADE E NÃO SÓ EFICIÊNCIA, ALERTA APAL
Nos isolamentos, os materiais utilizados determinam a taxa de comparticipação a atribuir – 85 % quando se recorre a materiais de base natural (ecomateriais) ou que incorporem materiais reciclados e 65 % nos restantes casos. Na visão da APAL – Associação Portuguesa de Alumínio, esta majoração de financiamento dos materiais é “desajustada” ao não considerar “a composição do produto subsidiado e a sua reciclabilidade” e ao não ser aplicada a outras tipologias de intervenção. “Tendo como base a descarbonização da sociedade e o fechar dos ciclos [na economia circular], todos os materiais devem ter uma solução de final de vida”, afirma Rui Abreu. E, nesse caminho que passa por “saber aproveitar melhor os recursos”, o presidente da APAL vinca que “a reciclabilidade é o [caminho] mais lógico e mais inteligente”.
“Quando se faz um programa chamado Edifícios Mais Sustentáveis [2023], que tem em vista metas de descarbonização, é preciso pensar nestas coisas, [pensar] um bocadinho mais à frente”, começando já a “preparar o futuro”, destaca. Na prática, aquilo que a APAL defende é a implementação de um critério de majoração para promover incentivos fiscais que favoreçam “materiais ecológicos e não apenas eficientes energeticamente”. Esperando ver isso já numa segunda fase do PAE+S 2023, a APAL sugere que esse critério se baseie nos seguintes aspectos: composição dos materiais, focando materiais não derivados de petróleo; natureza alinhada com a economia circular; características do material reciclado que permitam optimizar recursos, processos industriais; existência de um ciclo de vida do produto completo localmente. No caso do alumínio, exemplifica a associação, é possível reduzir o consumo eléctrico em cerca de 95 % por cada tonelada de alumínio reciclado e é possível gerir todo o ciclo de vida do material dentro do país, que tem tecido produtivo para isso, contributos que, continua a APAL, são descartados se se considerar apenas a eficiência energética na caixilharia das janelas, por exemplo. “Há uma pressão para a sustentabilidade dos materiais e dos processos. E não somos só nós, no alumínio, a procurar dar resposta. Isto acontece noutros materiais também”, pelo que se deve reconhecer e fomentar isso, conclui Rui Abreu.