Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2025 da Edifícios e Energia.

O edifício zero emissões, ou edifício emissões zero, é uma estrutura projetada e construída de modo a não libertar gases de efeito estufa na atmosfera, tanto durante a construção quanto no decorrer das operações diárias, nomeadamente, aquecimento, arrefecimento, iluminação e consumo de energia.

Este tipo de edifício realiza um balanço de carbono neutro através de várias estratégias e tecnologias avançadas. Os edifícios zero emissões são parte essencial dos esforços de uma resposta às alterações climáticas, contribuindo para um futuro mais sustentável e para a redução da pegada de carbono do setor da construção, que é uma das indústrias mais poluentes do mundo. Além disso, promovem economia de longo prazo e criam ambientes mais saudáveis e confortáveis para os ocupantes.

A equipa de projeto, para satisfação de todos os requisitos, deverá obrigatoriamente ter composição multidisciplinar dotada de múltiplas valências.

A INEVITABILIDADE DE UM COMPROMISSO MULTIGERACIONAL

Digamos que o futuro já começou, pelo que durante os processos de construção ou renovação teremos inevitavelmente de recorrer a materiais de base natural, eco-materiais, ou fabricos que incorporem materiais reciclados. Todos devemos sentir-nos convocados para uma alteração importante de comportamentos, mas a nossa contribuição individual será sempre modesta, e as pequenas mudanças, marginais e reativas, não serão suficientes. Meias medidas já não são uma opção. As nossas ações de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas. É, pois, tempo de agir!

UM NOVO PARADIGMA OU UM NOVO MODO DE PENSAR OS EDIFÍCIOS

As alterações estão a afetar os edifícios, à medida que muitas organizações públicas e corporativas, países e regiões estabelecem metas para alcançar a neutralidade de carbono em 2050 (1). Os proprietários estão a desenvolver esforços mais concertados de modo a mudar substancialmente os seus edifícios, e as empresas de projeto e construção de edifícios vão sendo cada vez mais solicitadas a oferecer planos e estratégias para reduzir ou eliminar o consumo de carbono (descarbonizar).

A pegada de carbono de uma organização constitui-se como uma ferramenta com uma dupla finalidade: reduzir os custos provocados pela iluminação, climatização, arrefecimento e aquecimento e transportes e, por outro lado, contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e para uma maiorconsciencialização do meio ambiente.

A descarbonização não é só energia. É muito mais do que isso, deve incluir carbono incorporado, fluidos, transportes, eletrificação, rede e sequestro.

A CONVERGÊNCIA PARA A SUSTENTABILIDADE

A arquitetura e as engenharias, bem como as organizações públicas e corporativas, não poderão ter uma visão estritamente focada na resolução de problemas técnicos e económicos stricto sensu. Deverão ter uma consciência e atitudes mais abrangentes, promovendo a sustentabilidade nas suas múltiplas vertentes: social, económica e ambiental.

Temos ao nosso dispor, cada vez mais, uma vasta gama de tecnologias, no entanto, a complexidade das suas interações envolve-nos quase sempre em tarefas muito complexas, obrigando-nos a efetuar várias abordagens, ponderar múltiplas soluções e operacionalizar várias estratégias de modo a atingirmos os desígnios anteriormente propostos, satisfazendo em cada etapa os respetivos requisitos e navegando numa cadeia lógica de valores que nos façam convergir para a sustentabilidade, proporcionando desenvolvimento que assegure as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras.

CARACTERÍSTICAS DE UM EDIFÍCIO ZERO EMISSÕES

Algumas das características principais incluem:

Eficiência Energética: Uso de técnicas e materiais de construção que minimizam o consumo de energia, como isolamento térmico avançado, janelas de alta eficiência e sistemas de iluminação LED.

Energias Renováveis: Integração de fontes de energia renováveis, como painéis solares, turbinas eólicas ou aquecimento geotérmico, para gerar a energia necessária.

Redução de emissões indiretas: Compra de energia de redes que utilizam fontes renováveis. Minimiza o impacte ambiental nos processos de construção e nos materiais utilizados.

Gestão da Água: Sistemas de gestão e reutilização da água, como coleta de água da chuva e reciclagem de água cinzenta, para reduzir desperdícios.

Gestão de Recursos: Integração de sistemas instantâneos de recuperação de calor de águas residuais como, por exemplo, (WWHRS) em edifícios novos e existentes. Os WWHRS (Waste Water Heat Recovery for Showers) funcionam com base no princípio da regeneração de energia. Isto significa que podem recuperar o calor da água de drenagem e transferi-lo para a água fria de entrada. Este processo permite uma poupança substancial de energia, mantendo o conforto do utilizador, assegurando que a temperatura e o caudal no chuveiro permanecem constantes e satisfatórios. O seu funcionamento não compromete a qualidade da experiência do utilizador.

Materiais Sustentáveis: Utilização de materiais de construção sustentáveis, reciclados ou de baixo impacte ambiental.

Projeto Passivo: Design que utiliza recursos naturais como a luz solar e ventilação natural para reduzir a necessidade de aquecimento, arrefecimento e iluminação artificial.

Sistemas de Automação: Tecnologia de automação para monitorizar e otimizar o uso de energia, água e outros recursos, garantindo uma operação eficiente.

Compensação de emissões: Caso ainda haja emissões inevitáveis, como aquelas provenientes de materiais de construção, o edifício pode investir em projetos de compensação, como reflorestamento ou iniciativas de captura de carbono.

ALGUNS TERMOS E DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS QUE IMPORTARÁ RETER

Métrica de Carbono: Uma medida normalizada das emissões de equivalente dióxido de carbono (CO2e) para os gases com efeito de estufa.

Dióxido de Carbono Equivalente (CO2e): Medida utilizada para comparar o impacto de vários gases com efeito de estufa com base no seu potencial de aquecimento global (PAG) no horizonte temporal de 100 anos. O CO2e aproxima-se do efeito de aquecimento integrado no tempo de uma unidade de massa de um dado gás com efeito de estufa em relação ao do dióxido de carbono (CO2).

Potencial de Aquecimento Global (PAG): Um índice para estimar a contribuição relativa para o aquecimento global das emissões atmosféricas de um determinado gás com efeito de estufa em comparação com as emissões de uma massa igual de dióxido de carbono (CO2).

Emissões operacionais: De CO2e durante a utilização normal de um edifício durante a sua vida útil.

Carbono Incorporado: Todo o CO2e emitido na produção de materiais é estimado a partir da energia utilizada para extrair e transportar matérias-primas, bem como das emissões dos processos de fabrico. O carbono incorporado de um edifício inclui todas as emissões dos materiais de construção, do processo de construção, de todos os acessórios no seu interior, bem como da sua desconstrução e eliminação no final da sua vida útil.

Fim da vida útil: Emissões de CO2e para desmantelar o edifício no seu fim de vida útil.

Emissões diretas: Emissões de gases com efeito de estufa (GEE) provenientes de fontes detidas ou controladas pela entidade declarante (principalmente provenientes da combustão no local de combustíveis fósseis).

Emissões indiretas: Emissões de gases com efeito de estufa devidas às atividades da entidade declarante, mas que ocorrem em fontes detidas ou controladas por outra entidade (principalmente a partir de eletricidade gerada fora do local para alimentar edifícios).

Avaliação do Ciclo de Vida (ACV): Metodologia para avaliar os impactes ambientais associados a todas as fases do ciclo de vida de um produto, processo ou serviço comercial.

Declaração Ambiental do Produto (EPD): Um documento verificado e registado de forma independente que comunica informações transparentes e comparáveis sobre o impacte ambiental do ciclo de vida dos produtos, a fim de permitir comparações entre produtos que cumprem a mesma função.

Eletrificação: A eletrificação de edifícios refere-se à substituição do uso direto de combustíveis fósseis (por exemplo, gás natural, propano, gasóleo para aquecimento) pelo uso de eletricidade de uma forma que reduz as emissões gerais e, ao mesmo tempo, reduz outros poluentes atmosféricos.

Normas de desempenho dos edifícios (BPS): Uma política que exige que os proprietários de edifícios cumpram os objetivos de desempenho, melhorando ativamente os seus edifícios ao longo do tempo. Estes podem incluir objetivos em matéria de energia ou de emissões que os edifícios devem cumprir para melhorar a eficiência energética e reduzir os impactes climáticos.

Captura e armazenamento de carbono (CAC): Processo que captura o dióxido de carbono emitido, transporta-o para o local de armazenamento e deposita-o de forma a não entrar na atmosfera. Envolve a captura, o transporte e o depósito dos gases com efeito de estufa (GEE) emitidos pelas centrais elétricas e indústrias alimentadas.

Sequestro de carbono no local: Processo de captura e armazenamento a longo prazo de dióxido de carbono no local para evitar que ele entre na atmosfera. Isso permite a estabilização do carbono em formas sólidas e dissolvidas para evitar o aumento da temperatura da atmosfera.

TENDO EM VISTA A AVALIAÇÃO FINAL

Para a avaliação final, especialistas recomendam o uso de uma métrica de carbono (CO2e) em cada projeto para ajudar os proprietários e as equipas de projeto a entender os impactos de carbono das decisões de projeto. O uso da avaliação do ciclo de vida de todo o carbono (ACV) em projetos permitirá que proprietários e equipas de projeto tomem decisões informadas sobre compensações entre carbono incorporado e operacional para novos projetos de construção. A equipa de projeto para satisfação de todos os requisitos deverá obrigatoriamente ter composição multidisciplinar dotada de múltiplas valências.

TRABALHAR NA INCERTEZA COM CONFIANÇA

Horas depois de ter tomado posse, o Presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que determina que os Estados Unidos se retirem do histórico acordo climático de Paris. Trump também assinou uma carta às Nações Unidas, indicando a sua intenção de se retirar do acordo de 2015, que permite às nações estabelecer objetivos para reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa provenientes da queima de carvão, petróleo e gás natural. Esses objetivos tornar-se-ão mais rigorosos ao longo do tempo, com os países a enfrentarem um prazo até fevereiro de 2025 para apresentarem novos planos individuais.

Em contraponto com o que acima é referido, ainda há esperança, pois as tecnologias verdes lideram as prioridades dos investimentos em sustentabilidade em 2025, segundo nos revela o Research Institute da Capgemini, que acaba de lançar um estudo (2) (3) (4) que revela que, “não obstante continuarmos a viver num ambiente de mercado dominado por um sentimento de incerteza permanente, os líderes empresariais estão mais otimistas no que diz respeito às perspetivas das suas empresas para 2025. Este otimismo, apesar de a contenção de custos se afirmar como um imperativo, está a impulsionar um aumento do investimento, nomeadamente na experiência do cliente, nas cadeias de abastecimento e na sustentabilidade, para permitir mais inovação, eficiência, competitividade e o reforço dos níveis de resiliência”.

Permitimo-nos assim concluir que, em 2025, o desenvolvimento de talentos e a sustentabilidade também se posicionam como prioridades essenciais para as organizações enfrentarem os desafios globais. A sustentabilidade é, pois, encarada como um conceito global, configurando uma visão holística que integra um conjunto de ações que ajudarão as organizações a encontrar seguramente o caminho para o futuro. Neste momento, reconhecemos que existe em grande parte um enorme défice de competências verdes no mercado para garantir a transição necessária, mas isso poderá e deverá ser aproveitado pelas organizações para dotar os seus colaboradores de novas competências, enquanto atraem e desenvolvem talento. Haja esperança!

Notas:

[1] Para mais informação consultar: ROTEIRO PARA A NEUTRALIDADE CARBÓNICA2050 (RNC2050)
ESTRATÉGIA DE LONGO PRAZO PARA NEUTRALIDADE CARBÓNICA DA ECONOMIA PORTUGUESA EM 2050. https://apambiente.pt/clima/roteiro-para-neutralidade-carbonica-2050

(2) Para mais informação consultar: “Navigating uncertainty with confidence – Investment priorities for 2025”, Capgemini Research Institute.

(3) https://greensavers.sapo.pt/tecnologias-verdes-lideram-prioridades-dos-investimentos-em-sustentabilidade-em-2025/?utm_source=e-

(4) O estudo está disponível em: https://www.capgemini.com/insights/research-library/investment-trends-2025

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.

Fotografia de destaque: © Shutterstock