Para José Luís Alexandre, aquilo que a Direcção-Geral de Saúde (DGS) fez num primeiro momento foi “uma calamidade, um horror”. E esta situação acabou “por expor a falta de qualidade dos nossos edifícios ao nível do ar condicionado”. Para este docente do DEMec – Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, “o problema maior não está na ‘pureza’ do ar, mas no seu trajecto”.

Como vê estas últimas recomendações da DGS para o AVAC?

As recomendações para o sector estão em linha com a forma como a DGS sempre lidou com esta pandemia. Nunca houve uma postura objectiva em todas as áreas em que a DGS tinha de emitir opinião.

A DGS não se reuniu com os especialistas que seriam eventualmente importantes logo no início?

Se o fez, fê-lo tarde. Tivemos um primeiro ensaio com o caso recente da Legionella, uma situação de saúde pública, embora em menor escala, gerido pelas mesmas entidades e que teve, na altura, consequências muito deletérias. Por aí, poderíamos inferir que, numa situação mais complexa, os efeitos colaterais seriam dramaticamente piores, o que, infelizmente, acabou por se verificar. Ainda é difícil entender as três comunicações que a DGS fez, no âmbito da climatização e da QAI (Qualidade do Ar Interior), das quais só a terceira se verificou correcta.

A primeira comunicação foi uma calamidade, um horror! Definitivamente, aquilo não podia ter sido escrito, e não o foi, de certeza, por alguém que percebesse minimamente do assunto. O documento começava por recomendar que os equipamentos de ar condicionado (AC) se mantivessem desligados por causa do movimento do ar – os equipamentos contribuíam para a contaminação. Dito desta forma, poderia dar a ideia de que o AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) era uma ameaça.

A segunda comunicação dava a entender que era uma correcção em relação à anterior, mas, ainda assim, com alguns aspectos dúbios, apesar de várias entidades especializadas terem sido consultadas. No entanto, a especialização de climatização parece inexistente, pelo menos, não aparece de forma explicita, o que é pena, pois é a que melhor está posicionada para dar respostas objectivas sobre esta matéria. Em algumas instituições hospitalares apareceram técnicos de manutenção a emitir opiniões com regras de funcionamento dos sistemas, em que ordenavam que se desligasse o ar condicionado. Nem quero imaginar o que aconteceria se isso fosse seguido à risca nos blocos operatórios…

E não só nos hospitais.

Esta situação verificou-se na generalidade dos espaços fechados de acesso público. As forças policiais e a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), aparentemente, tinham ordens muito claras para que as pessoas desligassem os equipamentos de AC nestes espaços abertos ao público. Eu tive essa mesma experiência algumas vezes dentro de espaços de restauração, onde me informavam que não se podia ligar o AC porque as autoridades não o permitiam. Agora, imagine-se no interior Norte, um caso concreto, num centro de saúde com uma exposição solar máxima às 14h, quando se atingem 40 graus no exterior e sem AC ligado… Desligar os sistemas AC até poderia ter lógica em alguns casos, onde a recirculação é de 100 %. Essas, no fundo, são as recomendações da ASHRAE para mitigar a propagação da Covid-19, isto é, evitar a recirculação, introduzir ar novo nos espaços, ventilar e arejar. Infelizmente, existem muitos espaços onde isso não acontece. Esta situação acaba por expor a falta de qualidade dos nossos edifícios ao nível do AC. Quando falamos na generalidade das soluções com recirculação, estamos a evidenciar a idiotice do que se andou a fazer nos últimos anos nesta matéria. Hoje, temos massivamente equipamentos que só fazem recirculação nos edifícios de pequena e média dimensão.

Está a falar de que tipo de espaços ou edifícios?

Infelizmente, esta “doença” espalha-se pela generalidade dos edifícios de serviços. Note-se que já começam a proliferar até nas instalações hospitalares. Há hospitais onde existem zonas inundadas de splits, multisplits e VRF’s, onde praticamente só se faz recirculação e arrefecimento do ar. Ora, esses espaços têm um grau acrescido de perigosidade de disseminação de doenças infectocontagiosas.

Nos edifícios de serviços será mesmo assim?

Os edifícios de serviços de pequena e média dimensão estão quase todos nas mesmas condições. E no caso concreto dos hotéis de média dimensão e espaços de hotelaria que hoje inundam os grandes centros urbanos. Claro que a maioria dos escritórios também funciona assim, infelizmente.

Os espaços maiores têm sistemas centralizados de ar condicionado e ventilação.

Nesses sim, os sistemas de climatização assumem o seu verdadeiro nome de sistemas de climatização. Hoje, os sistemas de AVAC nos grandes edifícios são instalações para áreas superiores a 5000 m2. Existem excepções, e ainda bem, mas são cada vez mais escassas. Nos edifícios de menor dimensão, hoje, não se faz projecto de AC. Instalam-se VRF’s e splits em que é o próprio representante de equipamento, ou distribuidor nacional, que faz o “projecto de AVAC”. Obviamente que estou a generalizar, mas é um padrão que cada vez mais se afirma no mercado nacional.

Os VRF’s fazem introdução de ar novo nos espaços.

Sim, é um facto, mas numa quantidade muito reduzida. Por exemplo, se for necessário garantir tudo com ar novo numa instalação, tal como refere a última orientação da DGS, estes sistemas colapsam. Isso acontece em resultado do facilitismo na área do AVAC que vem a acontecer nos últimos anos, desde que a legislação de 2013 entrou em vigor. Antes havia uma maior exigência, talvez exagerada, que foi demasiado “relaxada” nesta última revisão, o que acabou por ter consequências. O resultado prático são edifícios doentes, em que os utilizadores cada vez mais sofrem de alergias e problemas respiratórios. Isto porque os sistemas de recirculação são cada vez mais frequentes e predominantes em detrimento dos sistemas que permitem insuflação de grandes taxas de ar novo. Nos novos sistemas mais frequentes, a introdução de ar novo é feita com uma taxa reduzidíssima. Estes sistemas de climatização em funcionamento nestas condições, sem recircular, não conseguem cobrir as necessidades de climatização do espaço. Isto porque as taxas de ventilação e as potências térmicas disponíveis são diminutas e, portanto, não conseguem remover as cargas térmicas dos espaços. Esse é o primeiro problema, ao que acresce o da QAI.

Voltando à segunda orientação da DGS.

A segunda correcção da DGS, que já incluía alguns contributos de entidades externas, tais como a Ordem dos Engenheiros e outros especialistas, diz-nos algo menos gravoso. Diz-nos que se pode ligar o ar condicionado desde que não se faça recirculação do ar e se introduza ar novo. A troca de calor entre a entrada e a saída far-se-á se os sistemas garantirem essa necessidade. No caso dos equipamentos que apenas fazem recirculação, é recomendado que sejam ligados intermitentemente para arrefecer os espaços e abrir as janelas. Mas já está quase tudo nas orientações técnicas da ASHRAE relativas à Covid-19, bastava adaptá-las. Há ainda questões relativas à manutenção, mas de uma forma pouco clara.

E na última versão, a terceira?

Procurou-se reforçar o que estava escrito antes, aparentemente de uma forma mais ajustada.

Esta última contempla a existência dos aerossóis, o que vem mudar muita coisa em termos da QAI.

Essa questão é fantástica. Será que se está a referir à acção de fechar as tampas das bacias da retrete? Segundo a DGS, no acto das descargas há formação de gotículas (aerossóis) que, como são mais densos do que o ar, “voam” e vão ser inalados pelos utentes. Para tal, das duas uma, ou existe um turbilhão de ar que se desloca no sentido piso/tecto, ou existem forças ascendentes ocultas que provocam a deslocação das partículas desde a zona de descarga até às vias respiratórias dos utentes! Só há meia dúzia de equipamentos de AVAC que conseguem formar os aerossóis de uma forma natural: num spray de uma torre evaporativa, que é o clássico, numa fonte pública, claro que também podem aparecer nos chuveiros das instalações sanitárias.

“Quando falamos na generalidade das soluções com recirculação, estamos a evidenciar a idiotice do que se andou a fazer nos últimos anos nesta matéria. Hoje temos massivamente equipamentos que só fazem recirculação nos edifícios de pequena e média dimensão.”

Mas estamos a falar no fluxo do ar e em trocas entre emissores infectados e não infectados. Não estamos a falar de fontes de contaminação que se desenvolvem nos equipamentos.

Ah! Estamos a falar desses casos. Curioso, não encontro nada relativo a aerossóis na orientação da DGS, pelo menos, de forma explícita. Claro que se fala das diferenças de pressão entre zonas de infectocontagiosas e as outras, de onde resulta o clássico quarto (ou zona) em pressão negativa. Nestes casos, diria que existem diferenciais de pressão para forçar o escoamento de uma zona para outra. A referência a pressões negativas pode levar as pessoas a pensar que temos pressões inferiores à pressão da atmosfera, o que é errado. O que temos são gradientes de pressões entre zonas que devem ser respeitadas, rigorosamente. Há casos em que temos uma cascata de pressões diferenciais para obrigar o ar a circular num dado sentido e, nestes casos, qual é a pressão negativa? Veja-se o caso das instalações sanitárias e dos corredores que lhes são adjacentes, onde existe um gradiente de pressão para eliminar a migração de odores e não chamamos de zona em pressão negativa. Mas a existência de gradientes de pressão não me parece que seja única e exclusivamente por causa dos aerossóis, trata-se da migração de vírus, bactérias, etc., que são arrastados pelo fluxo de ar entre diferentes zonas. Parece-me que se refere aos aerossóis resultantes dos espirros…

Ou da tosse, da respiração. Produzimos aerossóis ou gotículas nessas condições.

Claro que sim, nestas situações há formações de aerossóis, obviamente. A DGS recomenda a utilização, na minha opinião, excessiva, de filtros Hepa (H12 e H13). Hoje tenho dúvidas sobre a necessidade de existir filtro Hepa nas exaustões das zonas contaminadas quando este ar é “despejado” a distâncias de segurança e fora das admissões. Por sistema, o ar exaurido desses espaços é libertado com afastamento suficiente que não permita a reentrada nas zonas de admissões de ar novo. Neste caso, parece que houve outro exagero na distância entre a saída do ar e a admissão, sem que exista qualquer base científica para o efeito. O afastamento entre a admissão e exaustão (segundo a DGS) deverá ser de 10 metros – ou será 10 ft (feet)? É o mesmo número que a ASHRAE recomenda só que em ft, que é aproximadamente 3 m. O afastamento maior que a norma 62 da ASHRAE recomenda é de 7,5 m (25 ft.), fica a nota.

De uma forma geral, a DGS centra a questão da disseminação do vírus SARS-CoV-2 na “pureza” do ar, ou seja, na filtragem e na introdução de ar o mais puro possível. A questão é como se pode instalar filtros Hepa em espaços onde nada foi previamente previsto para o efeito? As implicações são enormes, quer ao nível de instalações mecânicas, quer ao nível dos consumos energéticos.

De recordar que, se uma instalação não está preparada para a incorporação de um filtro Hepa, a sua inclusão origina velocidades de escoamento reduzidíssimas. Se tal acontecer, põe em risco o funcionamento correcto dos filtros Hepa. De notar que o vírus tem uma dimensão que varia entre 0,06 a 0,14 μm. Os filtros Hepa (H13 – H14) filtram partículas com dimensão de 0,3 μm a 0,1 μm. Para serem eficientes na retenção de micropartículas (dimensão < 0,1 μm), os filtros funcionam por difusão, onde a velocidade de escoamento é vital, logo é fácil entender o que pode acontecer. Ainda há a questão da recuperação de energia, que me parece mal explicada e pouco assertiva. A sensação que fica é a de que um permutador de placas é menos eficiente na contenção do vírus do que um permutador rotativo – nada mais errado. Sou da opinião de que o problema maior não está na “pureza” do ar, mas no trajecto que ele percorre desde a sua entrada no espaço até à sua saída.

O fluxo do ar importa em termos de contaminação…

O único problema que temos neste caso chama-se distribuição de ar, mais nada! O aerossol não é mais do que uma partícula, que pode ser um contaminante, como é o caso. A mecânica de fluidos clássica é pragmática quanto ao fluxo do ar e o transporte de partículas, que resulta do efeito de atrito, quando estas se encontram em suspensão no ar. As partículas movimentam-se facilmente de uma zona para outra, basta que existam em suspensão e a velocidade do ar seja suficiente para as transportar/arrastar. Os sistemas de AC podem ser um excelente e eficaz meio de prevenção ou o diametralmente oposto. Tudo depende da forma como se processa a distribuição de ar nos espaços, ou seja, do trajecto do ar. Vejamos um mau exemplo: um espaço, em forma de paralelepípedo, em que os sistemas de admissão são feitos num dos topos e, no oposto, é feita a extracção.

Neste caso, se existir um indivíduo contaminado, a espirrar a tossir, etc., junto à admissão e, atrás dele (no sentido do escoamento), estiverem indivíduos saudáveis, vai acontecer a contaminação. Podemos ter o ar mais puro e filtrado que conseguirmos, e, neste caso, o afastamento recomendado não tem qualquer importância. Os indivíduos na zona de escoamento vão ficar contaminados, ponto. E um bom exemplo onde não é preciso falar é nos blocos operatórios, que todos sabem que funcionam bem. O mesmo caso anterior, com a mesma população, mas no qual a injecção de ar é feita no tecto a baixa velocidade (redução de efeito de arrasto), a exaustão junto ao chão e a distribuição pela periferia. Neste caso, a poluição emitida pelo tal indivíduo é praticamente anulada, porque o trajecto do ar pode ser feito junto ao indivíduo, encaminhando rapidamente as partículas (vírus) para as zonas baixas e exaurido. A estratégia sugerida pela ASHRAE para as salas de isolamento com contaminantes diz-nos que o ar novo é admitido longe das camas dos pacientes e as exaustões são feitas simetricamente na cabeceira do indivíduo doente. Desta forma, remove o poluente junto à fonte emissora e protege a equipa médica de ficar em contacto com o vírus. O trajecto do ar é que é importante, quer se introduza ar novo, quer se recircule o ar com filtragem – é neste fluxo que nos devemos preocupar.

Como vê a estratégia da abertura de janelas?

O mesmo que referi anteriormente, as janelas funcionam como os sistemas de ventilação, mas naturais. Entrada de ar novo e saída sem filtragem. Se imaginar o primeiro exemplo dado, em que há uma janela no topo da sala e outra no extremo oposto, vamos ter o mesmo resultado no final. Pensando melhor, talvez neste caso fosse melhor nem ter janelas abertas.

Aquilo que está definido para os caudais de ar novo está ajustado?

É um não problema, como acabámos de ver. Deve existir, isso sim, uma preocupação da forma como se distribui o ar no espaço.

Os requisitos apertaram e os grandes edifícios estarão a cumprir?

Os grandes, grandes, provavelmente, estarão. Mas os requisitos não estão a apertar, apenas há orientações para reduzir as recirculações, preferencialmente eliminá-las. O resultado é um aumento de consumo de energia, o que é inevitável nesta altura. Este é o preço que se tem de pagar. Há outros edifícios de serviços em que podem existir janelas que permitam a ventilação cruzada e, assim, reduzir o consumo energético, mantendo a entrada de ar novo e a boa qualidade de ar. Contudo há sempre o risco que referi anteriormente.

E nos edifícios de serviços onde não há uma janela aberta e só podemos contar com a entrada de ar novo?

É exactamente o mesmo. É substituir a janela por um ventilador e garantir a ventilação 100 % de ar novo. Há sempre a necessidade de insuflar ar novo, a questão está na quantidade de ar que se insufla. Mas, volto a frisar, tão importante quanto a entrada de ar novo nos espaços é de máxima importância o trajecto do ar. Os caudais de ar novo que estão na actual legislação e os que estavam em 2006 não são compatíveis com os valores que a DGS apresenta como recomendáveis, qualquer coisa como 10 rph como mínimo. Um verdadeiro absurdo, valores que apenas se aplicam em algumas instalações hospitalares. É obvio que um aumento da renovação do ar conduz a uma concentração de contaminantes inferior e, no caso da Covid-19, reduz o efeito de contágio, mas, em proporção, o escoamento de ar tem maior impacto na propagação da doença.

Como resolvemos este problema nos espaços grandes e pequenos?

Vejamos: estamos sempre a falar de concentração de elementos poluidores, ou seja, de vírus, neste caso. As acções passam por actuar ao nível da fonte poluidora, isto é, reduzir ou eliminar a fonte. A outra solução passa por aumentar a diluição, para isso, aumenta-se o caudal de ar novo a insuflar nos espaços. Neste segundo caso, aumentar a diluição significa aumentar a taxa de insuflação, no caso de o edifício não possuir forma de ventilar naturalmente e de aumentar a taxa de insuflação de ar novo nos edifícios abrindo janelas ou outras aberturas que favoreçam a ventilação natural. Numa análise rápida, pode perceber-se que os edifícios entre 2008 a 2013, e que cumpriram a legislação dessa época, estão em melhores condições do que os outros construídos após 2013.

O que têm de diferente?

Muita coisa. Na prática, há um “antes” e um “depois” de 2013. A legislação em 2006 obrigava a verificar os caudais mínimos; obrigava a ter instalações em que o caudal mínimo tinha restrições muito apertadas e, portanto, a utilização de equipamentos não centralizados estava bem enraizada; havia resistência à utilização de equipamentos de expansão directa, etc. Todos estes sistemas, nesta altura, eram mais caros e as instalações mais onerosas com a introdução de uma nova variável na equação: a QAI. Os edifícios que eram certificados teriam, à partida, os caudais de ar novo regulamentar, ou seja, os valores aceitáveis de ar novo. Depois de 2013, caiu tudo isto, inclusivamente as auditorias periódicas à QAI. Repare-se que, nessa altura, se um projecto não fosse bem feito e existisse um índice de poluição interior superior ao que era normal, havia um conjunto de regras, procedimentos e obrigatoriedades para fazer essa correcção. Normalmente essas deficiências de ventilação estavam associadas ao caudal necessário e à eficácia da ventilação. Até 2013, olhava-se para a distribuição do ar no interior. A recepção dos edifícios obrigava a medições da qualidade do ar que hoje não se fazem. Hoje, só se verifica a QAI se houver reclamações e, mesmo assim, não as conhecemos. E embora a lei diga o que se pode e deve fazer, a realidade é que não existem ensaios e ninguém verifica nada ao nível da QAI no final da obra e mesmo durante a sua exploração.

É uma boa oportunidade para definirmos uma estratégia diferente?

No que diz respeito a uma estratégia global, sim, plenamente de acordo. Mas não é necessário alterar a lei. Era bom deixarmos de inventar questões sobre a QAI. Temos as regras internacionais da REHVA (Federação Europeia das Associações de Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado) e da ASHRAE, por exemplo, que têm regras para as obtenções de caudais de ar perfeitamente ajustados e que são próximos do que já temos. Bastava ir rever esses conceitos.

E voltarmos a ter fiscalização.

Tem de haver fiscalização e verificação da qualidade das instalações e impunha-se a inspecção das instalações de forma séria. No fundo, a fiscalização às instalações/edifícios já estava na lei, basta haver vontade política para se voltar a aplicar.

Havia Peritos Qualificados (PQ) exclusivamente formados para a QAI.

Essa questão leva-nos a uma retrospectiva do que tínhamos e como conseguimos nivelar a qualidade dos técnicos por baixo. Como é do conhecimento geral, no passado havia várias figuras no processo. Os PQ, os técnicos de exploração, manutenção e da QAI, onde figuravam também os TRF’s (técnicos responsáveis pelos edifícios). Hoje, temos apenas os TIM’s, muitos com uma grande capacidade, mas uma larga maioria não. Isto porque muitos deles são meros técnicos operacionais e que, do ponto de vista da optimização das questões ambientais, energéticas, de sustentabilidade ou da QAI, sabem zero! A culpa não é deles, mas de quem os deixou fazer este trabalho sem terem qualificações para a responsabilidade do que lhes era pedido.

Um dos efeitos colaterais foi o desaparecimento dos técnicos afectos apenas à QAI e o aparecimento de um super técnico que faz tudo, o TIM. O problema actualmente é outro. Alguém dizia, e muito bem, que a engenharia da climatização hoje subjuga-se ao Sistema de Certificação Energética (SCE), em vez do SCE se subjugar ao conhecimento da climatização. Este tipo de filosofia não permite que os projectos de AVAC evoluam de uma forma natural e cientificamente suportadas. A ideia que transparece é a de que o conceito científico e tecnológico da climatização é um regulamento através do qual se faz o projecto. Quando deveria ser ao contrário. O conhecimento e a forma de actuar nos sistemas de climatização são uma ciência e a verificação regulamentar deve ser uma coisa secundária. Hoje, isto inverteu-se tudo. Os próprios programas académicos são, na sua maioria, baseados na certificação energética. Por exemplo, na FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto), as teses que nos chegam, na sua maioria, têm na certificação o seu Santo Graal. E isso não pode acontecer. A CE é um processo de verificação de requisitos mínimos. O que se verifica é que, se existirem projectos bem feitos, baseados nos conceitos de eficiência, sustentabilidade e QAI, não precisamos de CE para nada. Se utilizarmos as normas internacionais (ASHRAE, REHVA) para fazer distribuição de ar no espaço, caudais mínimos, tendo em conta o tipo de ocupação, a CE aplica-se sem qualquer problema.

Hoje, temos a oportunidade de reflectir e corrigir as asneiras do passado recente, mas isso faz parte da aprendizagem normal. Acredito que, num futuro próximo, tenhamos uma CE que é uma verificação regulamentar de projectos bem executados, que têm em conta todos estes aspectos: energéticos, ambientais e de QAI efectivamente projectadas e aplicadas nos edifícios novos a construir.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 131 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2020).