Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2024 da Edifícios e Energia

A transição para a economia circular na construção é uma das alavancas do desenvolvimento sustentável, tanto a nível ambiental como económico. Acelerar este processo implica, entre outros aspectos, desenvolver e promover políticas concretas e adequadas e análises de custo-benefício que considerem as perspectivas dos diferentes stakeholders.

Por mais que se repitam os números, não vejo melhor forma de iniciar um texto sobre a Directiva 2024/1275, de 24 de Abril de 2024, relativa ao desempenho energético dos edifícios (que designarei por nova EPBD), que não seja relembrar que os edifícios da União Europeia são responsáveis por 40% do consumo de energia final e por 36 % das emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com a energia. Para atingir a neutralidade carbónica em 2050, objectivo que decorre dos Acordos de Paris (COP-21, 2015), é determinante aumentar o ritmo e o grau de exigência das medidas com vista a incrementar significativamente a eficiência energética dos edifícios, não apenas de comércio e serviços, mas principalmente os residenciais.

ONDE ESTAMOS

Nas últimas décadas, o quadro legislativo comunitário e nacional manteve-se focado nos novos edifícios ou nas grandes renovações, incidindo, assim, a grande maioria dos requisitos técnicos nas novas construções. Face a este cenário, a Directiva de Eficiência Energética dos Edifícios de Maio de 2018 já alertava para a necessidade de os Estados-Membros adoptarem políticas que levassem a uma renovação dos edifícios existentes, apontando para a necessidade de renovações profundas a uma taxa anual de 3 %. Por imposição desta directiva, o Estado português aprovou, em Fevereiro de 2021, a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), onde transparece o enorme esforço financeiro que será necessário realizar para atingir os objectivos de neutralidade carbónica no sector em 2050, conforme a Tabela 1.

No entanto, nem a própria directiva nem a sua transposição para a legislação nacional impuseram metas concretas obrigatórias que impulsionassem essas renovações, o que resultou na continuação do esforço tecnológico e de investimento nos novos edifícios em detrimento das renovações profundas da envolvente e dos sistemas técnicos nos edifícios existentes, principalmente nos edifícios residenciais.

Foram excepções a este foco nos novos edifícios os Sistemas de Automatização e Controlo de Edifícios (SACE), pois a directiva impôs aos Estados-Membros a obrigatoriedade de instalação destes sistemas em todos os edifícios não residenciais, novos ou existentes, com mais de 290 kW de potência nominal global, até 2025. Ao transpor esta obrigatoriedade para o quadro legislativo nacional, através da Portaria n.º 138-I/2021, de 1 de Julho, o legislador clarificou que a data-limite para a instalação dos SACE nestes edifícios é 31 de Dezembro de 2025, tendo também definido quais os requisitos técnicos mínimos a que esses sistemas estarão sujeitos, nomeadamente os seguintes:

  • Monitorização, registo e análise contínuos do consumo de energia, e capacidade de regulação;
  • Análise comparativa da eficiência energética do edifício e detecção de perdas de eficiência dos respectivos sistemas técnicos;
  • Integração dos sistemas técnicos e outros equipamentos existentes no edifício, desde que disponham de protocolos normalizados (vulgarmente designados por protocolos standard).

Resumindo, dentro de ano e meio, todos os edifícios com potência nominal global igual ou superior a 290 kW terão que dispor de um SACE com as características mínimas acima referidas.

Convém ainda relembrar que, no caso dos edifícios de comércio e serviços, novos ou sujeitos a grandes renovações, o grau de exigência tecnológico que é imposto aos SACE ao nível dos requisitos técnicos obrigatórios tem vindo a aumentar, especialmente para os edifícios acima do patamar de potência de 290 kW. A obrigatoriedade de cumprimento de uma norma europeia, no caso a EN15232, surgiu, pela primeira vez, na legislação de 2013, sendo nessa data obrigatória a instalação de Sistemas de Gestão Técnica Centralizada (SGTC) da Classe C; mas, desde essa data, a classe tem vindo a aumentar, sendo que a Classe B é obrigatória desde 30 de Janeiro de 2019 e a Classe A será obrigatória a partir de 1 de Janeiro do próximo ano, conforme a Tabela 2.

Como escrevi na edição de Março/Abril de 2019 da Edifícios e Energia, a obrigatoriedade de garantir (pelo menos) a Classe B, segundo a actual ISO 52120, tem consequências significativas na concepção e na colocação em serviço não apenas dos SGTC, mas também das restantes instalações técnicas. Saliento aquelas funções que, na minha opinião, têm maior impacto face ao que ainda hoje, cinco anos depois, é usual adoptar-se nos projectos em Portugal.

  • Controlo de caudal de ar novo escalonado (Classe B) ou variável (Classe A) de acordo com a ocupação ou a qualidade de ar dos espaços. É obrigatório diminuir (ou mesmo anular) o caudal de ar novo de cada um dos espaços com base na sua ocupação ou, em alternativa, com base na qualidade do ar desse mesmo espaço, por exemplo, monitorizando a concentração de CO2 ou instalando equipamento com capacidade de contar o número de ocupantes.
  • Controlo automático combinado de sombreamentos, iluminação e AVAC. Tendo em conta que o controlo de temperatura e de iluminação tem que ser individualizado para cada espaço, o controlo do sombreamento terá que ser também individualizado para os vãos associados a cada um desses espaços. Este controlo combinado obriga à introdução de algoritmos de controlo que determinam dinamicamente, em cada momento, qual a solução de iluminação, sombreamento e aquecimento/arrefecimento que é mais eficiente do ponto de vista energético, mantendo as condições de conforto mínimas definidas para cada espaço.
  • Coordenação local das fontes de energia renovável e centrais de co-geração no que diz respeito ao perfil local da procura de energia, incluindo a gestão do armazenamento de energia e a optimização do autoconsumo. Os SGTC têm a responsabilidade de gerir a produção e a utilização das fontes de energia renovável, implementando algoritmos de controlo que terão em conta o perfil de carga do edifício (térmica e eléctrica), bem como a possibilidade de utilização de soluções de armazenamento de energia térmica (por exemplo, bancos de gelo) ou eléctrica (baterias).
  • Os sistemas de energia do edifício são geridos e operados dependendo das condições da rede, e na gestão dos consumos é usada a transferência de cargas. A GTC é responsável por determinar quais as condições da rede, por exemplo, as tarifas de energia eléctrica em cada instante, e gerir os consumos adoptando estratégias de transferência de carga que optimizem os custos da factura energética.

Importa ainda referir que a grande maioria das contagens de energia, bem como dos arquivos históricos dessas mesmas contagens e de outras variáveis, como sejam as temperaturas de cada um dos espaços climatizados individualmente, que actualmente são obrigatórias, já constava na legislação de finais de 2013. Ou seja, todos os edifícios de comércio e serviços licenciados após 2 de Dezembro de 2013 deveriam dispor de um arquivo de contagens e de outros dados com pelo menos seis anos. Infelizmente, principalmente para os técnicos que pretendem realizar auditorias energéticas a estes edifícios, em muitos casos, esses arquivos são inexistentes ou têm muito menos dados do que seria obrigatório.

Por fim, relembro que a directiva de 2018 deixava aos Estados-Membros a decisão de impor a instalação de sistemas de monitorização e controlo nos edifícios residenciais, bem como a adopção do Indicador de Aptidão dos Edifícios para Tecnologias Inteligentes (SRI – Smart Readiness Indicator). Como sabemos, nenhuma destas medidas facultativas foi transposta para a legislação portuguesa.

O QUE IRÁ MUDAR

Numa análise geral à nova EPBD, verificamos que continua o aumento do grau de exigência no que diz respeito aos novos edifícios – terão que ser neutros do ponto de vista de emissões de CO2 em 2028, no caso dos edifícios públicos, e em 2030, no caso dos restantes –, sejam residenciais ou não. A principal mudança é a imposição de metas quantitativas para a renovação dos edifícios existentes que garantam reduções dos consumos devidamente quantificadas. Os edifícios existentes não residenciais devem ter um consumo energético que seja inferior ao de 16 % dos edifícios com pior desempenho, até 2030, e que seja inferior ao de 26 % dos edifícios com pior desempenho, até 2033, tendo por base o parque imobiliário em 2020, conforme infografia. Já para os edifícios residenciais, a meta imposta obriga a reduzir 16 % e 20-22 % do consumo médio dos edifícios residenciais até 2030 e 2035, respectivamente, tendo por base o parque imobiliário habitacional em 2020.

No que se refere aos SACE, os requisitos técnicos obrigatórios não sofrem alterações significativas, com excepção da obrigatoriedade de integrarem a monitorização da “qualidade do ambiente interior” até 29 de Maio de 2026 (dentro de dois anos). Em contrapartida, o patamar de potência de obrigatoriedade de instalação de SACE em todos os edifícios de comércio e serviços (novos ou existentes) baixou drasticamente, passando dos actuais 290 kW para 70 kW, sendo a data-limite para a instalação destes sistemas o final de 2029 (dentro de cinco anos e meio).

Outra alteração significativa é a obrigatoriedade de os Estados-Membros assegurarem que “a partir de 29 de Maio de 2026 os edifícios residenciais novos ou sujeitos a grandes renovações estejam equipados com [o seguinte]:

  • A funcionalidade de monitorização electrónica contínua capaz de medir a eficiência dos sistemas e informar os proprietários ou gestores de edifícios em caso de uma variação significativa ou da necessidade de assistência técnica aos sistemas;
  • Funcionalidades de controlo eficazes para optimizar a geração, a distribuição, o armazenamento e a utilização da energia e, se for caso disso, o equilíbrio hidrónico;
  • A capacidade de reagir a sinais externos e ajustar o consumo de energia.”

Por fim, também será obrigatória a adopção do SRI segundo um calendário já definido, estando a sua implementação pelos diversos Estados-Membros apontada para 2027. A nova directiva entrou em vigor no passado dia 29 de Maio e, tal como aconteceu com as anteriores EPBD, terá um período de transposição para a legislação nacional dos diversos Estados-Membros, que, neste caso, é até 29 de Maio de 2026. Vamos, pois, entrar num processo de transposição onde faz todo o sentido que o legislador inicie de imediato a audição e a recolha dos contributos dos vários intervenientes no mercado, sejam do universo político, académico, associativo ou empresarial.

Fonte: ADENE – Agência para a Energia

No que aos SACE diz respeito, deixo desde já os seguintes dois contributos:

  • Manter a norma ISO/FDIS 52120 como base da definição dos requisitos técnicos destes sistemas nos novos edifícios de comércio e serviços, mas também nos edifícios residenciais. Analisando a última década, em que esta norma foi a base da definição das características técnicas e funcionais dos SACE, chegamos facilmente à conclusão de que foi um factor determinante para o aumento da qualidade e da eficiência destes sistemas.
  • Aumentar o nível de detalhe dos requisitos técnicos dos SACE a instalar nos edifícios existentes. Face à diminuição do patamar de potência para que é obrigatória a instalação de SACE, é determinante que sejam clarificadas/detalhadas quais as características técnicas e funcionais mínimas dos SACE, indo além da simples transposição do texto da nova EPBD.

Resumindo num parágrafo, no que se refere aos edifícios não residenciais, a nova EPBD não deverá trazer um aumento significativo do grau de exigência dos requisitos dos SACE, mas a diminuição para 70 kW do patamar de potência, que se traduz na obrigação de instalação de SACE em todos os edifícios, será um enorme desafio para o mercado, não pela vertente tecnológica, onde fabricantes e integradores estão totalmente alinhados com as linhas de orientação legislativas, mas devido à enorme escassez de recursos humanos no sector da engenharia. Já no que diz respeito aos edifícios residenciais, aí, sim, a nova EPBD trará novos desafios tecnológicos às instalações de sistemas nos novos edifícios – actualmente quase unicamente focadas no conforto dos ocupantes –, que passarão a ter que ter funcionalidades de monitorização e controlo muito mais exigentes.

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