Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 154 da Edifícios e Energia (Julho/Agosto 2024).

Nelson Lage, presidente da ADENE – Agência para a Energia, fala-nos dos desafios na implementação da nova directiva para os edifícios e das barreiras que devem ser eliminadas no âmbito da grande vaga de renovações de edifícios que é exigida. É preciso criar “condições facilitadoras e atractivas de financiamento”. Fala-se em “20 % de investimento público e 80 % de investimento privado. Sejam quais forem os números exactos, é evidente que será necessário usar os fundos públicos para alavancar os investimentos privados”.

O Buildings Performance Institute Europe refere que a nova Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) oferece um tesouro de oportunidades em matéria de descarbonização dos edifícios. Um grande desafio?

A revisão e aprovação da EPBD insere-se num pacote legislativo alargado proposto pela Comissão Europeia (Fit for 55) com vista a operacionalizar o objectivo de reduzir em 55 % as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, e com vista a atingir a neutralidade carbónica em 2050. Nessa medida, a EPBD inclui várias disposições com requisitos novos ou revistos, bem como novos instrumentos, e que se centram em diversas áreas importantes relacionadas com a eficiência energética dos edifícios. Entre as principais iniciativas estão a promoção de edifícios com emissões nulas e a implementação de certificados energéticos padronizados de acordo com uma classe energética harmonizada de A a G, sendo a classe A+ opcional. Além disso, [a EPBD] estabelece normas mínimas de desempenho energético para edifícios não residenciais e incentiva a faculdade dos edifícios para [integrarem] tecnologias inteligentes. Também são delineadas trajectórias de renovação progressiva do parque imobiliário residencial, com a inclusão de incentivos financeiros, o desenvolvimento de competências e a superação de entraves de mercado. A energia solar nos edifícios é incentivada, assim como a criação de balcões únicos para o desempenho energético dos edifícios. O conceito de passaportes de renovação é outra novidade introduzida, assim como a exigência de peritos e sistemas de controle independente. Destacam-se também o reforço das inspecções a sistemas técnicos e o estabelecimento de uma metodologia de cálculo do desempenho energético. Na nova EPBD há um foco maior na infraestrutura para a mobilidade sustentável e na avaliação do potencial de aquecimento global (PAG). Além disso, cada país deve desenvolver um Plano Nacional de Renovação de Edifícios (PNRE), mantendo bases de dados e promovendo a interoperabilidade das informações. A qualidade do ambiente interior também é uma prioridade dentro das directrizes da EPBD 2024.

O sector da construção terá de se adaptar às novas regras tanto nos edifícios novos como nos existentes. Isso poderá ser um problema?

A implementação da EPBD 2024 representa um desafio para vários agentes do mercado; no entanto, o impacto será diferenciado em função das matérias em análise. A título de exemplo, nos últimos anos, o sector da construção incorporou a necessidade de cumprir com diversos requisitos técnicos aplicáveis aos edifícios ao nível de envolventes, sistemas técnicos, obrigação de sistemas solares ou renováveis, entre outros. No entanto, há novas exigências impostas a vários destes agentes, como a análise das emissões no ciclo de vida dos produtos, materiais e edifícios, o reforço de competências técnicas e capacidade para implementar projectos, o financiamento (verde) à renovação dos edifícios, o necessário alinhamento com as diversas metas intermédias para a renovação dos edifícios ou a construção de edifícios com emissões nulas (classe A) ou positivas (classe A+). Em resumo, diria que a implementação da EPBD 2024 representa, mais do que um problema, um desafio estimulante para os diversos agentes do mercado, ao exigir não apenas o cumprimento de requisitos técnicos já estabelecidos, mas também a adaptação a novas exigências, alinhadas com metas ambiciosas para a renovação e construção de edifícios de alta eficiência energética e emissões nulas ou positivas.

 

Terá de haver um movimento conjunto de sensibilização antes da entrada das novas regras? Uma legislação que seja eficaz pode acontecer sem o envolvimento dos cidadãos?

Como referi, são vários os agentes visados nas disposições da EPBD. O período de transposição será uma oportunidade para envolver vários desses agentes para que [eles] possam dar não só a sua perspectiva actual sobre as regras em vigor, mas também, em particular, sobre as novas. Na verdade, o cidadão esteve, em grande medida, no centro da discussão da directiva. É possível constatar uma grande preocupação com os agregados em pobreza energética ou com rendimentos médios mais baixos, particularmente expostos a elevados custos de energia e que não dispõem de meios para renovarem o edifício que ocupam. Exemplo disso é o desenho de novos instrumentos como o passaporte de renovação, voluntário e acessível, como ferramenta de apoio à renovação do edifício passo a passo – muito ajustado ao cenário português – com vista à transformação dos edifícios em [edifícios de] emissões nulas. Outro aspecto, centrado no cidadão, tem a ver com o financiamento à renovação, desenhado em torno das necessidades do edifício e das condições do seu utilizador. Por fim, destaco as estruturas de assistência técnica, designadamente os balcões únicos inclusivos para o desempenho energético dos edifícios, destinadas a todos os envolvidos na renovação de edifícios, nomeadamente proprietários de habitações.

O período de transposição será uma oportunidade para envolver vários desses agentes para que [eles] possam dar não só a sua perspectiva actual sobre as regras em vigor, mas também, em particular, sobre as novas. Na verdade, o cidadão esteve, em grande medida, no centro da discussão da directiva.

Há uma componente social muito vincada no que diz respeito ao combate à pobreza energética…

Sim, como referi, os cidadãos estão no centro desta nova EPBD, em especial os agregados em pobreza energética ou vulneráveis, que deverão ter o devido acompanhamento e [a devida] protecção. Para Portugal, este contexto é especialmente importante dada a dimensão do fenómeno da pobreza energética, e estou seguro de que haverá aqui um alinhamento com a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética.

A nova EPBD fala em balcões únicos para obtenção de esclarecimentos e informações sobre financiamento.

Este é também um ponto importante, agora ainda mais vincado na actual versão da EPBD, reconhecendo que o financiamento só por si não é suficiente. A disponibilização de meios de aconselhamento e de instrumentos de assistência acessíveis e transparentes, como os balcões únicos que prestem serviços integrados de renovação energética, bem como a execução de outras medidas e iniciativas, é indispensável para proporcionar um quadro facilitador e eliminar os entraves à renovação. Os balcões únicos deverão prestar assistência técnica e ser facilmente acessíveis a todos os intervenientes nas renovações de edifícios, nomeadamente os proprietários de imóveis e os agentes administrativos, financeiros e económicos, como as PME [Pequenas e Médias Empresas], incluindo as microempresas. No âmbito da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética, foi criado o Observatório Nacional da Pobreza Energética, no qual a ADENE assume um papel de destaque e do qual deverão surgir os chamados Espaços Cidadão Energia, que vão disponibilizar informação aos cidadãos, mas também apoio técnico, de aconselhamento, de avaliação das casas em termos de desempenho energético, de sugestões de investimento para melhorar a eficiência energética, e ainda de recolha de dados e de acções de capacitação. Este projecto prevê o lançamento de cinco pilotos até ao final do ano e a criação de 50 espaços até ao final de 2025 espalhados pelo país, para apoiar as pessoas na área da energia.

A nova directiva está construída sobre o pressuposto de que os Estados-Membros irão financiar ou incentivar grande parte das renovações nos edifícios. É esta a principal fragilidade da EPBD?

A Comissão Europeia identifica a necessidade de investimentos de 300 mil milhões de euros anuais para que se atinjam as metas de 2030, constatando existir um gap [uma lacuna] de 165 mil milhões de euros [em termos de investimento anual]. Recentemente, um membro da Comissão Europeia referiu que haverá “20 % de investimento público e 80 % de investimento privado”. Sejam quais forem os números exactos, é evidente que será necessário usar os fundos públicos para alavancar os investimentos privados. Para que isso aconteça, existem diversas barreiras à renovação que devem ser eliminadas e deverão ser criadas condições facilitadoras e atractivas de financiamento. Condições atractivas, combinadas com apoios públicos e um quadro de incentivos fiscais, são importantes para que qualquer cidadão decida investir. Depois, existem outras barreiras ligadas à disponibilidade de mão-de-obra e de empresas qualificadas e [à necessidade de] uma compreensão por parte desses cidadãos dos múltiplos benefícios da eficiência energética numa renovação. Mais uma vez, onde se pode ver um problema, eu prefiro ver um desafio.

Para o efeito, o sector público terá de dar o exemplo mais uma vez. Recordo que o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública, o ECO.AP, não avançou (como estava previsto). O que pode ser diferente agora?

Desde logo, não concordo com a afirmação de que o ECO.AP não avançou. O sector público tem um conjunto de projectos em curso que visa contribuir para as metas do PNEC 2030 [Plano Nacional de Energia e Clima 2030], da ELPRE [Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios], bem como do Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública para o período até 2030 (ECO.AP 2030). Olhando concretamente para o ECO.AP 2030, [vemos que] ele está em execução e são mais de 75 % as entidades da administração pública central que já estão registadas no Barómetro ECO.AP, e, destas, mais de 35 % já elaboraram Planos de Eficiência ECO.AP 2030 para 2022-24, onde definem as medidas a implementar que visam contribuir para a melhoria da eficiência de recursos nas entidades, incluindo nos seus edifícios. Novos Planos de Eficiência ECO.AP 2030 para 2025-27 já estão a ser elaborados. Relembro ainda que, no âmbito do Aviso ao abrigo [da componente] C13 – Eficiência Energética em Edifícios da Administração Pública Central, previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), 175 projectos com um investimento previsto de 192 milhões de euros estão em execução, sem esquecer que no âmbito do POSEUR (Aviso para Melhoria da Eficiência Energética em Infraestruturas Públicas) também cerca de 140 projectos foram concluídos ou estão em fase de conclusão, com um valor elegível de investimento de 161 milhões de euros. Além destes 315 projectos com uma ordem de investimento acima dos 353 milhões de euros, e ainda no âmbito do PRR, estão a ser efectuados investimentos nos edifícios, em que a melhoria da eficiência energética é um dos requisitos, nomeadamente na área da saúde, na área da formação, entre outros. Para as entidades da administração local, estão também a surgir avisos para financiamento de projectos que contribuem para a reabilitação energética dos edifícios públicos, aqui sob o chapéu do Portugal 2030. No que diz respeito aos contratos de gestão de eficiência energética, um mecanismo de financiamento através de empresas de serviços energéticos, muito usado para a melhoria da eficiência energética nos sistemas de iluminação pública, com provas dadas, verifica-se que estão a começar a ser usados pelas entidades públicas para projectos de outras tipologias, nomeadamente em edifícios e equipamentos públicos; contudo, estão numa fase inicial, atendendo que se tratam de projectos que apresentam maior complexidade na sua avaliação inicial e implementação devido às variáveis a considerar.

Metas para 2050

A versão inicial da EPBD começou por estabelecer que cada edifício residencial teria de realizar obrigatoriamente obras nos próximos anos (2030, 2033, …). Ora, isto teria um impacto potencialmente negativo num parque ineficiente como o português. Em alternativa, optou-se pelo modelo de trajectória global do parque ao longo dos anos. As metas intermédias são agora definidas pelos Estados-Membros, por forma a atingir as metas de 2050.

Do lado dos edifícios residenciais, que margem de progresso ainda temos?

Aqui o esforço será conjunto. O compromisso obtido foi o de não estabelecer normas mínimas de desempenho energético ao nível individual de cada edifício e de, sim, garantir que o desempenho energético médio do parque habitacional (assente em energia primária) melhore face aos valores deste em 2020. Assim, esta melhoria deverá ser de 16 % em 2030 e de 20 a 22 % em 2035, com evolução progressiva e avaliada a cada cinco anos em consonância com a transformação do parque imobiliário residencial num parque imobiliário com emissões nulas.

Todos os edifícios existentes deverão ser de emissões nulas (ZEB) até 2050 e, para o efeito, vai ser necessário elaborar um Plano Nacional para a Renovação de Edifícios, especificando as fontes e as medidas de financiamento necessárias. Uma missão impossível?

Não é uma missão impossível, mas é um enorme desafio por várias razões. Vejamos um caso paralelo. Portugal estabeleceu uma Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios. Nesta estratégia, a abordagem foi a de prever que cada edifício (a generalidade do parque) teria “uma qualquer intervenção” até 2050 e que essa intervenção teria uma profundidade e um resultado final variáveis em função do seu ponto de partida, da região climática, das expectativas dos ocupantes, etc. Por exemplo, a ELPRE não estabelece que todos os edifícios sejam edifícios de necessidades quase nulas (nZEB). Ora, a abordagem agora é diferente com os novos PNRE. Pese embora o facto de ser um exercício de modelação semelhante, o objectivo final é que a maioria do parque edificado (não necessariamente 100 %) atinja o novo standard de edifício com emissões nulas, ou seja, atinja uma classe energética A de acordo com a futura classificação. Os desafios que Portugal atravessa hoje para implementar a ELPRE serão semelhantes àqueles a que o PNRE estará sujeito, mas acrescidos de um resultado final mais exigente e provavelmente com fontes e medidas de financiamento igualmente mais impactantes.

Embora se tenha alargado o âmbito de actuação da directiva, há quem defenda que este documento perdeu força durante o processo de negociação. As metas intermédias caíram. Uma dificuldade?

Não creio que o nível de ambição final tenha mudado muito desde o início. Na verdade, permanece igual do ponto de vista de metas para 2050. O que se foi alterando, fruto da negociação entre as partes, tem mais a ver com a forma de atingir essas metas. Creio que no fim se atingiu algum equilíbrio. A título de exemplo, a versão inicial começou por estabelecer que cada edifício residencial teria de realizar obrigatoriamente obras nos próximos anos (2030, 2033, …). Ora, isto teria um impacto potencialmente negativo num parque ineficiente como o português. Em alternativa, optou-se pelo modelo de trajectória global do parque ao longo dos anos. As metas intermédias são agora definidas pelos Estados-Membros, por forma a atingir as metas de 2050.

O documento fala em “eficiência energética em primeiro lugar” no sentido de se melhorar a qualidade da envolvente do edifício, renovar as instalações com sistemas mais eficientes, inteligentes e mais bem geridos e implementar energias renováveis. Como se pode avançar neste sentido?

Penso que se tem caminhado no sentido de [permitir] que esta abordagem esteja cada vez mais presente na forma de actuar dos agentes do mercado. Os próprios técnicos privilegiam este princípio, o qual está igualmente consagrado na legislação portuguesa em jeito de abordagem a seguir, de definição da estratégia de renovação e melhoria do desempenho energético dos edifícios. Há que manter este foco e reconhecer os benefícios que daí advêm, incluindo, como referido pela Comissão Europeia, “a melhoria da saúde e do bem-estar [que] está entre os benefícios conexos mais importantes da aplicação do princípio da prioridade à eficiência energética para melhorar o desempenho energéticos dos edifícios”.

É patente um novo impulso à energia solar nos edifícios, à eliminação de caldeiras a combustíveis fósseis e ao apoio à mobilidade eléctrica, por exemplo, como formas de reduzir as emissões.

Esta versão da directiva é um reflexo do contexto existente durante o seu processo de negociação (os últimos dois anos). Alavancada pelo REPowerEU, entre outras iniciativas, a recente EPBD mostra que há uma preocupação evidente em promover a independência energética, a segurança de abastecimento e o mercado interno. Nessa medida, promover energia renováveis (endógenas) e o phase out progressivo – e não a eliminação imediata – de caldeiras a combustíveis fósseis foi a abordagem final que resultou da negociação. O caso da mobilidade eléctrica é outro aspecto onde o impacto directo na redução das emissões locais e a participação na flexibilidade entre os edifícios e as redes são também evidenciados.

No contexto da neutralidade carbónica no sector da construção foram incluídas novas variáveis como a circularidade ou a energia incorporada nos materiais. Estamos preparados para fazer essas contas e entrar nesse caminho?

Esta é uma novidade muito importante. Admito que para muitos a preocupação com a circularidade ou com o ciclo de vida não tenha sido uma novidade, mas agora temos uma definição em termos de calendário, de metodologia a usar, bem como do momento a partir do qual se estabelecerão requisitos mínimos. Assim, o potencial de aquecimento global dos edifícios, que se refere a um indicador que quantifica as contribuições de cada edifício para o potencial de aquecimento global ao longo de todo o seu ciclo de vida, tem de ser calculado, a partir de 1 de Janeiro de 2028, no respeitante aos edifícios novos com uma área útil superior a 1 000 m2, e, a partir de 1 de Janeiro de 2030, no respeitante a todos os edifícios novos. Até 1 de Janeiro de 2027, Portugal irá publicar um roteiro com informações sobre a introdução de valores-limite para o PAG total acumulado do ciclo de vida de todos os novos edifícios e com metas fixadas para os novos edifícios a partir de 2030. Quer isto dizer que construir um edifício a partir dessa data terá de acontecer tendo em conta uma determinada quantidade de CO2 disponível. Um grande desafio! Em relação ao mercado dos produtos e materiais, este terá de se adaptar. No entanto, temos assistido a uma dinâmica muito grande de alguns sectores para a caracterização dos seus produtos com Declarações Ambientais de Produto – importante fonte de informação –, bem como de clusters e associações em torno do tema, o que me deixa razoavelmente esperançado.

Os próximos certificados energéticos vão ter novos indicadores tais como o PAG de forma a considerar o impacto ambiental das soluções tecnológicas e construtivas. Uma boa notícia?

Durante o ano de 2026, os certificados energéticos terão um novo layout, o qual obedece a um template incluído na EPBD. Esse template não uniformiza esses layouts entre os Estados-Membros, mas indica, sim, que informação deve constar obrigatoriamente ou facultativamente e o seu local nos certificados. Um dos indicadores a ser incluído é o PAG, sempre que disponível. Este indicador, que quantifica as contribuições de cada edifício para o potencial de aquecimento global ao longo de todo o seu ciclo de vida, como antes referido, tem em conta as cinco etapas do ciclo de vida e deve ser calculado tendo por base a família de normas EN 15978 (EN 15978:2011 Sustainability of construction works – Assessment of environmental performance of buildings – Calculation method, sistema no âmbito da abordagem Level(s), da Comissão Europeia, concretamente o indicador 1.2).

Havia a expectativa da uniformização das classes energéticas dos certificados no espaço europeu, o que não aconteceu até agora, estando esses parâmetros entregues a cada Estado-Membro. Uma oportunidade perdida?

Longe do que afirma. Na verdade, a EPBD prevê exactamente uma uniformização ao nível das classes energéticas. Assim, os futuros certificados energéticos deverão informar sobre o desempenho energético numa escala fechada entre A e G. A classe A deverá corresponder a um edifício com emissões nulas (que, por sua vez, deve ser 10 % melhor do que um edifício nZEB) e a classe G aos edifícios de pior desempenho à data de introdução da escala. Os Estados-Membros poderão decidir introduzir uma escala A+. Caso o façam, esta deverá corresponder a um edifício 20 % melhor do que ZEB e com produção anual de energia renovável no local superior às suas necessidades anuais totais de energia primária.

Os cálculos das classes energéticas vão passar a ter em conta os padrões de utilização. Esta novidade exige uma metodologia totalmente diferente da actual. Que desafios se colocam?

O desempenho energético de um edifício é determinado com base no consumo de energia calculado (ou medido). A quase totalidade dos Estados-Membros baseia-se no “calculado”, sendo que este deve reflectir o consumo energético típico para aquecimento e arrefecimento de espaços, água quente para uso doméstico, ventilação e instalação fixa de iluminação, bem como para outros sistemas técnicos dos edifícios. Os Estados-Membros devem assegurar que o consumo energético típico seja representativo das condições reais de funcionamento de cada tipologia pertinente e reflicta o comportamento típico dos utilizadores, devendo esse consumo e esse comportamento típicos basear-se em estatísticas nacionais, normas de construção e dados de medições disponíveis. A novidade aqui será o facto de as necessidades de energia e a energia utilizada para aquecimento e arrefecimento de espaços, água quente para uso doméstico, ventilação, iluminação e outros sistemas técnicos dos edifícios serem calculadas com base em intervalos de cálculo mensais, horários ou sub-horários. Hoje, no sector residencial, Portugal usa ainda um método sazonal, pelo que terá de se adaptar a um intervalo novo, devendo decidir qual irá usar.

Quais as vantagens do novo passaporte de renovação que irá ser exigido?

O passaporte de renovação é um documento que serve como roteiro para a renovação profunda de um determinado edifício num número de etapas que transformam o edifício num edifício ZEB (nZEB até 2030). Este documento funcionará em articulação com o certificado energético, sendo necessário definir essa articulação. Para o caso de Portugal, onde, na maioria dos casos, as renovações são parciais, o passaporte será um importante apoio. Além de se definirem as medidas de melhoria e a sua sequência lógica, as próprias medidas poderão igualmente prever uma preparação para as acções seguintes (por exemplo, uma intervenção numa cobertura que a prepara para futuros painéis solares) ou evitar lock-in effects (a instalação de um equipamento que se torna sobredimensionado ou desadequado depois de se ter renovado a envolvente passiva). O passaporte é um documento voluntário – potencialmente obrigatório para acesso a financiamento – emitido por um perito independente e estará disponível durante o ano de 2026.

Na nova legislação nacional, a qualidade ambiental interior e a qualidade do ar interior são agora recuperadas e incluídas em simultâneo com o desempenho energético. Perdemos tempo?

A EPBD introduz a definição de “qualidade do ambiente interior” identificando-a com parâmetros como a temperatura, a humidade, a taxa de renovação do ar e a presença de contaminantes. Estes temas não são novos e estão previstos na legislação portuguesa há vários anos. O que a EPBD traz é um reforço da análise destes parâmetros em vários contextos por forma a melhorar os mesmos, influenciando, assim, o interior de um edifício com impacto na saúde e no bem-estar dos ocupantes desse edifício. É uma oportunidade para rever alguns aspectos no quadro regulamentar em vigor.

O termo edifício inteligente é reforçado? Que mudanças vamos ter em termos de automação e controlo?

A EPBD, desde a sua versão de 2018, tem vindo a reconhecer a importância e a promover a automação e o controlo dos edifícios, bem como as funcionalidades que lhes permitem reagir aos ocupantes, às redes energéticas ou aos sinais exteriores. Nessa medida, prevê-se que o indicador de aptidão dos edifícios para tecnologias inteligentes (SRI) venha a estar disponível como novo instrumento voluntário daqui a uns anos e que passe a obrigatório para edifícios não residenciais cuja potência nominal útil dos sistemas de aquecimento, dos sistemas de ar condicionado, dos sistemas combinados de aquecimento e ventilação de espaços ou dos sistemas combinados de ar condicionado e ventilação seja superior a 290 kW. Adicionalmente, é promovida a instalação de dispositivos autorregulados que regulem separadamente a temperatura em cada divisão ou, caso se justifique, numa determinada zona aquecida ou arrefecida da fracção autónoma do edifício, bem como sistemas de balanceamento hidrónico. Em complemento, os edifícios não residenciais com emissões nulas deverão ser equipados com dispositivos de medição e controlo para fins de monitorização e regulação da qualidade do ar interior. A obrigação hoje em vigor é a de instalação de sistema de automação e controlo nos edifícios para os casos referidos acima com limiar de 290 kW, mas esse limiar passará para 70 kW em 1 de Janeiro de 2030.

As inspecções periódicas foram retomadas por despacho há pouco tempo. Que mudanças se podem esperar nesta matéria?

No que concerne às inspecções periódicas, não existe grande diferença face à anterior versão da EPBD. No seguimento do despacho referido, foi publicada uma nota técnica, NT-SCE-05 – Orientações metodológicas nos procedimentos de Inspeção a Sistemas Técnicos, que detalha alguns aspectos do modelo de inspecções, e iniciaram-se acções de formação e exames, já com a aprovação de vários técnicos habilitados à execução dessas inspecções (Técnicos de Inspecções a Sistemas – TIS).

Os nossos engenheiros e arquitectos estão preparados para estas mudanças?

A evolução do quadro legislativo, quer da EPBD como de outras directivas, demonstra que a formação contínua e o acompanhamento técnico destas mudanças são imprescindíveis. É um desafio europeu, mas aqui considero que Portugal tem alguma vantagem. Do contacto com congéneres europeias, constato que existe um reconhecimento da competência técnica dos engenheiros e arquitectos portugueses. Com o empenho destes e com o suporte dos vários agentes de mercado, nas suas diversas funções, teremos de procurar tirar partido desta vantagem para implementar estas mudanças.

Que estratégias vão ser adoptadas no sentido da formação?

Do ponto de vista da ADENE, estamos a trabalhar na criação de parcerias que permitam oferecer condições de formação de qualidade e que valorizem os técnicos que nelas [nas acções de formação] participem. A ADENE continuará igualmente a acompanhar a evolução das matérias visadas na EPBD na relação com os vários agentes de mercado e a prestar um apoio técnico e administrativo diário à implementação dessas matérias. Pela experiência nos processos de transposição passados, será necessário prestar um apoio formativo e técnico reforçado logo após a transposição e é com isso que estamos a contar.

A legislação da União Europeia só tem impacto se a sua aplicação for eficaz e envolver a comunidade e todo o sector na discussão dos problemas existentes. Que estratégias e políticas estão previstas nesse sentido por parte da ADENE?

A ADENE, em articulação com a sua tutela e com as restantes entidades do sector, continuará a promover o contacto com os vários agentes do mercado relevantes em função das matérias visadas na EPBD. É de esperar que nos próximos meses exista um contacto mais directo com esses agentes e haja a promoção de momentos públicos de reflexão e debate sobre as melhores opções a tomar durante o processo de transposição da EPBD. Estão já identificadas matérias críticas e questões que importa discutir desde já para que seja possível, dentro do tempo previsto, começar a trabalhar na implementação das mesmas. Será necessariamente um processo aberto e inclusivo e estou convencido de que daqui a dois anos teremos uma implementação nacional o mais abrangente possível e que espelhe o contributo possível de todos os visados.