Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 153 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2024).

Como idealiza uma cidade mais sustentável? Pensa em mais zonas verdes e em estradas sem carros? Põe os edifícios nessa equação como fazendo parte da solução? Tornar cidades de betão em cidades mais sustentáveis é o objectivo do cimento plantável.

A construção dos edifícios é conhecida por ser pouco amiga do ambiente por gastar muitos recursos, nomeadamente água e electricidade, e utilizar materiais que não são renováveis, com custos de produção muito elevados. Foi a pensar nisso que Omid Asgari e Mostafa Mostafavi co-fundaram a Greenment, uma empresa que olha para o cimento apenas como um começo e não como um fim.

A start-up portuguesa tem dado que falar e vem demonstrar que é possível viver numa cidade realmente verde, em que as plantas florescem pelas paredes. “E se pudéssemos tornar as cidades de betão em cidades verdes?” foi o mote para o projecto que nasceu há dez anos, mas que está agora sediado em Carcavelos. Há dois anos, este projecto começou a ser implementado em solos portugueses, estando agora no nível 9, o mais elevado, de Technology Readiness Level (TRL), um método que avalia a maturidade tecnológica, neste caso, do cimento plantável.

“O assassino invisível” foi tópico de conversa entre os fundadores da Greenment. A poluição atmosférica é provocada, principalmente, pelas emissões de dióxido de carbono e, segundo a Agência Europeia do Ambiente, “em 2020, 96 % da população urbana da União Europeia esteve exposta a concentrações de partículas finas”. Nesse mesmo ano, pelo menos 238 mil pessoas morreram prematuramente devido à exposição a estes gases poluentes a um nível acima daquele que é recomendado pela Organização das Nações Unidas.

Isto não é surpresa para Omid Asgari, que afirma já ter perdido amigos e família por causa deste problema que afecta todo o mundo. Por isto, refere que se com a sua empresa conseguir salvar uma vida o trabalho foi bem-sucedido. Diz estar a zelar pelo planeta das crianças de hoje, que serão as gerações futuras a habitar o planeta Terra, cada vez mais “doente”.

Nos próximos anos, Omid Asgari prevê problemas com o solo e com a gestão de água. Aliados às alterações climáticas, estes desafios fazem com que anteveja um cenário em que não só o planeta irá sofrer, como todos nós.

CRIAR CIMENTO PLANTÁVEL

A construção de um prédio implica tempo e dinheiro, além da manutenção, que por si só é também poluente devido ao uso de tintas para pintar as fachadas dos edifícios. Além disso, o próprio cimento não é um material “amigo da natureza”, logo, na Greenment o foco está exactamente nesta primeira etapa da cadeia de construção. “Cerca de 5 % das emissões de dióxido de carbono globais têm a sua origem na produção de cimento”, refere Omid Asgari. Assim, surgiu a ideia de criar “cimento plantável”, ou seja, “dar propriedades fertilizantes ao cimento normal”.

Para isto, os fundadores do projecto não tiveram qualquer apoio financeiro. Todo o investimento foi feito a partir dos seus próprios bolsos, misturando-se com um pouco de “trabalho e paixão”, descreve.

O co-fundador tem também um olhar mais crítico. Já existem conceitos de jardins verticais ou jardins e hortas nos topos dos edifícios, mas Omid Asgari refere um problema e desafio: estas soluções têm como base sistemas hidropónicos ou o próprio solo, mas, actualmente, existe falta de água e de solos férteis em todo o mundo. Existem ainda grandes encargos monetários no que diz respeito à manutenção destes jardins.

O custo entre utilizar cimento plantável e utilizar cimento normal é praticamente o mesmo por metro quadrado, garante o responsável. “O preço é o mesmo, mas os benefícios são enormes.” A ideia da empresa é precisamente trabalhar com as grandes construtoras, de forma a fazê-las ver que há outras opções, mais verdes, que têm o mesmo objectivo e ainda ajudam o ambiente. Os custos variam também de país para país, já que cada um tem os seus materiais característicos, meios e recursos humanos. O co-fundador explica que quando a empresa vai implementar estas soluções em regiões ou países diferentes são sempre tidos em conta os tipos de plantas que existem, as condições atmosféricas, a textura do solo, entre outros aspectos, fazendo-se vários testes antes de se começar qualquer tipo de obra. Assim, é possível escolher qual o tipo indicado de materiais a utilizar em zonas cuja temperatura pode ser de 40 graus celsius negativos ou de 40 graus positivos.

ENCONTRAR SOLUÇÕES PARA UM MATERIAL QUE NÃO TEM SUBSTITUTO

Recordando aquilo que já viu em várias feiras de sustentabilidade e em Web Summits pelo mundo, Omid Asgari revela que existem muitas empresas que estão a trabalhar na reciclagem de materiais utilizados na construção, mas não no principal problema desta cadeia, que é o cimento.

Para este material, não há substituto, mas pode inovar-se a partir dele. O co-fundador faz até a seguinte analogia: “não conseguimos fazer pão sem trigo, mas podemos tentar encontrar soluções inovadoras para tornar isto mais sustentável, como usando menos trigo e colocando aditivos, nutrientes”, com uma textura que seja a mesma. Isto é o que acontece com o cimento plantável da Greenment. O cimento normal é feito de argila, gesso, entre outros componentes. Não havendo nada para os substituir, o possível a fazer é diminuir a quantidade em que estes são utilizados, tal como no exemplo referido do pão.

“O assassino invisível” foi tópico de conversa entre os fundadores da Greenment. A poluição atmosférica é provocada, principalmente, pelas emissões de dióxido de carbono e, segundo a Agência Europeia do Ambiente, “em 2020, 96 % da população urbana da União Europeia esteve exposta a concentrações de partículas finas”.

Um dos seus pontos centrais é a manutenção da humidade do cimento para que exista uma contínua recepção de nutrientes, líquidos e de fertilização, que permitam o crescimento de plantas nesse ambiente. Estas são também escolhidas consoante o país onde a solução é implementada e podem ser transplantadas ou directamente semeadas. Por exemplo, em Portugal, Omid Asgari afirma que não é preciso uma grande quantidade de irrigação, devido à quantidade de precipitação que o país tem anualmente, que é suficiente para manter a humidade. Assim, “em termos de água, pode gastar-se, em termos globais, menos 40 % na irrigação”, até porque são utilizadas técnicas como a rega gota a gota, uma forma mais sustentável de rega.

Outro factor a destacar é o facto de este cimento contribuir para o isolamento térmico e acústico dos edifícios. Assim, este material tem múltiplos propósitos, uma vez que, “para os habitantes, podemos tornar o edifício bonito, que absorve som e dióxido de carbono, o que é uma inovação”, refere.

“E se trouxermos a natureza para os edifícios e convertermos as fachadas num ambiente mais verde, com flores?”. Já imaginou viver numa cidade assim? Para Omid Asgari, este é um grande passo em direcção ao futuro, mas o empreendedor relembra que é importante viver o presente, começando já a tomar medidas para construir cidades mais sustentáveis. As fachadas têm também um forte impacto, já que na sua pintura são utilizadas tintas nocivas para o ambiente, técnica essa que implica ainda uma manutenção contínua e cara. Com esta solução da Greenment, este problema deixará de se colocar em cima da mesa. Em vez disso, estarão questões como “quais as flores a usar na fachada deste edifício”. Porém, o co-fundador da empresa explica que não se trata apenas de flores, pois existe um leque mais abrangente daquilo que podemos plantar na fachada dos prédios. “Estamos a implementar mais de 100 diferentes tipos de plantas, desde rosas, até pimenta, tomate… Podemos ‘brincar’ com as cores naturais destas plantas”, diz.

As soluções ajudam, assim, a diminuir o impacto da pegada carbónica, a reduzir o impacto ambiental e visual, apostando numa construção amiga do ambiente, promovendo a qualidade do ar e a sustentabilidade, tendo, com isto, um impacto ambiental baixo.

COM CIMENTO PLANTÁVEL “O CÉU É O LIMITE”

A Greenment “não está a competir contra as empresas de construção; está a colaborar com elas para trazer estas novas soluções”, esclarece Omid Asgari. “É uma forma de trazer o verde de volta às cidades.”

Em Portugal, Braga foi distinguida em 2023 com o Global Green City Award (Cidade Verde Líder, em português), prémio entregue pelo Global Forum on Human Settlements, em colaboração com a Organização das Nações Unidas. Sendo esta uma cidade que abraça a responsabilidade ambiental, com foco em medidas relativas ao espaço público, ao uso sustentável de energia e do solo, à preocupação com a gestão de água, entre outras, a start-up portuguesa quer começar a trabalhar e a inovar em Braga. Omid Asgari refere uma solução que irá mudar a forma como pensamos sobre paragens de autocarro. Num futuro próximo, poderá cruzar-se com paragens “verdes”. Estas terão aparelhos que permitem medir a quantidade de dióxido de carbono da zona e terão plantas a substituírem os vidros simples das paragens, pelo que será possível não só absorver este gás poluente de forma eficaz como perceber a quantidade absorvida por cada paragem de autocarro.

O responsável explica que a Greenment não é uma empresa só sobre cimento plantável; é também composta por várias abordagens holísticas – trata-se de “uma abordagem de 360º”, como descreve. “O céu é o limite quando pensamos em construir prédios, construções ou conceitos com cimento plantável, até mobília.”

Já imaginou estar a conduzir na A5, que liga Lisboa a Cascais, e passar por um verdadeiro jardim junto à estrada? É esta a próxima ideia da empresa, que tem como objectivo trocar os painéis de protecção sonora por soluções que incorporem este cimento plantável. “Estamos a produzir muitos carros, mas temos de pensar em como vamos tirar esse dióxido de carbono do planeta Terra.”

O musgo que crescerá nesse espaço irá dar outra cor ao seu percurso, além de ter também propriedades que permitem, mais uma vez, absorver o dióxido de carbono – algo crucial numa autoestrada – e funcionar como barreira sonora para que o seu propósito seja
cumprido na totalidade.

Está a acontecer algo similar na Alemanha, onde uma start-up começou a usar este musgo para diminuir a temperatura da cidade. “Ao borrifar o musgo com água, estamos a criar uma espécie de ar condicionado ao ar livre a uma mega escala nas cidades”, explica. O musgo não cresce de forma aleatória. Todo o processo é criado para ser realizado de forma sistemática – isto pode acontecer também com relva. Além disso, a manutenção e o uso de água não são um problema, já que “só é preciso dar uma ‘aceleração’ na parede no início e depois o musgo cresce naturalmente”.

Omid Asgari compara as estradas com as veias do nosso corpo. As estradas são um dos focos estratégicos da Greenment, já que são um dos principais problemas que as cidades enfrentam quanto à poluição. “Tornarmos as estradas verdes seria como purificar o nosso sangue”, diminuindo, assim, a pegada carbónica.

O co-fundador da start-up portuguesa relembra que não é só a poluição atmosférica que continua a matar. Também a poluição sonora tem consequências, já que “o stress das cidades não contribui para o bem-estar. Porque é que vamos fazer aulas de ioga e de pilates na natureza? É pelo isolamento de som que existe nesses sítios”, afirma. Esta linha de pensamento vai ao encontro da solução que ainda está a ser trabalhada das paragens de autocarro. “Em vez de estarmos stressados e a pensar que o autocarro está atrasado, podemos desfrutar da natureza através de estímulos sensoriais, como pássaros a cantarem, o que vai estimular o cérebro a pensar que estamos na natureza.”

De acordo com os números mais actualizados da Organização Mundial de Saúde, 6,7 milhões de pessoas morrem todos os anos devido à poluição atmosférica. Além disso, 99 % do mundo vive exposto a níveis de poluição superiores aos estipulados por esta organização.

Apesar de “agora já ser tarde para começar” a apostar em soluções mais verdes e que possibilitem melhores condições e qualidade de vida, há que continuar a inovar, a ser pró-activo, a experimentar e a implementar novos materiais, novas abordagens aos edifícios e novas cidades, cidades verdes.