Em conversa com Jorge Araújo, CEO da Smartwatt e presidente da APESE – Associação Portuguesa das Empresas de Serviços Energéticos, ficamos a conhecer como funciona o mercado dos projectos de Eficiência Energética e do fotovoltaico. Duas coisas totalmente diferentes. No fotovoltaico e na área residencial, a tecnologia de armazenamento vai fazer toda a diferença. Por agora, falta resolver outros problemas.
O mercado começou a mexer nos últimos dois anos. Estamos numa linha ascendente?
No fotovoltaico, o autoconsumo está a desenvolver-se muitíssimo, sobretudo, nos sectores industrial e de serviços.
Podemos dividir este mercado do fotovoltaico em duas vertentes?
Em termos de produção descentralizada, poderemos ter duas opções: unidade de produção para autoconsumo (UPAC) e unidade de pequena produção. As UPAC são as que têm, neste momento, maior adesão, e, ao nível industrial e de serviços, serão as mais rentáveis, pois a energia produzida é consumida no local, por aquela unidade, industrial ou de serviços. Já as unidades de pequena produção vendem toda a energia produzida a uma determinada tarifa, atribuída via leilão. Neste caso, só fará sentido em instalações que não tenham consumos regulares de energia, como é, muitas vezes, o caso no sector agrícola onde o consumo pode ser sazonal.
Quais as principais áreas de negócio, neste momento?
Temos os grandes parques fotovoltaicos numa lógica de produção centralizada ou geração centralizada, onde o produtor actua no mercado liberalizado, vendendo toda a energia produzida (podendo celebrar variados tipos de contrato) e colocando essa energia directamente na rede.
As empresas de serviços de energia (ESE) estão mais focadas na produção descentralizada e em particular nas UPAC. Para além das medidas de eficiência energética, onde o foco é a redução de consumo de energia, a possibilidade de produzir energia no local do consumo é também uma medida fundamental e altamente rentável, pois pode reduzir custos substanciais na factura. Em termos de Eficiência Energética (EE) e de serviços de energia, naturalmente temos de olhar para aquilo que se pode fazer ao nível das poupanças, mas também para a possibilidade de se produzir a própria energia e consumir no local, criando, assim, um duplo efeito na redução de custos. Quando um empresário investe numa instalação para autoconsumo para a sua unidade industrial, o que está a fazer é utilizar a energia que produz em casa em vez de a ir comprar à rede. Esse empresário continua a necessitar de energia da rede, mas em menor quantidade, com a vantagem de que os custos de auto produção são substancialmente mais baratos. Em simultâneo, as ESE actuam noutro nível, nomeadamente ao trabalhar a eficiência energética dessa unidade. Neste caso, importa saber quais são os caminhos e o que se pode fazer para reduzir os consumos e perceber o impacto que essas medidas têm na redução da factura.
Se olharmos para o fotovoltaico e para a EE de uma forma separada, será mais fácil implementar o fotovoltaico, mesmo em termos de financiamento?
Alguns fundos privados que investem nesta área olham mais facilmente para os projectos fotovoltaicos por serem mais simples de entender, medir e acompanhar a sua performance ao minuto e, no limite, se houver algum incumprimento contratual não é complexo retirar aquela instalação e colocá-la noutro sítio. Mas quando estamos a falar em EE e olhamos para outras soluções como equipamentos, medidas comportamentais ou sistemas de monitorização, naturalmente que surgem maiores dificuldades. Torna-se mais difícil de mensurar um grande projeto de EE se comparado com uma instalação fotovoltaica, mas a execução desse projecto de EE torna-se mais fácil de executar, se o fizermos por fases. Por exemplo, um projecto grande pode ser dividido em cinco ou dez projectos pequenos. No entanto, um projecto de eficiência energética é muito mais rentável para qualquer empresário, pois trata-se de reduzir de imediato o consumo de energia e muitas das soluções têm taxas de rentabilidade e períodos de retorno muito mais atractivos do que o autoconsumo. Actualmente, muitas indústrias em Portugal não seriam competitivas se não tivessem investido, ao longo dos últimos anos, em medidas de EE nas suas instalações através das empresas de serviços de energia que existem no mercado nacional.
Onde é mais difícil?
Quando entramos num processo de EE, a dificuldade está principalmente na relação de confiança entre o cliente e a ESE. Os projectos avançam mais rapidamente quando essa relação de confiança existe e quando já existe track record da ESE em projectos similares. Isto é ainda mais relevante no sector industrial porque, muitas vezes, a ESE tem de actuar no processo produtivo. Quando olhamos para um edifício, as coisas são mais simples, pois todas as infra-estruturas são menos complexas. No entanto, os empresários estão hoje muito mais receptivos a investirem em soluções de eficiência energética do que estavam no passado, porque já conhecem os resultados e benefícios destes investimentos.
Isso significa que os projectos de EE são mais facilmente concretizáveis se os repartirmos por várias áreas? São mais facilmente bancáveis do lado do investimento?
Se o investimento for feito pelo empresário, é mais fácil fazê-lo por fases. Podemos, por exemplo, começar pela substituição de todo o sistema de iluminação, depois passar para a fase seguinte com a substituição de um chiller ou de um conjunto de bombas, etc., e assim sucessivamente. No entanto, se o investimento for feito por terceiros, como fundos de investimento, só terá interesse se for feito em grande escala e com valores mínimos de investimento, logo haverá mais interesse em investir em grandes projectos.
Voltando à descentralização de energia ou ao autoconsumo quer residencial, quer industrial ou de serviços, estamos sempre a falar de EE à escala do país. Evitamos as perdas de distribuição da energia, reduzimos a factura nacional e garantimos uma maior sustentabilidade. Essa é uma das estratégias para a EE. O fotovoltaico é uma solução para a EE?
Sim, se olharmos para o país, mas se, por exemplo, estivermos a olhar para um hospital, já não é uma medida de eficiência energética. Se eu estiver a produzir internamente a minha energia, a única coisa que estou a mudar é a fonte de abastecimento, que passa a ser o fotovoltaico, mas não reduzo o consumo. No caso de substituir um chiller por um mais eficiente, estou a reduzir o consumo de energia e aqui estamos claramente perante uma medida de EE. Ou seja, temos de distinguir que a redução dos custos na factura pode ser obtida por via da produção de energia fotovoltaica (autoconsumo) ou por via da poupança nos consumos. São duas coisas diferentes.
“Temos uma DGEG inoperante. E todos os processos burocráticos vão lá parar. É absolutamente inaceitável o que se está a passar na DGEG, que não responde e, por isso, não cumpre a legislação”.
Estrategicamente, para o país, aquilo que nos interessa não deverão ser as duas coisas?
Claro que sim, para o país, para os empresários, para os consumidores e para a economia de uma forma geral, todos vão poupar. Se pensarmos que um euro desperdiçado hoje em consumo de energia é um euro que nunca mais se vai recuperar, podemos dizer que se está literalmente a deitar “dinheiro” ao lixo, se não se investir em EE. Da mesma forma que se tivermos como produzir a energia mais barata, como é o caso do fotovoltaico, e ainda por cima contribuir para a eficiência geral do sistema e para a sustentabilidade económica e ambiental, não parece haver outro caminho se não apostar fortemente nas duas vertentes. A questão está em saber qual a dimensão desse investimento em relação à redução de custos na factura. O autoconsumo é normalmente mais vantajoso na indústria ou nos edifícios, onde há maiores consumos e onde os consumos são uniformes durante todo o dia e todo o ano. Na indústria, o investimento é mais atractivo porque normalmente há mais área disponível para fazer a instalação. Um dos problemas dos edifícios, muitas vezes, é justamente não terem área disponível para o efeito, apenas têm os telhados.
E nos edifícios de serviços?
Se formos para os grandes centros comerciais ou hipermercados, não há dúvida nenhuma de que se trata de um bom investimento.
“Estamos numa fase em que a tecnologia está a progredir e, quando o custo “fotovoltaico + bateria” começar a competir com o custo da energia, vamos dar um passo muito grande no residencial”.
E na habitação, para as famílias?
Se sairmos de casa de manhã e desligarmos todos os interruptores aquilo que fica são alguns equipamentos em modo standby. Nestes casos, o fotovoltaico não vai dar uma resposta significativa. Se existirem consumos durante o dia de uma forma recorrente e continuada, então, o retorno é mais rápido. Mas esta realidade está a alterar-se, pois já existem soluções de armazenamento de energia com baterias. Estamos numa fase em que a tecnologia está a progredir e, quando o custo “fotovoltaico + bateria” começar a competir com o custo da energia, vamos dar um passo muito grande no residencial.
Já há muitas soluções no mercado?
Sim, mas a questão está em saber se elas são viáveis na relação custo-benefício e até que ponto é que consigo ter o retorno do meu investimento num tempo razoável. No residencial, já estamos a apontar para os oito anos, pelo menos.
Inevitavelmente, as cidades vão ser eléctricas. A mobilidade eléctrica e a sua interface com os edifícios também de habitação e a questão do armazenamento da energia são factores que vão consolidar-se rapidamente. O financiamento está a acompanhar?
Parece-me claro que vai acontecer brevemente no residencial e com mais força, porque nas outras áreas já é uma realidade. Na habitação, já existem vários casos de sucesso. Na Holanda, temos bairros inteiros com instalações fotovoltaicas, com carregamentos eléctricos na área da mobilidade e sistemas inteligentes de gestão de todo este processo. As baterias dos automóveis são inseridas no sistema e o automóvel pode ser carregado e descarregado em função das necessidades. Olhando para o futuro próximo, vão certamente surgir iniciativas políticas de incentivo do Estado, com a possibilidade de existirem mecanismos facilitadores para que o investimento possa ser feito, por exemplo, ao nível dos condomínios. Por outro lado, vão também surgir necessariamente novos modelos de negócio associados às redes e cidades inteligentes que serão benéficos para todos.
Se nos colocarmos no papel do cidadão, dificilmente entendemos o interesse do Estado, há uns anos, na mini e microgeração e, agora, este vazio, à excepção das centrais. O que está a acontecer?
Ainda temos espaço para se desenvolverem grandes centrais fotovoltaicas, mas não devemos esquecer que o que faz sentido é uma aposta na produção descentralizada. No entanto, se o mercado estivesse mais maduro na vertente das baterias, as coisas já poderiam já ser diferentes. A partir do momento que temos produção centralizada, isso implica necessariamente voltar a uma lógica de oferta e procura descompensada. Mas há outra questão fundamental que tem de ser resolvida e já. No caso do autoconsumo, tem de se desburocratizar o processo. Se tivermos uma instalação num edifício que produz mais do que aquilo que consome, deveria ser possível vendê-la ao vizinho do lado, por exemplo.
E quais os constrangimentos para que isso não possa acontecer?
Temos uma legislação que nos obriga a definir um ponto para a instalação, que tem de ser no local do consumo e que me permite vender o excedente à rede. Neste caso, com contratos com o comercializador de último recurso (CUR), que, segundo a legislação, é pago a 90 % do valor que a energia tem em mercado. A legislação permite também vender a outro comercializador esse excedente.
E qual a razão?
Julgo que o espírito da lei é o de orientar apenas para a produção da energia que é necessária para uso próprio, não mais do que isso. O que fazia algum sentido numa fase inicial.
Outros aspectos decisivos e a mudar para se passar a outra fase? O que não está a correr bem?
O mercado do autoconsumo na indústria e serviços está cada vez maior. O investimento que se está a fazer é grande. Aí, os constrangimentos são de outra natureza e têm a ver com a ineficiência total da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Neste momento, infelizmente, temos uma DGEG inoperante. E todos os processos burocráticos vão lá parar. É absolutamente inaceitável o que se está a passar na DGEG, que não responde e, por isso, não cumpre a legislação.
E porquê?
A DGEG não está a emitir os certificados de exploração no prazo legal para o efeito. A legislação prevê que, independentemente de haver ou não inspecção, há um prazo máximo fixado de 25 dias para a DGEG (SERUP) dar resposta e emitir a licença de exploração definitiva. No entanto, o que está a acontecer é que a DGEG não está a cumprir o prazo estipulado na lei e está a demorar cerca de oito meses para emitir uma licença definitiva.
“Aquilo que se exige é a agilização de processos, o cumprimento da legislação e a realização de inspecções. Nada disto está a ser feito. As inspecções são raras. Todos estes procedimentos estão previstos na lei e bem, não é preciso alterar nada, o que é preciso é por as coisas a funcionar”.
Qual o impacto directo que isso tem no mercado e nos clientes?
O cliente final, que, normalmente, é um empresário, não entende. Não entende como é possível que o investimento que está a fazer, com alguma dimensão, não avance e põe em causa o próprio sistema. Naturalmente, isto atrasa os investimentos por parte dos industriais.
Há muitas desistências?
Não, mas criam-se obstáculos no mercado que, até há cerca de um ano, não eram tão visíveis porque o volume de pedidos era menor.
Como entram os pedidos de licença?
Os processos entram numa plataforma digital chamada SERUP que não está a funcionar devidamente. Já nasceu com problemas e hoje os processos têm de ser tratados manualmente. Antes de uma conversa agendada com o director-geral de Energia, resolvemos fazer um teste e identificar alguns problemas. Começámos a ligar para a DGEG, numa segunda-feira e apenas atenderam a chamada na sexta-feira e, pelos vistos, tivemos “sorte” em ser atendidos numa semana. Esta é uma realidade. Aquilo que se exige é a agilização de processos, o cumprimento da legislação e a realização de inspecções. Nada disto está a ser feito. As inspecções são raras. Todos estes procedimentos estão previstos na lei e bem, não é preciso alterar nada, o que é preciso é por as coisas a funcionar. Tenho informação por parte do director-geral de Energia de que está a ser feito um esforço para resolver esta situação, mas infelizmente não temos definidos prazos nem datas previsíveis para o problema estar resolvido.
E qual a razão para todas essas dificuldades do lado da DGEG, nomeadamente a falta de operacionalidade do SERUP?
A razão principal poderá estar na passagem da anterior plataforma que existia na altura da mini-geração e que estava numa outra entidade para a DGEG. E essa plataforma foi alterada e provavelmente mal feita do ponto de vista técnico. Não aguenta com aquilo que são as necessidades do momento.
Que outros problemas identifica?
Há uma falta de comunicação entre a DGEG e a EDP Distribuição. Não falam a mesma linguagem e o cliente que está à espera não compreende. E, depois, as alterações que vão sendo feitas não são comunicadas a ninguém. Normalmente, as UPAC têm de ter uma linha directa de comunicação, nomeadamente por via dos contadores, para efeitos de estatística e de acordo com a lei. Essa comunicação está definida e a sua operacionalização é da responsabilidade da EDP Distribuição. A ligação com a DGEG tem de ser uma realidade e, quando houver alguma alteração, essa comunicação tem de ser feita para o mercado, ou via despacho ou via outro mecanismo qualquer. Muitas vezes, somos confrontados com situações em que, do lado da DGEG, está tudo bem e, do lado da EDP, não está e vice-versa. Temos de ter uma DGEG forte e eficaz.
Quer apontar-me outras soluções para que estes problemas se resolvam. Como podemos ter uma DGEG forte?
Não pedimos mais nada do que a agilização dos processos e a desburocratização, basta que se cumpram os prazos e procedimentos estipulados na lei.
Voltando ao financiamento…
Temos fundos privados e bancos a apoiarem. Esta desconfiança que está a crescer perante esta falta de operacionalização do sistema é que não é nada favorável.
Acabámos de saber que o IVA para a energia vai manter-se a 23 %. Que benefícios poderiam ou seriam desejados nesta área?
Fizemos uma intervenção enquanto APESE para o Plano Energia e Clima 2030 e percebemos que houve um retrocesso em termos de promoção da EE. Aquilo que consideramos é que estes incentivos devem começar pela área fiscal. Basta começar por mudar de perspectiva. Em vez de se penalizar quem não cumpre, deve-se incentivar os cumpridores e aqueles que querem investir. Esses incentivos podem passar pelo IVA a 6 %. Por outro lado, ao nível municipal, temos a questão das taxas do IMI ou do IMT.
Isso já existe em muitos municípios.
Sim, em alguns, se tivermos um certificado com uma boa classificação energética. Mas, no caso de uma reabilitação de um edifício com uma classificação mediana, não temos qualquer benefício. Do ponto de vista das empresas, também pode ser criado um incentivo ao nível do IRC.
A questão da baixa tensão em que passam a ser os municípios os distribuidores de energia seria uma boa solução?
Tenho algumas dúvidas. O que se passa é que quem detém as redes são os municípios, que fazem concessões a empresas que pagam pela sua exploração, na maioria dos casos, à EDP Distribuição. A questão da escala, em teoria, deveria ter melhores resultados na gestão global das redes, isto é, deveria ser economicamente mais eficaz ter a gestão centralizada de todas as redes de um conjunto de municípios do que gerir apenas as de um determinado município, particularmente se for um município de grande dimensão e com poucos habitantes. Por outro lado, a gestão local poderá resultar na criação de empresas municipais de gestão de energia que podem não ser a melhor solução.
Esse modelo é próximo daquilo que acontece com a água?
Exactamente. Resta saber se, do ponto de vista da gestão global do sistema, isso é melhor ou pior. Tenho dúvidas. No entanto, existem em Portugal vários exemplos de pequenas cooperativas que gerem localmente as redes de energia e têm bons resultados. Deveriam ser alvo de uma análise para se perceber quais as vantagens e benefícios de forma a ajudar os municípios a decidirem melhor.
Falou há pouco nas microgrids e na possibilidade de vender o excedente de energia ao vizinho. Estas tendências deveriam ser consideradas já?
Acho que se deveria começar a estruturar e planear o futuro, preparando mecanismos facilitadores de forma a acompanhar a evolução tecnológica nesta área, designadamente mecanismo de gestão inteligente. Neste momento, já existe tecnologia disponível para optimizar todo o sistema de energia, desde a produção à utilização ou vice-versa, seja por metodologias de Inteligência Artificial de apoio à decisão, seja através de sistemas mais simples de informação. Colocar todos os sistemas intervenientes a comunicar e o próprio sistema ter mecanismos que permitam otimizar, balancear e poupar dinheiro na relação consumo vs. produção de energia é algo possível com a tecnologia disponível. É necessário criar condições e políticas que facilitem este caminho.
As pessoas estão mais motivadas para estas soluções?
A motivação das pessoas pela sustentabilidade é cada vez maior, mas a parte financeira é decisiva. As empresas estão a fazer o seu caminho e são quem efectivamente está a fazer investimento na EE e no autoconsumo. Ao nível dos serviços e indústria, há cinco anos, o retorno ao investimento rondava os oito a nove anos. Hoje, estamos a falar de um retorno a quatro a cinco anos.
A evolução na tecnologia foi decisiva?
Também, mas a principal razão tem a ver com os custos da energia. Na indústria ou nos edifícios de serviços, o custo do investimento no fotovoltaico é bastante mais barato comparativamente ao custo da energia. A solução do autoconsumo é um bom negócio hoje e também é melhor se o compararmos com a mini e micro-geração no passado.
Se fizermos as contas…
Os rácios de rentabilidade financeira que temos hoje com o autoconsumo são maiores do que aqueles que tínhamos há cinco anos.
A tecnologia também baixou o valor?
A instalação há cinco anos era muito mais cara do que é hoje. O painel fotovoltaico é muito mais barato também. Repare que, para além de Portugal, outros países fizeram a subsidiação à tarifa e essa foi uma das formas, por razões de escala ao nível de custos de produção, entre outras razões, para hoje termos paridade de rede. Hoje, não é necessário nenhum subsídio para que o fotovoltaico seja um bom investimento. Uma instalação que consuma energia durante o dia tem uma taxa de rentabilidade do investimento muito grande e muito superior do que tinha há alguns anos. Temos, muitas vezes, taxas de rentabilidade que podem superar os 20 %, o que é muitíssimo bom. O mercado vai funcionar por si só.
A energia está cada vez mais cara e os projectos de EE ou de autoconsumo fazem cada vez mais sentido. Os modelos de financiamento baseados na remuneração por via do desempenho da instalação (EPC) já estão mais maduros?
No fotovoltaico, temos muitos projectos com esse modelo à semelhança dos projectos de EE associados ao desempenho e à redução de custos na factura energética. Isso é muito claro e existem já muitas empresas a fazê-lo.
Durante muito tempo esse mercado estava bloqueado. É uma realidade recente?
Desde 2017 que tem havido um aumento grande. Neste momento, temos uma grande vantagem em relação ao que acontecia no passado. Quanto menos intervenção do Estado existir nos investimentos, mais fácil estes se tornam e o mercado funcionar.
E a banca também está mais sensível e entende melhor os benefícios associados?
Falo do mercado na globalidade. Estão a aparecer fundos próprios para esta actividade. As próprias ESE têm mecanismos mais simples. O investimento acaba por existir. Há uma questão quanto à EE que ainda não está resolvida. Os países mais desenvolvidos do mundo tiveram formatos semelhantes e, para todos eles, o Estado foi uma importante alavanca. Por cá,, todos sabemos que, com excepção de alguns projectos de iluminação pública, o Programa de Eficiência Energética na Administração Pública – Eco.Ap está parado e não se tem feito nada. O Estado não investe em EE, pois, pelos vistos, os nossos governantes não estão interessados em poupar custos com a energia e, em simultâneo, cumprir com as orientações politicas que eles próprios subscrevem. O sector privado está a fazer o seu caminho e já podíamos estar com dez vezes mais volume do que aquilo que temos. Se olharmos para a certificação energética, entendemos que foi muito útil, mas não vemos o seu retorno. Era bom saber se as medidas previstas nos certificados foram, de facto, implementadas ou não. Essa é uma análise importantíssima. É preciso tomarem-se medidas neste sentido para que as coisas aconteçam, senão, daqui a uns anos, estamos na mesma.
“Se olharmos para a certificação energética, entendemos que foi muito útil, mas não vemos o seu retorno. Era bom saber se as medidas previstas nos certificados foram, de facto, implementadas ou não. Essa é uma análise importantíssima. É preciso tomarem-se medidas neste sentido para que as coisas aconteçam, senão, daqui a uns anos, estamos na mesma”.
Uma última mensagem?
Outra questão importante tem a ver com o Portugal 2020, designadamente o programa operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos – POSEUR, que foi um dos principais responsáveis por não se ter feito nada até 2017. Desde 2014 que o Estado apregoava que iam chegar verbas para a EE. Isto numa altura em que o país estava ainda mais pobre. Isto foi de tal maneira que as ESE não conseguiam fazer nada junto dos seus clientes. Todos estavam à espera dos milhões que vinham de Bruxelas e que nunca foram colocados cá dentro. Os fundos devem ser utilizados, de facto, mas nos casos em que são necessários porque na maioria das vezes isso não acontece. Perderam-se muitas oportunidades que não vão ser recuperadas porque os programas operacionais não foram efectivados. O POSEUR para a área da energia está a começar a ser colocado em práctica à data de hoje. O Portugal 2020 teve e bem, em vários programas específicos, majorações para projectos de EE, o que foi bom. Agora, o programa específico para a sustentabilidade e utilização eficiente de recursos, na área da energia, nunca funcionou.
Qual era o valor para esse programa?
Muitos milhões…! A questão de fundo não é o valor em si, é o engano e atraso que falsas expectativas colocam no mercado. Um político deve anunciar que existem determinados fundos e incentivos quando isso é uma realidade e não apenas uma expectativa. Pois sendo uma expectativa o mercado “pára” à espera desses fundos. Se um empresário souber que pode usufruir de fundos específicos para alavancar o seu investimento, claro que irá olhar para essa possibilidade. O problema é quando esses fundos são anunciados e, depois, nada acontece… O investimento que esse empresário estava a pensar fazer só vai acontecer quando a “burocracia” for resolvida. Ora, isto no nosso país é um verdadeiro problema e os investimentos poderão ficar anos à espera.