Dinis Rodrigues, anterior director da ADENE e responsável pelo programa de eficiência energética na Administração Pública (Eco.Ap), está agora no Banco de Investimento Europeu (BEI) como energy expert. Numa altura em que se espera um desinvestimento económico e político nesta área, conheça as principais dificuldades em sermos mais eficientes e a discrepância que existe entre os instrumentos ou as metodologias legais e a realidade.
Quais os principais desafios para a eficiência energética no sector residencial? Os empréstimos poderiam ser a juro zero se houvesse essa vontade política?
No caso do sector da habitação, os desafios são o desconhecimento, a capilaridade e a falta de capacidade de investimento de muitas famílias. Muitas famílias têm grande dificuldade em manter as casas adequadamente aquecidas durante o Inverno e arrefecidas durante o Verão.
Por um lado, é necessário criar instrumentos de apoio ágeis capazes de dar resposta às necessidades das famílias. A este respeito acredito que teremos de associar alguns apoios de natureza não reembolsável a outros apoios de natureza reembolsável. É necessário dar resposta a algumas dificuldades que se verificam sobretudo na reabilitação de edifícios multifamiliares que apresentam algumas especificidades. É ainda necessário agilizar o processo de aprovação destes investimentos ao nível dos condomínios e também criar instrumentos que permitam conceder empréstimos aos condomínios garantindo, através de seguros, que em caso de incumprimento por parte de um dos condóminos, os outros não sejam responsáveis por assegurar as prestações em falta.
Importa ainda referir que a metodologia que é utilizada para definir os requisitos dos edifícios assenta na metodologia do “custo óptimo”, de acordo com as orientações da Comissão Europeia. Esta metodologia baseia-se num conjunto de pressupostos que definem as condições normais de utilização dos edifícios, condições essas que são diferentes das condições reais de utilização. Ora, isso faz com as economias reais resultantes de um projecto sejam distintas daquelas que lemos num certificado energético. E isto tem de ser explicado aos cidadãos para que estes baseiem as suas decisões de investimento em dados tão reais quanto possível.
E sim, é teoricamente possível ter um cenário em que os empréstimos para a reabilitação do parque edificado beneficiam de juro zero. Existem um conjunto de instrumentos, como seja o Fundo de Eficiência energética ou o Fundo Ambiental que poderiam subsidiar os custos financeiros destas operações. É uma opção política que poderia contribuir para um aumento da reabilitação dos edifícios residenciais.
Em França, os seguros sobre esse crédito existem e funcionam.
É verdade. Trata-se de um sector particularmente complexo e que necessita de ser olhado com maior atenção e dedicação. Não é fácil resolver este problema e vai demorar tempo até que o consigamos mitigar. Acredito que em muitos casos não estamos a falar de projectos de eficiência energética, de projectos de renovação de edifícios, mas sim de projectos de regeneração urbana. Algumas das áreas urbanas edificadas nos últimos 40 a 50 anos estão particularmente expostas e a solução não será simples nem barata.
Como estamos em termos de Eficiência Energética na Europa?
Cada vez há maior atenção e a consciência daquilo que estava a tornar as coisas difíceis. Mas há ainda um desfasamento grande entre aquilo que são os instrumentos da política e a realidade. Por exemplo, uma das obrigações europeias é que se façam auditorias energéticas a todas as empresas que não são PME´s. Só que as empresas auditadas não são obrigadas a implementar essas medidas de eficiência energética. Estamos a implementar um conjunto de políticas que exigem muito papel e estamos a esquecer-nos da necessidade que existe em que esse papel se materialize em investimentos, reais capazes de reduzir os consumos de energia e aumentar a competitividade do nosso tecido empresarial.
A Eficiência Energética ainda é um investimento caro?
É caro porque há um desfasamento grande entre aquilo que são as economias estimadas e as reais. Há muitos estudos baseados na Holanda que demonstram que, ao nível dos edifícios de habitação, os consumos estimados e os consumos reais são significativamente diferentes sendo que para algumas classes energéticas muitas vezes o consumo estimado é metade do consumo real.
Podemos olhar para o enfoque dado à obrigatoriedade dos colectores solares térmicos, uma tecnologia que muitas vezes surge associada a um período de retorno de oito a dez anos. Mas na maioria dos casos, estes cálculos não têm em consideração os custos de manutenção desta solução relativamente a sistemas convencionais, como seja um simples esquentador ou caldeira a gás. E estes últimos requerem muito pouca manutenção enquanto que um sistema solar, sobretudo de circulação forçada, necessita de uma manutenção preventiva periódica. E este é um dos muitos exemplos em que se verifica uma diferença entre o retorno real de um investimento em energia e o retorno estimado. E as entidades públicas do sector deviam olhar para estas situações e criar ferramentas para apoiar os técnicos envolvidos nestas actividades de modo a que o custo dos serviços por estes prestado seja suportável pelos cidadãos e pelas empresas.
“Estamos a implementar um conjunto de políticas que exigem muito papel e estamos a esquecer-nos da necessidade que existe em que esse papel se materialize em investimentos, reais capazes de reduzir os consumos de energia e aumentar a competitividade do nosso tecido empresarial.”
Há uns tempos tínhamos todos muita energia anímica para falar destes temas da eficiência energética, mas foi-se instalando o descrédito ou apatia. Porquê?
As coisas esfriaram de facto, mas se há países a funcionarem melhor que nós, há outros em que as coisas não funcionam tão bem. O que é importante é olharmos para alguns exemplos à nossa volta, aprendermos e não cometermos os mesmos erros que outros já cometeram. Era bom estabelecer objectivos menos ambiciosos, mas também criar condições para que esses objectivos sejam cumpridos e exista continuidade na implementação dos diferentes instrumentos. E quando esses instrumentos não funcionam de todo, ou quando não funcionam exactamente como estávamos à espera, não devemos fingir que nada aconteceu. Todos os instrumentos têm que ser objecto de avaliação, de escrutínio. Não os podemos simplesmente abandonar porque não produziram os resultados esperados. Com isto criam-se descontinuidades, desperdiçam-se recursos e perde-se credibilidade.
O mais difícil na implementação destes projectos é mobilizar os intervenientes, é fazer com que as pessoas responsáveis pelo consumo de energia nos edifícios e nas indústrias se sintam envolvidas e motivadas. E estas pessoas são fundamentais, pois são elas quem conhece as instalações, que sabem as dinâmicas de funcionamento das diferentes entidades…
Qual a razão? Inércia?
Os motivos são variados. Creio que necessitamos de planear a médio prazo e assegurar a continuidade dos diferentes instrumentos. E temos ainda de ser capazes de avaliar as diferentes políticas públicas sem a vergonha de dizer que houve aspectos que correram menos bem. O sucesso vive de mão dada com o insucesso. E os erros cometidos devem ser partilhados pois só se assim se consegue evitar que voltem a ser cometidos.
A situação económica do país, durante a última década não foi seguramente a mais fácil e isso condicionou, sem dúvida. Agora vamos ter outro período muito conturbado que vai ter um impacto muito significativo sobre os consumos de energia. Estes vão descer de forma significativa devido à retração da actividade económica e não por quaisquer ganhos de eficiência. Mas se olharmos noutra direção podemos perguntar-nos quantos Directores-gerais e quantos Conselhos de Administração tiveram as Entidades públicas do sector e o impacto que isso poderá ter tido na efectiva e eficaz implementação das políticas públicas de eficiência energética.
Não haverá também algum desnorte ou falta de foco? A Adene já tem a eficiência hídrica, a mudança de comercializador, agora a mobilidade eléctrica… o que se está a passar?
A existência de foco creio também ser um factor essencial. Mais do que o número de áreas que uma entidade como a ADENE pode abarcar, importa sobretudo assegurar a forma como essas competências se correlacionam e a forma como são integradas e articuladas com os sistemas existentes e com as outras entidades do sector.
Vejamos um exemplo: não é clara, para a generalidade dos intervenientes do mercado, a convivência entre o Regulamento de Gestão dos Consumos de Energia do sector dos Transportes (RGCE-T) e o desenvolvimento de um sistema voluntário de certificação de frotas. Parecem existir sobreposições, não se percebe de que forma se relacionam. Pode até entender-se que competem entre si. E isto não me parece adequado. Tornamos a vida das empresas de transportes ou com frotas de grande dimensão mais complicadas.
Parece-me também bastante claro que a actuação da ADENE se deve situar ao nível do apoio à tutela na implementação das políticas de eficiência energética e para isso deve estar perfeitamente articulada com a DGEG em todas as actividades que desenvolva. É isso que ocorre com o SCE, o SGCIE e o ECO.AP, em que os diplomas estabelecem a responsabilidade e a actuação de cada uma das duas entidades. E parece-me que estes devem ser o foco da sua actividade e que a DGEG deve ter uma voz mais activa na definição das áreas prioritárias.
Os edifícios e a indústria representam cerca de 2/3 dos consumos de energia nacional. O SCE representou, em 2018, cerca de dois terços das receitas da ADENE. Creio que existe ainda hoje muito trabalho por realizar nestas áreas (edifícios e indústria) de modo a que consigamos cumprir com as metas estabelecidas. E um maior foco, ajudará seguramente a alcançar essas mesmas metas.
*As opiniões expressas são as opiniões individuais do entrevistado e que não representam qualquer posição da sua entidade empregadora (BEI)