Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 157 da Edifícios e Energia (Janeiro/Fevereiro 2025).

A bordo da Missão Cidades da União Europeia, Valladolid tem vindo a construir o seu caminho rumo à neutralidade carbónica. O parque edificado é uma das principais preocupações da cidade espanhola pelo facto de, em 2019, os edifícios e o aquecimento terem representado um total de 22 % das suas emissões de GEE. Valladolid definiu, assim, que um dos principais focos da sua estratégia seria a renovação energética dos edifícios e o desenvolvimento de redes de aquecimento urbano.

Segundo dados do município de Valladolid referentes a 2020, os edifícios residenciais são responsáveis por 23,4 % das emissões de dióxido de carbono (CO2) da cidade e os edifícios municipais, juntamente com a iluminação pública, contribuem com 1,58 %. Já a indústria e o sector terciário representam 35,75 % das emissões. No total, uma contribuição de 60,73 % do CO2, a que se soma 39,27 % proveniente dos transportes.

Recentemente, a 28 de Novembro, Valladolid reafirmou o seu compromisso com a neutralidade climática no âmbito da II Conferência Internacional Sevilla City One, um evento que tem como objectivo fomentar o intercâmbio de ideias e promover projectos inovadores para alcançar cidades mais sustentáveis. Alejandro García Pellitero, vereador do Ambiente de Valladolid, sublinhou que o sector dos edifícios será uma área de intervenção fundamental para Valladolid alcançar a neutralidade climática em 2030. Entre as iniciativas destacadas, mencionou a reabilitação energética, a criação de bairros de energia positiva (aqueles que produzem mais energia do que consomem) e o desenvolvimento de comunidades energéticas. Além disso, salientou o “projecto emblemático da cidade”: uma rede de calor para toda a cidade de Valladolid.

Estas acções irão envolver um investimento de cerca de 1,5 mil milhões de euros, dos quais 15 % serão assegurados pelo sector público e 85 % pelo sector privado. É esperado que estas iniciativas permitam poupanças operacionais estimadas em 1,6 mil milhões de euros e co benefícios avaliados em 590 milhões de euros, através da criação de empregos verdes, melhoria da saúde pública e valorização do ambiente urbano.

A ENTRADA NA MISSÃO CIDADES

Edifício intervencionado no âmbito do projecto REMOURBAN.
© Margherita Sforza

Valladolid foi uma das primeiras cidades a aderir à Missão Cidades e a receber o Selo da Missão da UE, em Outubro de 2023, após a apresentação do seu Contrato Climático, o documento que dá a conhecer detalhadamente a forma como a cidade tenciona atingir o seu objectivo de neutralidade carbónica para 2030. Já o Selo da Missão é um reconhecimento da Comissão Europeia pela estratégia para alcançar esse objectivo. A Agência para a Inovação e o Desenvolvimento Económico (IdeVa), sob a alçada da Câmara Municipal de Valladolid, é a entidade que lidera este projecto da Missão Cidades, com a participação de áreas-chave da edilidade, como o Ambiente, a Mobilidade e o Planeamento Urbano.

EDIFÍCIOS ZERO EMISSÕES: “DEMONSTRAR O QUE DEVE SER FEITO”

De acordo com o relatório A Economia Circular em Valladolid, Espanha, publicado em Março de 2020 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a cidade espanhola comprometeu-se, desde 2014, a efectuar renovações com vista à eficiência energética em, pelo menos, 3 % dos edifícios municipais, na sequência da Directiva da Eficiência Energética (2012/27/UE).

O município estabeleceu como prioridade melhorar o desempenho energético do parque imobiliário público, minimizar os edifícios públicos subutilizados e gerar informações sobre os consumos de energia, no sentido de optimizar a sua utilização em cada edifício. A título de exemplo, o relatório acrescenta que, “no âmbito do projecto comunitário REMOURBAN, o município avançou com a reabilitação energética de 398 habitações, com 1 000 habitantes numa área de 24 000 metros quadrados” (ver caixa). A electricidade é fornecida por painéis fotovoltaicos instalados nas fachadas dos edifícios e para o aquecimento urbano e a água quente a opção passa pela biomassa, nomeadamente em alguns edifícios públicos, tais como o Conselho Regional e o campus da Universidade de Valladolid.

Em Dezembro de 2019, a Câmara Municipal de Valladolid aderiu ao Compromisso para Edifícios Carbono Líquido Zero do World Green Building Council. No seguimento da adesão a este compromisso – a primeira cidade espanhola a fazê-lo -, o então presidente da câmara, Óscar Puente Santiago, referiu que “o desafio climático é enorme e Valladolid demonstrou a sua ambição de melhorar a vida dos cidadãos através da melhoria dos edifícios. Estamos a trabalhar em projectos inovadores de eficiência energética em edifícios públicos e privados, a reabilitar os nossos edifícios e a utilizar energia solar. Ser a primeira cidade em Espanha a assinar o Compromisso para Edifícios Carbono Líquido Zero é uma grande oportunidade para demonstrar o que deve ser feito”.

Ao assinarem este compromisso, as cidades e empresas propõem-se a atingir emissões líquidas nulas nos seus próprios edifícios até 2030, e as cidades comprometem-se a que todos os edifícios das suas cidades cumpram o objectivo até 2050. Todo o ciclo de vida dos edifícios é tido em conta e o documento exige que, até 2030:

• Os edifícios existentes reduzam o seu consumo de energia e eliminem as emissões de energia, de fluidos refrigerantes e a utilização de combustíveis fósseis o mais rapidamente possível;

• Os novos empreendimentos e as grandes renovações sejam construídos de modo a serem altamente eficientes, alimentados por energias renováveis, com reduções máximas no carbono incorporado e compensação de todas as emissões iniciais residuais.

O FUTURO DOS EDIFÍCIOS EM VALLADOLID

O Contrato Climático de Valladolid, apresentado em 2023, define prioridades ambiciosas através da implementação de cinco mudanças fundamentais, sendo uma delas a “reabilitação sustentável e medidas abrangentes de eficiência energética”. Neste âmbito, uma das ideias principais é implementar bairros neutros para o clima, “encorajando pelo menos um bairro da cidade a tornar-se energeticamente positivo”. A descarbonização do aquecimento na cidade é vista como uma das principais vias de impacto a desenvolver no âmbito da Missão Cidades em Valladolid. “A experiência anterior no desenvolvimento de redes de aquecimento urbano será a base para promover soluções em grande escala na cidade, incluindo a participação dos bairros, e com projectos de demonstração que consigam fazer avançar bairros energéticos positivos. Espera-se que, com a implementação do aquecimento urbano em colaboração com o governo regional, seja possível atingir 65 % de descarbonização do aquecimento urbano”.

O documento acrescenta o incentivo, “a todos os níveis”, à renovação do parque imobiliário privado para atingir uma taxa de renovação anual de 2 %, actuando também na nova construção para atingir 40 % dos novos edifícios com um consumo de energia quase nulo. Relativamente aos edifícios públicos, a intenção é intervencionar os edifícios municipais existentes para alcançar a designação “carbono zero”, bem como os futuros edifícios sob supervisão municipal. Serão também criadas Comunidades Locais de Energia, juntamente com um pacote de medidas destinadas a promover a eficiência energética em edifícios privados.

Conquistar o apoio dos residentes

Nos subúrbios de Valladolid, um bairro composto por 19 edifícios residenciais e uma torre construídos nos anos 60 é o centro de um ambicioso plano de renovação apoiado pelo projecto comunitário REMOURBAN. Valladolid espera reduzir para metade o consumo de energia do bairro e diminuir em 80 % as emissões de CO2.

No início, os moradores mostraram-se reticentes e, inclusivamente, lutaram contra o projecto. Num comunicado de imprensa divulgado pelo REMOURBAN, Miguel García-Fuentes, coordenador da iniciativa, afirmou o seguinte: “Foi muito difícil estabelecer contacto com os residentes e discutir as soluções. Muitos deles eram idosos, não estavam familiarizados com os métodos de comunicação que estávamos a utilizar e tinham pouca confiança nos benefícios derivados das acções que estávamos a propor. Além disso, tinham de pagar parcialmente as obras”.

Foram precisos quase dois anos para conseguir a adesão de todos os 1 180 residentes de 398 habitações. Uma alteração na estratégia da equipa do projecto, que passou por um maior envolvimento dos cidadãos nas tomadas de decisão, foi a chave para ganhar a aprovação dos residentes. “O plano de sensibilização e as mensagens-chave do projecto foram revistos para melhor atingir os corações e as mentes dos residentes. Trata-se de ganhar a confiança com mensagens claras e de conseguir que os residentes convençam os outros no seu bairro. Os residentes não querem dar ouvidos a especialistas ou a grandes empresas. Eles confiam mais noutros moradores”, acrescentou García-Fuentes.

As principais intervenções incluíram a instalação de uma envolvente exterior no edifício e um sistema de revestimento de isolamento térmico exterior nas fachadas e coberturas. A instalação de uma nova caldeira de biomassa de 850 kW e a substituição da rede de aquecimento reduziram o consumo de energia do bairro em 45 %, de acordo com o município.

Antes do projecto, cada apartamento possuía a sua própria caldeira de água quente, paga separadamente. Agora, para reduzir os custos de energia, o fornecimento foi centralizado, com uma ligação à rede de aquecimento central através de tubos externos. O consumo de energia passou a ser monitorizado através de uma plataforma digital.

A fachada sul da torre foi coberta com 458 metros quadrados de painéis fotovoltaicos, fornecendo energia ao edifício e às 56 famílias que nele vivem.

Cada família teve de pagar perto de três mil euros para a renovação do bairro, mas tudo indica que este montante será atenuado por facturas de energia mais baixas. A poupança no consumo de energia acabará, portanto, por pagar as obras de renovação.

Fonte: CORDIS-EU

PROJECTOS EM VALLADOLID NO PARQUE EDIFICADO

Jesús Julio Carnero, presidente da Câmara Municipal de Valladolid. © IdeVa

A renovação e reabilitação energética do parque imobiliário é, como se viu, uma das prioridades para alcançar a descarbonização do sector. Neste sentido, a cidade de Valladolid está a colaborar com projectos como o LEGOFIT. O objectivo é demonstrar a viabilidade dos edifícios de energia positiva. Assim, ao abrigo desta iniciativa, Valladolid lança a reabilitação integral de um edifício para maximizar a sua eficiência energética. Um total de 126 habitações do Parque Arturo León será remodelado com elevados padrões de eficiência energética, de modo a aproximar-se do modelo de edifício de energia positiva. Isto implica a renovação integral de fachadas e coberturas e a produção de energia com fontes renováveis (geotérmica e fotovoltaica: bombas de calor com dissipação geotérmica e uma fachada fotovoltaica ventilada nas quatro fachadas viradas a sul).

O projecto URBANEW é um outro exemplo. O modelo piloto em Valladolid irá estudar mecanismos e ferramentas para o desenvolvimento de soluções de regeneração urbana, algo que vai implicar a intervenção de várias entidades – associações de proprietários, administradores de imóveis, sector da construção, sector financeiro e sector energético -, com o objectivo de promover uma transformação dos edifícios na cidade. Para atingir as metas do projecto, Valladolid terá de levar a cabo diferentes acções, tais como o desenvolvimento de um projecto de formação e workshops no contexto da reabilitação energética e dos mecanismos de financiamento.

OS DESAFIOS DO FINANCIAMENTO

Para fazer face às ambições da cidade no que toca aos edifícios e acelerar a descarbonização, o Plano de Investimento do Acordo Climático de Valladolid identifica as acções prioritárias a implementar nos diferentes sectores. Para além disso, identifica também os actores públicos e privados fundamentais para a implementação de investimentos. De acordo com o documento, para reduzir os níveis de emissões em 85 %, a cidade precisaria de um investimento de cerca de 1 540 milhões de euros até 2030. Deste valor, 87 % deverá provir de investimento privado e 13 % de investimento público. Os restantes 15 % de emissões seriam conseguidos através de acções de compensação, como os sumidouros de carbono em ambiente urbano.

Presidente da Câmara de Valladolid juntamente com embaixadores da Missão Valladolid. © IdeVa

Apesar do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Valladolid no que diz respeito ao financiamento, subsistem alguns desafios. Em termos de acumulação de investimento e financiamento privado, estes desafios centram-se nos seus Planos de Acção do Contrato de Cidade Climática, divididos em quatro áreas-chave: a renovação energética de edifícios, o desenvolvimento de redes de aquecimento urbano, a promoção de comunidades energéticas locais e a adaptação da mobilidade sustentável.

Os principais desafios são a viabilidade financeira dos planos de acção, uma vez que os responsáveis consideram que o investimento local não é suficiente para atingir o investimento total, e a necessidade de formas mais inovadoras de envolver as principais partes interessadas, como empresas privadas, cidadãos, proprietários de casas e edifícios, para que se comprometam a investir na neutralidade climática.

Certo é que o feito de reduzir a pegada de carbono da cidade “só pode ser alcançado se for partilhado por toda a cidade”. Quem o disse foi Jesús Julio Carnero, presidente da Câmara Municipal de Valladolid, quando recentemente reuniu na Câmara Municipal, pela primeira vez, quase 150 entidades que aderiram à Missão Valladolid. “É uma conquista, e um orgulho como cidade, que este programa já inclua cerca de 150 entidades dos sectores produtivo, associativo, académico e institucional de Valladolid como base para a plataforma da cidade da Missão Valladolid”.

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