Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 153 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2024).

O AUTOR: Jarek Kurnitski, do Comité de Tecnologia e Investigação da REHVA, Estónia

A nova revisão da Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) pretende englobar a qualidade do ambiente interior (QAmI), quer nos edifícios novos, quer nas reabilitações. Embora nos edifícios novos a ventilação controlada seja necessária para garantir o desempenho energético, verifica-se também um ligeiro desvio de foco na renovação, passando-se da prevenção de possíveis efeitos negativos para uma QAmI óptima.

Num espaço de 20 anos, a EPBD desenvolveu-se tornando-se num documento abrangente e tecnicamente complexo. A primeira directiva foi lançada em 2002 e, com cerca de oito anos, foi revista em 2010, e, depois, em 2018. A terceira revisão está em andamento [* ver nota]. A REHVA – Federação Europeia das Associações de Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado tem uma longa história no desenvolvimento de orientações técnicas para a aplicação nacional harmonizada da QAmI, orientações que têm um papel importante na EPBD.

O papel da EPBD é realçado pelo facto de não existirem outras políticas da União Europeia (UE) para o ar interior enquanto o ar exterior tem uma directiva própria. Assim, a QAmI, as condições climáticas internas, a ventilação, o conforto e, recentemente, a qualidade do ambiente interior óptima são abordados em muitos artigos na EPBD, mas o estabelecimento de requisitos explícitos é da responsabilidade dos Estados-Membros.

A actual revisão da EPBD inclui novos requisitos para medição, controlo e monitorização da QAmI. Inspirada na proposta do Parlamento Europeu no Artigo 11.º-A “Qualidade do ambiente interior”, a REHVA desenvolveu orientações técnicas para entender a QAmI no projecto e no funcionamento do edifício, bem como para dar opções de como definir os requisitos nacionais da QAmI [1]. Embora o Artigo 11.º-A possa ser suprimido, os seus princípios importantes permanecerão na EPBD.

A QAmI NO ARTICULADO DA EPBD

A QAmI não é um tema fácil na EPBD porque o mandato é para a energia. A EPBD assenta no requisito essencial de que a implementação das melhorias de energia não podem resultar em efeitos negativos na QAmI, mas a implementação da QAmI não está no âmbito da EPBD; no entanto, muitas vezes há essa necessidade na renovação de edifícios antigos. Mais especificamente, este importante princípio já foi abordado em 2018, na EPBD, Artigo 5.º, e não houve nenhuma mudança na revisão actual em vigor: “Ao definir requisitos mínimos de desempenho energético, esses requisitos devem ter em conta as condições gerais de clima interior a fim de evitar possíveis impactos negativos, como uma ventilação inadequada…”

A definição da QAmI na EPBD (Artigo 2.º, 57g) coloca o foco no conforto térmico e na qualidade do ar interior (QAI): “A QAmI representa o resultado de uma avaliação no interior de um edifício com base em parâmetros como temperatura, humidade, taxa de ventilação e presença de contaminantes, influenciando a saúde e o bem-estar de seus ocupantes”. Com base nesta definição, pode-se esperar que os requisitos mínimos nestes dois domínios da QAmI (conforto térmico e QAI/ventilação) sejam definidos na regulamentação nacional ou legislação da construção.

É sabido que o isolamento adicional e a substituição das janelas irão inibir a renovação de ar por ventilação natural se o sistema de ventilação não for instalado, resultando no desenvolvimento de fungos e outros problemas de QAI.

O Artigo 7.º revisto para edifícios novos e o Artigo 8.º para edifícios existentes destacam a QAmI tanto para edifícios novos quanto para grandes reabilitações, sustentando que “deve ser considerada uma óptima QAmI ”, pelo que a regulamentação nacional, pelo menos no que respeita ao conforto térmico e à QAI/ventilação, deve fixar requisitos se actualmente não estiverem estabelecidos. No entanto, o Artigo 9.º para reabilitações de acordo com as Normas de Desempenho Energético Mínimo (NDEM) não aborda a questão da QAmI. Espera-se que o desempenho energético mínimo na renovação seja tipicamente uma pequena melhoria na classificação do certificado energético – uma ou duas classes, que colocarão um alto risco de deterioração da QAI sobre edifícios residenciais se a melhoria da ventilação não for considerada.

É bastante evidente que os requisitos de ventilação são mais cruciais em qualquer renovação de edifícios residenciais, independentemente do tipo de renovação (grande, profunda ou NDEM). Enquanto a estratégia da Vaga de Renovação visa renovar 35 milhões de unidades até 2030, dobrando e aprofundando as taxas de renovação e aplicando as normas de desempenho energético mínimo, há uma séria questão de ventilação. É sabido que o isolamento adicional e a substituição das janelas irão inibir a renovação de ar por ventilação natural se o sistema de ventilação não for instalado, resultando no desenvolvimento de fungos e outros problemas de QAI. O princípio Build airtight and ventilate right [construir para a estanquidade e ventilar adequadamente] é evidente para os especialistas, mas infelizmente muitas vezes não é aplicado na prática de renovação residencial se não forem estabelecidos requisitos claros (Figura 1).

 

 

 

 

Figura 1 – Exemplo de renovação ligeira com QAI deteriorada. Substituída, a nova janela hermética impede a ventilação, resultando no crescimento de fungos em pontes térmicas. Imagem térmica e fotografia.

A QAmI NA EPBD REPRESENTA UM TRIPLO DESAFIO

De acordo com o âmbito da EPBD para edifícios renovados e novos, existem três tipos de desafios a enfrentar. São os seguintes:

  1.  Normas de desempenho energético mínimo. Como será abordada a QAmI e a ventilação na renovação passo a passo? Actualmente, esta questão não é abordada.
  2. Grandes e profundas renovações. Os requisitos da QAmI devem incentivar a instalação de novos sistemas de ventilação em edifícios residenciais, o que é abrangido pelo Artigo 8.º.
  3. A QAmI em edifícios com emissões nulas. É necessário um funcionamento inteligente e controlado pela demanda para executar uma nova visão de transformação do parque imobiliário da UE em edifícios com emissões nulas até 2050, que é abordado no Artigo 11.º para os sistemas técnicos.

Embora as NDEM sejam um novo instrumento, a EPBD de 2018 introduziu estratégias de renovação a longo prazo com metas ambiciosas para uma renovação profunda. A taxa de renovação profunda da UE28 foi estimada em 2020 em 0,2-0,3 % por ano e a taxa anual ponderada de renovação energética em 1,0-1,2 % por ano nos edifícios residenciais e não residenciais, respectivamente [2]. A estratégia da Vaga de Renovação visa duplicar a renovação energética para 2 % ao ano. Tal resultará em elevados volumes de renovação, apoiados por subvenções para renovação e outros incentivos. Embora existam incentivos, seria importante estabelecer requisitos de ventilação adequados, juntamente com requisitos de desempenho energético mínimo. Vejamos, por exemplo, as subvenções estónias para renovação de edifícios de apartamentos multifamiliares, que exigem a instalação de ventilação de recuperação de calor em grandes obras de renovação (Figura 2) a partir de 2015. Este desenvolvimento baseou-se nas lições aprendidas, uma vez que uma primeira geração de subsídios de renovação resultou em soluções de ventilação deficientes e até mesmo em apartamentos com fungos, em alguns casos. A situação foi alterada através do desenvolvimento de soluções regulamentares e modelos para uma renovação profunda.

Como é impossível, na prática, a monitorização directa de todos os contaminantes do ar interior, a EN 16798-1:2019 apoia a utilização da concentração de CO2, que pode ser continuamente monitorizada, para comandar a ventilação, que é o factor mais importante para garantir uma boa QAI.

EDIFÍCIOS COM EMISSÕES NULAS

Enquanto para edifícios existentes o objectivo da EPBD é evitar efeitos negativos na QAmI, nos edifícios novos com emissões nulas a preocupação é com o desempenho energético da ventilação e dos sistemas de ar condicionado. Isso é abordado no Artigo 11.º para os sistemas técnicos do edifício, como se descreve nos pontos infra.

  • Os Estados-Membros devem exigir que os edifícios residenciais com emissões nulas sejam equipados com dispositivos de medição e controlo para a regulação da qualidade do ar interior a um nível de unidade relevante.
  • Nos edifícios existentes, devem ser exigidos tais dispositivos sempre que um edifício seja sujeito a uma grande renovação e se técnica e economicamente viáveis.

Figura 2 – Edifício de apartamentos estónio renovado com subvenção KredEx (30% de apoio financeiro), que requer a instalação de ventilação com recuperação de calor. Na fotografia, as condutas de insuflação e uma parte das condutas de extracção são instaladas na fachada antes do isolamento adicional e a unidade de ventilação com recuperação de calor será instalada na cobertura renovada.

Isto é talvez o requisito novo mais importante que terá implicações directas na construção de futuros edifícios novos. Os sistemas de ventilação controlada por demanda com sensores (Figura 3) estão há muito tempo no mercado, mas a sua utilização tem sido limitada devido a problemas de qualidade em instalação e comissionamento. Não é evidente que esses sistemas funcionem de acordo com o projecto, portanto, há uma clara necessidade de ter a indústria a desenvolver sistemas robustos e confiáveis que sejam compatíveis com o comissionamento contínuo e não exijam muita manutenção. Estas considerações tornam razoável que a exigência na EPBD esteja limitada a edifícios não residenciais, sistemas controlados por CO2 e temperatura em espaços continuamente ocupados, como salas de aula, escritórios, salas de reunião, restaurantes, cozinhas, lojas, ginásios, etc.

A redacção da EPBD sobre dispositivos de medição e controlo para a regulação da qualidade do ar interior em edifícios não residenciais pode levantar a questão sobre quais são os parâmetros que devem ser efectivamente medidos. Não há orientação no Artigo 11.º, mas o Artigo 11.º-A afirma que os requisitos devem ser estabelecidos de acordo com indicadores mensuráveis baseados na abordagem Level(s).

O(s) Level(s) consistem numa abordagem proposta pela UE para a sustentabilidade de edifícios [3] e, de acordo com os princípios da economia circular, onde os indicadores da QAI e de conforto térmico 4.1 [4] e 4.2 [5] são os que constam da EN 16798-1:2019. Se o Artigo 11.º-A for suprimido, os Level(s) permanecem uma referência válida. Como é impossível, na prática, a monitorização directa de todos os contaminantes do ar interior, a EN 16798-1:2019 apoia a utilização da concentração de CO2, que pode ser continuamente monitorizada, para comandar a ventilação, que é o factor mais importante para garantir uma boa QAI. Há também sensores de baixo custo para monitorização de partículas PM2.5 a fim de garantir que o ar exterior para a ventilação está limpo ou adequadamente filtrado e que não há fontes internas significativas de partículas.

Figura 3 – Em edifícios novos não residenciais é esperado que os sistemas de ventilação e ar condicionado controlados por demanda contribuam para o desempenho energético dos edifícios com emissões nulas. Para se terem sistemas de ventilação e ar condicionado eficazes é essencial o seu controlo baseado na temperatura e na concentração de CO2.

Assim, para controlar a QAI, devem existir requisitos de ventilação e filtragem, e o uso de materiais de construção de baixa poluição devem ser promovidos para limitar as fontes internas. Os requisitos de ventilação e conforto térmico são especificados na norma EN 16798-1:2019 e os filtros de partículas finas de ePM1 ou ePM2.5 podem ser recomendados de acordo com a EN 16798-3:2017. Enquanto a orientação da QAI para edifícios não residenciais é bastante detalhada nestas normas, a operação de sistemas de ventilação para uma óptima QAI não é abrangida nas normas existentes. Assim, para implementar o requisito EPBD sobre a regulamentação da QAI será necessário algum desenvolvimento de orientações sobre como seleccionar os valores de ajuste de CO2 relevantes para cada categoria de espaço, pois estes dependem da densidade de ocupação e da categoria do clima interior. Algumas orientações são fornecidas no documento da REHVA [1] e este tópico é também tratado na revisão em curso da EN 16798-1:2019.

VENTILAÇÃO E QAI EM EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS

Os requisitos de ventilação para edifícios de habitação são outro tópico que não é abordado de forma detalhada nas normas existentes devido a diversas práticas e diversos requisitos. A norma EN 16798-1:2019 especifica caudais de ar novo de apenas 0,42 l/s m² (0,6 RPH) para uma habitação e 7 l/s por pessoa, o que não é o suficiente para projectar os caudais de ar novo adequados para quartos e salas de estar, bem como os caudais de extracção para casas de banho e cozinhas. Estes requisitos gerais são desenvolvidos ainda mais no guia da REHVA GB 25 [6], oferecendo um possível exemplo a utilizar na regulamentação (Quadro 1).

CONCLUSÕES

  • A revisão da directiva EPBD mantém, no Artigo 5.º, um importante princípio a ter em conta ao definirem-se requisitos mínimos de desempenho energético – as condições gerais de clima interior, a fim de evitar possíveis impactos negativos, como uma ventilação inadequada.
  • O Artigo 11.º salienta que o desempenho energético com emissões nulas necessita de controlos inteligentes, estabelecendo novos requisitos ambiciosos para a instalação de dispositivos de medição e controlo para a regulação da qualidade do ar interior a um nível de unidade relevante nos edifícios não residenciais com emissões nulas.
  • Os Artigos 7.º e 8.º exigem que se trate da questão da qualidade do ambiente interior óptima em novos edifícios e em grandes renovações, assinalando a necessidade de os requisitos nacionais da QAmI serem estabelecidos se ainda não o estiverem.
  • Os Artigos 8.º e 9.º não abordam a questão da QAmI na renovação de acordo com as NDEM – na implementação nacional recomenda-se estender também os requisitos da QAmI de grandes renovações para as renovações de acordo com as NDEM.
  • A QAmI é definida na directiva EPBD como temperatura, humidade, taxa de ventilação e presença de contaminantes, com referência à abordagem Level(s) e à norma EN 16798-1:2019.
  • Quando a redacção final da directiva EPBD estiver disponível, a REHVA actualizará o documento de orientação sobre como definir os requisitos nacionais da QAI/ventilação e de conforto térmico.

Referências

[1] REHVA 2023 Proposed modifications and guidelines for implementation of Article 11a ‘Indoor environmental quality’ in EPBD draft, June 2023. https://www.rehva.eu/fileadmin/ user_upload/2023/EPBD_IEQ_Guidance.pdf
[2] Zangheri, P. et Al., Progress of the Member States in implementing the Energy Performance of Building Directive, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2021, EUR 30469 EN, ISBN 978-92-76-25200-9, doi:10.2760/914310, JRC122347 .
[3] Level(s), European framework for sustainable buildings. https://environment.ec.europa.eu/ topics/circular-economy/levels_en
[4] Dodd N., Donatello S. & Cordella.M., 2021. Level(s) indicator 4.1: Indoor air quality user manual: introductory briefing, instructions and guidance (Publication version 1.1)
[5] Dodd N., Donatello S., & Cordella M., 2021. Level(s) indicator 4.2: Time outside of thermal comfort range user manual: introductory briefing, instructions and guidance (Publication version 1.1)
[6] [6] REHVA Guidebook No 25, Residential Heat Recovery Ventilation. https://www.rehva. eu/eshop/detail/residential-heat-recovery-ventilation

*Este artigo foi escrito antes da recente aprovação da revisão da Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios

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