Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 155 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2024).

Já pensou em trabalhar num “edifício vivo”? Agora, este pensamento não é utópico. O primeiro edifício comercial certificado como Living Building está em Portland, Oregon, nos Estados Unidos da América. Além de cumprir rigorosos padrões, respondendo a necessidades energéticas, de temperatura, de água e até estéticas, está preparado para durar 500 anos. A longevidade é um ponto fulcral e este edifício promete estabelecer novos padrões para o futuro da arquitectura sustentável.

PAE Living Buiding pode comparar-se a uma árvore, diz Milena di Tomasso, arquitecta e gestora do projecto na área de design. O edifício “utiliza toda a água e toda a energia que recebe de forma a não prejudicar o meio ambiente”. Já gerou 113 % da energia eléctrica necessária para alimentar todo o edifício a partir de painéis solares fotovoltaicos no local e fora dele e também recolheu e tratou 100 % da água necessária para todas as funções do edifício, incluindo água potável.

Desenvolvido pelo gabinete de arquitectura ZGF, o edifício demarca-se como uma iniciativa que luta contra as alterações climáticas e que aposta na promoção da sustentabilidade. O sector da construção civil é responsável por uma grande parte das emissões de carbono e este projecto demonstra que há alternativas na indústria para reduzir este impacto ambiental.

O gabinete ZGF foi até reconhecido pelo design do PAE Living Building com o prémio AIA 2024 COTE Top Ten Award, que distingue os projectos que vão ao encontro dos rigorosos critérios na área social, económica e da sustentabilidade do comité do Instituto Americano de Arquitectos (AIA).

Foram investidos mais de 25 milhões de dólares (mais de 22 milhões de euros) na construção deste edifício.

O QUE É UM “EDIFÍCIO VIVO”?

O PAE Living Building é mais do que um edifício e isso é visível pela abordagem holística utilizada. Deixa de ser apenas uma simples construção para se tornar num sistema vivo que interage com o meio à sua volta e se consegue adaptar às necessidades.

Isto é fundamental para a filosofia do Living Building Challenge, um rigoroso padrão de construção verde que exige um desempenho real e quantificável em diversas áreas, denominadas pétalas, tal como numa flor. Milena di Tomasso refere que todos os que estavam envolvidos no projecto sabiam aquilo que era preciso fazer. “Todos os sistemas do edifício, mecânico, eléctrico, hidráulico, estrutural… Tudo tinha que ter essas pétalas em mente desde o primeiro dia, desde o conceito de design.”

 

São sete as áreas ou pétalas a que um edifício tem de dar resposta para ser considerado um “edifício vivo”.

1 – Lugar

A construção de um edifício comercial resulta num maior tráfego na área circundante. Isto permite revitalizar o bairro e aumentar o valor daquela área de terreno, o que, aliado à singularidade do edifício, pode significar maior atractividade para empresas.

2 – Água

O edifício é 100 % auto-suficiente neste aspecto. A água utilizada é água da chuva que é recolhida ou água cinzenta que é reutilizada para necessidades não potáveis. Toda a água é recolhida e tratada no local. A arquitecta explica que o edifício tem uma válvula que o conecta às águas municipais e existe para ser utilizada apenas em emergência.

3 – Energia

O edifício produz mais energia eléctrica do que aquela que consome. Esta é produzida através de painéis fotovoltaicos instalados no edifício e fora dele. Como o edifício está localizado numa zona histórica (Skidmore/Old Town), os painéis solares fotovoltaicos não podem estar visíveis. Assim sendo, para ser possível captar toda a energia solar através destes painéis, foi escolhido um outro edifício, de habitação acessível, que se tornou a casa dos painéis fotovoltaicos, cuja energia vai directamente para o PAE Living Building. Qualquer excesso produzido é devolvido à rede eléctrica, beneficiando a comunidade local e reduzindo a dependência de fontes de energia não renováveis.

Além disso, Milena di Tomasso afirma que se houver um corte de electricidade “o edifício consegue continuar a funcionar durante cerca de 100 dias”. Isto é possível graças a uma aposta em armazenamento de energia, que permite ao edifício continuar a funcionar sem bateria. A energia solar externa no local e o armazenamento de bateria no local permitem a produção líquida de energia positiva e a ligação com a rede da cidade.

4 – Saúde e Felicidade

O PEA Living Building não deixa a saúde e o bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores de parte. Inclui, por exemplo, a instalação de janelas operáveis (em 70 % do espaço do perímetro do edifício), a qual reduz as necessidades de arrefecimento ou aquecimento do espaço para menos de metade daquelas que existiriam num edifício com mais de cinco mil metros quadrados.

Quanto à iluminação, 100 % dos sistemas utilizam tecnologia LED e 68 % têm uma classificação CRI (Índice de Reprodução Cromática, em português) de 90+. A grande quantidade de luz solar recebida permite a diminuição do consumo energético associado à utilização de luzes eléctricas, ao mesmo tempo que aumenta a felicidade e a produtividade dos trabalhadores.

A biofilia (amor à vida e afinidade com o mundo natural) está também presente no edifício, principalmente no deckony, que oferece ar fresco, vistas e uma conexão directa com a natureza, desde o quinto piso do edifício.

Para obter a certificação de Living Building, o edifício deve respeitar o Padrão da Lista Vermelha ILFI (International Living Future Institute), que restringe o uso de materiais como amianto, chumbo ou mercúrio. Isto contribui para um ambiente mais saudável para os trabalhadores. A arquitecta Milena di Tomasso refere que o processo foi moroso. “A própria indústria ainda se está a tentar actualizar. Então, para rotular alguns materiais de forma correcta, tivemos de contratar um consultor para avaliar todo o material e fez-se essa verificação com o nosso empreiteiro geral. Foi um processo realmente demorado.”

5 – Materiais

Todos os materiais utilizados na construção do edifício estão fora da Lista Vermelha ILFI e 50 % são de origem local e regional. Os materiais são, assim, de origem sustentável e abrangem, inclusive, madeira laminada cruzada da Colúmbia Britânica, certificada pelo Forest Stewardship Council. “Tivemos de utilizar, por exemplo, um tecido que é um material natural, porque não possui o corante que todos os produtos químicos têm e que são prejudiciais às pessoas. Desde as válvulas, à iluminação, à pintura e aos azulejos, tudo teve de ser verificado”, explica a gestora de projecto em design, acerca dos cuidados minuciosos que se devem considerar para pensar e construir um edifício com estas características tão específicas.

6 – Equidade

As restrições inerentes quer ao facto de o edifício estar localizado numa zona histórica, que foi construída no final dos anos 1800, quer ao espaço limitado no telhado significavam que o edifício não conseguia produzir 100 % da energia necessária. No entanto, encontrou-se uma solução: o PAE Living Building retém os Créditos de Energia Renovável enquanto um empreendimento local de habitação acessível obtém energia gratuita no local.

A arte está também presente. É possível observar três murais de um artista local e também esculturas em madeira de um artista BIPOC (Black, Indigenous, People of Color).

7 – Estética

Esta área/pétala pode parecer mais superficial, mas há muito por onde explorar em termos de design de um edifício, tornando-o não só bonito como também funcional e sustentável. Milena conta-nos que as escadas, por exemplo, estão “realmente bonitas para incentivar as pessoas a usarem as escadas em vez do elevador”, contribuindo de igual modo, desta forma, para a saúde dos próprios colaboradores.

A INOVAÇÃO MARCA PRESENÇA NA ZONA HISTÓRICA DE PORTLAND

Tudo parece funcionar em uníssono neste prédio. O próprio edifício responde às necessidades. Um sistema mecânico foi criado para que as janelas abram e fechem para, por exemplo, “serem abertas à noite e permitirem a circulação de ar”, indica a responsável. “Logo, o ar quente sai do prédio. As pessoas podem abri-las para que não precisem de usar tanto o ar condicionado.”

O PEA Living Building funciona com sistemas avançados de automação e monitorização, que permitem que isto aconteça. O edifício ajusta automaticamente os seus procedimentos para maximizar a eficiência energética e o conforto, neste caso, dos trabalhadores. Sensores inteligentes monitorizam tudo, desde a qualidade do ar até ao consumo de energia, o que permite uma gestão proactiva e informada do edifício. “Quando a temperatura externa é boa para ter um pouco de ar fresco, as janelas abrem-se automaticamente”, explica a arquitecta. Os trabalhadores dizem que parece que “o edifício está realmente a respirar e está vivo”.

Construir um edifício que cumpra as rigorosas regras do Living Building Challenge já é, por si só, um desafio, mas construí-lo numa zona histórica é ainda mais desafiante. Tiveram de ser cumpridos vários requisitos e Milena di Tomasso diz que o principal foi conseguir planear todo o projecto tendo isso em mente, além de todos os processos de aprovação que foram necessários.

Algo que não era critério para obter a certificação de Living Building, mas que o edifício de Portland tem, é a categoria IV de protecção contra terramotos. Isto significa que esta construção tem, assim, o mesmo nível de protecção que hospitais ou quartéis de bombeiros, por exemplo. Um edifício que tenha este tipo de resiliência pode diminuir o espaço que tem em relação a outro edifício, o que permite, e permitiu, ganhar mais dez centímetros de terreno e obter, desse modo, mais espaço útil.

UM EDIFÍCIO QUE ESTÁ PRONTO PARA DURAR 500 ANOS

A durabilidade foi um ponto fulcral do projecto. Normalmente, os edifícios comerciais são construídos para durarem entre 50 e 100 anos, mas este, em Portland, prometeu quebrar todos os recordes. O PAE Living Building foi construído para chegar até aos 500 anos.

Tudo foi escolhido ao pormenor. Os materiais escolhidos para o projecto foram seleccionados não só pela sua sustentabilidade, mas também pela sua longevidade e resistência. Entre eles, destacam-se metais recicláveis, madeira tratada para resistir à degradação e betão de alta resistência. Além disso, o edifício foi concebido equacionando a sua flexibilidade. Isto possibilita adaptações e remodelações futuras sem necessidade de demolições de grande escala. Esta abordagem assegura que o edifício se possa adaptar a novas tecnologias e necessidades ao longo do tempo, mantendo a sua integridade estrutural e minimizando o impacto ambiental. O PEA Living Building também inclui um plano de manutenção detalhado, que abrange a substituição de componentes desgastados e a execução de reparos preventivos.

Além da parte mais estrutural do edifício, Milena di Tomasso fala numa relação significativa entre ele e a comunidade. “Eu sou italiana e isto lembra-me um bocadinho daquilo que temos na Europa. Quando construímos algo queremos que signifique alguma coisa e que seja importante. É como um legado de toda a equipa, uma ligação para os trabalhadores e vizinhos, para a comunidade e para a cidade.”

Paralelamente, a própria localização do edifício, em Portland, foi um factor considerado para assegurar a durabilidade. Espera-se que o Nordeste dos Estados Unidos da América seja atingido por um evento sísmico de grande escala nos próximos 100 anos. As alterações climáticas são um desafio e o objectivo é construir um edifício que consiga resistir a tudo isso. Estruturas reforçadas, sistemas de drenagem eficientes e o uso de materiais resilientes garantem que o edifício possa suportar eventos climáticos extremos, podendo até servir como abrigo em situações de catástrofe e emergência.

UM EDIFÍCIO A PENSAR NO FUTURO

Todo o processo durou cinco anos, desde a concepção do edifício, em 2016, passando pela sua conclusão, na Primavera de 2020, até à sua abertura, no Outono de 2021. Enfrentou uma pandemia, incêndios graves no estado de Oregon e ainda uma forte tempestade de neve. Ainda assim, todos os prazos foram cumpridos e em Setembro de 2021 o edifício estava de pé, operacional e pronto para receber trabalhadores.

Os vizinhos que foram acompanhando o processo viram a construção do PAE Living Building de bom grado, até porque, com as dificuldades trazidas pela Covid-19 e com a paralisação de comércio, o movimento diário de trabalhadores pela cidade naquela zona histórica, graças ao edifício, foi uma mais-valia e uma grande ajuda para manter negócios de pé. Além disso, muitos dos materiais utilizados também são de origem local, o que impulsionou a economia local. Milena refere que isso “deixa uma mensagem positiva e esperançosa para a cidade, [a] de que, sim, podemos fazer isto e podemos ajudar o bairro a melhorar financeiramente e também socialmente”.

O PEA Living Building, em Portland, é mais do que um edifício. É um símbolo de inovação e compromisso com um futuro sustentável. Este é o 35.º “edifício vivo” no mundo e vem mostrar, mais uma vez, que é possível alcançar um projecto como este e ir mais além. A meta de durabilidade de 500 anos reflecte uma visão de longo prazo, que é essencial no futuro da indústria da construção civil. “Espero que inspire outras cidades, outros proprietários, outros arquitectos a fazerem o mesmo. É um modelo replicável e financeiramente viável”, sublinha Milena di Tomasso.

Num mundo que enfrenta desafios ambientais sem precedentes, projectos como este mostram que um futuro melhor é não apenas possível, mas também alcançável, através de determinação, criatividade e cooperação.