Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 161 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2025).

Com potencial a ser explorado, a geotermia está a ganhar protagonismo na transição energética a nível europeu. Contrariamente a outros tipos de energia renovável, esta fonte de calor e electricidade é estável, baixa em emissões e está disponível de forma constante no subsolo 24 horas por dia, 365 dias por ano. Cada vez mais, a geotermia ganha terreno como uma peça-chave para a descarbonização da Europa.

Os Estados-Membros terão de reforçar o seu investimento em projectos geotérmicos, alavancados por fundos europeus e enquadramento legal favorável. A União Europeia inclui a geotermia na lista de tecnologias estratégicas e pretende integrá-la nas redes térmicas e eléctricas do continente. Assim, este recurso, que durante muito tempo foi subaproveitado, parece estar a emergir. O que o futuro reserva para este recurso que a Terra tem para oferecer?

PANORAMA DA GEOTERMIA NO MUNDO E NA EUROPA

Embora lhe seja reconhecido o potencial, a geotermia continua a ser uma tecnologia longe de ter peso na matriz energética global. De acordo com dados da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), a energia geotérmica fornece geração de electricidade em mais de 30 países em todo o mundo, tendo atingido uma capacidade instalada total de cerca de 16 gigawatts (GW) em 2021. No início da década de 1950, esta capacidade era de apenas 200 megawatts eléctricos (MWe), antes de a energia geotérmica ter um aumento nas décadas de 1970 e 1980, em parte devido às crises petrolíferas. Desde 2000, a capacidade instalada de electricidade geotérmica aumentou a uma taxa média anual de cerca de 3%.

Apesar deste crescimento, a IRENA indica que a energia geotérmica representou apenas 0,5% do mercado global de electricidade renovável em 2022. Os países com maior capacidade instalada são os Estados Unidos, Indonésia, Filipinas, Turquia, Islândia, Quénia e Itália, todos situados em zonas com alta actividade vulcânica ou geológica, algo que facilita o acesso aos recursos.

A nível europeu, a situação não difere muito. Um relatório do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia indica que, em 2021, a capacidade bruta de produção de electricidade geotérmica atingiu mais de 1 gigawatt eléctrico (GWe), enquanto a capacidade líquida foi de 877 MWe. Naquele ano, a produção de electricidade da UE foi de 6.717 GWh. Itália destaca-se como o país responsável pela maior fatia de produção de electricidade – 6.026,1 GWh. Podem ainda ser mencionados outros países, embora com produções consideravelmente menores: Alemanha (231 GWh), Portugal (217 GWh), França (133 GWh) e Croácia (93 GWh).

Dados mais recentes mostram que a energia geotérmica gerou 0,2% da electricidade na UE. O sector do aquecimento e arrefecimento urbano geotérmico registou uma taxa de crescimento da capacidade instalada de 6% e, em 2021, existiam 262 sistemas com uma capacidade instalada total de 2,2 GWth. No geral, a energia geotérmica representou 2,8% das fontes de energia renovável utilizadas para a produção de energia primária na UE em 2021.

AS ESTRATÉGIAS E LEGISLAÇÃO EM VIGOR NA UE

Reconhecendo o papel estratégico da geotermia para o cumprimento das metas climáticas, a União Europeia tem vindo a reforçar o seu quadro legislativo com o objectivo de ultrapassar os obstáculos ao desenvolvimento do sector. O apoio ao sector geotérmico está ancorado no Pacto Ecológico Europeu e nas políticas de descarbonização e transição energética. Os próprios Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC) apresentados pelos Estados-Membros à Comissão Europeia reflectem um interesse crescente pela energia geotérmica.

Contudo, são necessários mecanismos europeus de apoio concretos, que estão a ganhar forma através de directivas e estratégias. A última revisão da Directiva Energias Renováveis (RED III) aumentou a meta geral para a quota de fontes de energia renováveis até 2030. No que diz respeito à geotermia, foi estabelecida uma meta vinculativa para um aumento anual de um ponto percentual na quota de renováveis para aquecimento e arrefecimento. A directiva dá acesso prioritário à electricidade geotérmica e prevê incentivos ao investimento, como tarifas de incentivo (feed-in tariffs) ou prémios.

Já a Directiva de Eficiência Energética, também revista, reforça os critérios de sustentabilidade dos sistemas de aquecimento e arrefecimento ao redefinir o conceito de “sistema eficiente”. O novo enquadramento impõe uma incorporação progressiva de energias renováveis, sendo que, neste âmbito, a geotermia ocupa um lugar de destaque, com o objectivo de fomentar a sua integração em redes térmicas urbanas e industriais.

A energia geotérmica também figura na proposta da Comissão Europeia para a Lei da Indústria de Impacto Zero como uma das oito tecnologias estratégicas, reforçando o seu estatuto na transição energética europeia.

O anunciado Plano de Acção para as Bombas de Calor prevê, pelo menos, 10 milhões de bombas de calor adicionais até 2027 e 30 milhões até 2030. O plano incentivaria a utilização de bombas de calor geotérmicas de pequena e grande dimensão em edifícios, sistemas de aquecimento e arrefecimento e na indústria.

TENDÊNCIAS E FUTURO DA GEOTERMIA

Segundo o relatório “O Futuro da Energia Geotérmica”, divulgado pela Agência Internacional de Energia (AIE), esta fonte renovável poderia suprir 15% do crescimento da procura mundial global por electricidade até 2050, caso os custos dos projectos continuem a diminuir. “Isto significaria a implantação de até 800 gigawatts de capacidade geotérmica em todo o mundo, gerando uma produção anual equivalente à procura actual de electricidade dos Estados Unidos e da Índia juntos”, explica a AIE.

Embora a geotermia convencional continue limitada a regiões com alta actividade geológica — como Estados Unidos, Islândia, Indonésia, Turquia, Quénia e Itália —, novas tecnologias estão a expandir o seu alcance a países sem tradição geotérmica, tornando o seu potencial verdadeiramente global.

Voltando ao contexto europeu, o sector aguarda a definição de uma estratégia clara para a geotermia. Em Janeiro de 2024, o Parlamento Europeu aprovou por larga maioria (531 votos a favor e apenas 2 contra) uma resolução que exige à Comissão Europeia a criação dessa mesma estratégia.

Em Dezembro, o Conselho da União Europeia emitiu conclusões que reforçam a geotermia como fonte estável de calor e electricidade e solicitou à Comissão e aos Estados‑Membros um plano de acção europeu com medidas concretas, tais como a simplificação de licenças, acesso a financiamento, formação profissional e criação de uma “Aliança Geotérmica Europeia”.

INVESTIR NA GEOTERMIA: BENEFÍCIOS E OPORTUNIDADES

Ainda que fique à vista a pouca expressão da energia geotérmica na matriz energética europeia, esta fonte de energia tem um potencial cada vez mais reconhecido. Tendo presente o contexto da transição energética europeia, a energia geotérmica é vista como uma fonte de energia renovável duradoura, económica e independente das condições climatéricas. Isto porque, ao contrário da energia solar ou eólica, que dependem de condições meteorológicas variáveis, a energia geotérmica encontra-se disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano. Para além disso, os custos operacionais são relativamente baixos, ainda que os investimentos iniciais sejam elevados.

De acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável, a energia geotérmica “pode ajudar a estabilizar as redes eléctricas, compensando parcialmente os riscos relacionados com a rápida implantação de energias renováveis variáveis, principalmente eólica e solar”.
Como fonte de calor, a energia geotérmica tem baixos custos operacionais, oferece ganhos de eficiência ao fornecer calor directamente e pode ser expandida de acordo com as necessidades. Como fonte de electricidade, a energia geotérmica oferece uma elevada eficiência da central, baixas emissões de gases com efeito de estufa e uma pequena pegada ecológica.

Além disso, a IRENA explica que a exploração da energia geotérmica apresenta uma oportunidade para recuperar minerais como o lítio, a sílica, o zinco, o manganês, bem como diversos elementos de terras raras, a partir de salmouras geotérmicas. “A extracção e comercialização de lítio, utilizado em baterias, pode ser uma forma de financiar projectos geotérmicos. Além disso, a obtenção de lítio a partir de salmouras geotérmicas é mais ecológica do que a produção tradicional de lítio a partir de lagos salgados secos ou a mineração em rocha dura”, acrescenta a agência.

De acordo com o Conselho Europeu de Energia Geotérmica (EGEC), a energia geotérmica é capaz de fornecer cerca de 25% da procura de aquecimento e refrigeração na Europa e cerca de 10% das necessidades de electricidade. No entanto, a organização considera que o potencial real da energia geotérmica é “difícil de avaliar devido à natureza fragmentada das estatísticas sobre a energia geotérmica e ao mapeamento insuficiente dos recursos geotérmicos”.

OBSTÁCULOS QUE TRAVAM O CRESCIMENTO DA GEOTERMIA

Apesar destas vantagens, a energia geotérmica enfrenta barreiras que podem ajudar a explicar a sua subutilização, tanto a nível europeu como mundial. Um dos principais desafios reside nos elevados custos iniciais de investimento, especialmente no que toca às fases de prospecção e perfuração. Contrariamente a outras renováveis, como a energia solar ou eólica, a exploração da energia geotérmica exige prazos de desenvolvimento de projectos mais longos, sendo que o retorno do investimento é mais incerto numa fase inicial. A dificuldade de acesso a mecanismos de financiamento acaba por agravar este quadro, quer seja para a geração de electricidade ou para o aquecimento.
Outro entrave ao crescimento da geotermia prende-se com as estruturas regulamentares complexas e fragmentadas. A nível europeu, muitos países não possuem uma legislação específica e clara para projectos geotérmicos, o que resulta em longos procedimentos de licenciamento morosos.

NÚMEROS SOBRE A ENERGIA GEOTÉRMICA
1GW de capacidade líquida de electricidade geotérmica da UE em 2022
395 sistemas de aquecimento geotérmico distrital em operação até ao final de 2022
0,5% da electricidade gerada a partir de energias renováveis na UE em 2024
No primeiro trimestre de 2025, a energia geotérmica representou 0,5% da electricidade gerada a partir de energias renováveis
Fonte: Eurostat

A carência de profissionais qualificados constitui um desafio crescente, num momento em que o sector procura expandir-se. Para além disso, a aceitação pública é outro factor limitante, principalmente devido à informação restrita sobre a tecnologia geotérmica e às preocupações com o uso do solo, impactes ambientais e efeitos sísmicos associados à perfuração.

Embora estes entraves sejam uma realidade, de acordo com o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), existem estratégias capazes de permitir o crescimento do sector geotérmico:

  • aproveitar quadros regulamentares benéficos e interligar as redes eléctricas regionais para permitir que países com elevado potencial exportem electricidade geotérmica;
  • aumentar as sinergias com a produção de hidrogénio renovável para fazer face aos custos dos projectos;
  • melhorar a eficiência da produção de electricidade a partir de recursos geotérmicos de média temperatura, de modo a evitar perfurações profundas com risco associado.

Além disso, políticas públicas de incentivo ao investimento, programas de formação técnica especializada e iniciativas de educação pública e transparência podem desempenhar um papel decisivo na valorização e aceitação social da energia geotérmica.

EGEC: A VOZ DA GEOTERMIA NA EUROPA

A EGEC – European Geothermal Energy Council, em português Conselho Europeu de Energia Geotérmica, é a principal associação que representa o sector da energia geotérmica na Europa. Fundada em 1998 e sediada em Bruxelas, esta organização promove o desenvolvimento da energia geotérmica como uma fonte limpa, renovável, sustentável e acessível.

A associação reúne mais de 120 membros de mais de 30 países, incluindo empresas do sector energético, universidades, centros de investigação, autoridades públicas e associações nacionais.

A EGEC actua como porta-voz do sector geotérmico junto das instituições europeias, nomeadamente a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e os Estados-Membros, influenciando políticas públicas, estratégias energéticas e programas de financiamento.

As suas principais actividades incluem advocacy e influência política, produção de dados de mercado (como o Geothermal Market Report), apoio à investigação e inovação, e organização de eventos como o European Geothermal Congress, considerado o maior evento europeu dedicado à geotermia.

A EGEC trabalha transversalmente em todas as aplicações da energia geotérmica, desde a geotermia superficial (usada em edifícios e redes de aquecimento urbano) até à geotermia profunda, usada na produção de electricidade e calor a nível industrial.

Com o apoio político a consolidar-se, e o avanço da tecnologia, a geotermia poderá deixar de ser encarada como uma solução de nicho e tornar-se num dos protagonistas da transição energética. A resposta europeia já começou a tomar forma, através de iniciativas legislativas, metas ambiciosas e o reconhecimento da geotermia como tecnologia estratégica. Contudo, o caminho será longo e exige esforço político para que os planos saiam do papel. Aguardemos os próximos capítulos.

Em que consiste a geotermia

Mas do que se trata, afinal, a geotermia? Sucintamente, consiste no calor gerado na crosta terrestre como resultado da formação do planeta e da decomposição radioactiva dos minerais ali presentes. Através de perfurações, é possível aceder à energia térmica armazenada nas rochas e fluidos no centro da Terra e trazê-la à superfície para utilizar a energia contida no fluido.

Esta energia pode ser aproveitada de diferentes formas: para produzir electricidade, para aquecimento urbano, para uso industrial ou até aquecimento de águas e edifícios.

A forma como se acede a esse calor depende da profundidade e temperatura do recurso geotérmico. De acordo com o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), em média, a temperatura aumenta cerca de 25 °C por quilómetro de profundidade, um fenómeno conhecido como gradiente geotérmico. Com base nisso, os recursos são classificados em três níveis: geotermia rasa (até 500 metros), usada com bombas de calor em edifícios e pequenas redes de calor; geotermia de média profundidade, que pode abastecer redes de aquecimento urbano; e geotermia profunda, capaz de gerar electricidade a partir de vapor natural ou fluidos aquecidos a altas temperaturas.

As tecnologias por detrás da geotermia

Existem diversas tecnologias geotérmicas, com diferentes níveis de maturidade. De acordo com o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), as temperaturas entre os 40 °C e os 150 °C são ideais para o aquecimento urbano, enquanto para a geração de electricidade são necessários recursos de média a alta temperatura.

Os sistemas de aquecimento urbano geotérmico incluem uma instalação central de produção de calor, uma rede de tubagens para distribuição e permutadores de calor nos edifícios para transferir calor geotérmico para espaços interiores e sistemas de água quente. O calor é extraído do subsolo através de bombas de calor ou outras tecnologias. Alguns sistemas que utilizam recursos geotérmicos de superfície operam com grandes bombas de calor, capazes de aumentar as temperaturas para além dos 80 °C, sendo utilizados tanto para habitação como para aplicações industriais. (Estes sistemas podem ser pequenos, de 0,5 a 2 megawatts térmicos (MWth), e maiores (50 MWth), em que MWth é a energia de entrada necessária.)

A geração de electricidade a partir da energia geotérmica envolve o aproveitamento do calor armazenado abaixo da superfície da Terra e a sua conversão em energia eléctrica. As centrais geotérmicas utilizam fluidos de reservatórios subterrâneos para produzir vapor, que depois acciona turbinas para gerar electricidade. (Os três principais tipos de tecnologias geotérmicas são o vapor seco, o vapor flash e o ciclo binário.)

Fonte: Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS)

 

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