Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2025 da Edifícios e Energia.
Este tema transporta-nos para a vivência dos anos em que se começou a dar importância e reconhecimento às múltiplas vantagens que as novas tecnologias emergentes foram paulatinamente integrando nos novos edifícios e, também em alguns casos, nos edifícios existentes sujeitos a renovação.
Recordemos seguidamente um pouco de história, as datas e a evolução dos conceitos emergentes:
O conceito Sistema de Gestão Técnica Centralizada (SGTC) foi implementado em Portugal desde, pelo menos, os anos 70. Empresas especializadas começaram a desenvolver soluções para monitorizar e otimizar o funcionamento dos edifícios, reduzindo custos e melhorando a eficiência energética.
Já o conceito Sistema de Gestão de Edifício, conhecido como Building Management System (BMS), ou também como Building Automation System (BAS), evoluiu ao longo das últimas décadas com o avanço da automação e da Internet das Coisas (IoT). Embora não haja uma data exata de início, a ideia de edifícios inteligentes começou a ganhar força nos anos 80 e 90, com sistemas de automação para controlo de iluminação, climatização e segurança.
Em Portugal, por força do novo quadro legislativo relativo aos edifícios – Decreto-Lei n.º 101/2020(1) (1), passou a prevalecer a designação de Sistema de Automação e Controlo do Edifício (SACE).
SISTEMA DE GESTÃO TÉCNICA CENTRALIZADA NOS EDIFÍCIOS (SGTC)
Revisitando o tema, não resisto à tentação de contar uma pequena história sobre um momento hilariante que ocorreu num passado recente, mas já há um bom par de anos, que presenciei durante uma apresentação dedicada à implementação de sistemas de gestão técnica centralizada em edifícios (SGTC). Esta apresentação esteve a cargo de um técnico operacional, que demonstrava possuir experiência em múltiplos e variados edifícios. A propósito de um caso de estudo que o técnico estava a apresentar, ao descrever os vários componentes do sistema, em determinada passagem, salientou com muita convicção que o dispositivo mais importante para provocar a poupança de energia seria, sem dúvida, um interruptor, pois na sua opinião ter-se-ia assim a certeza de que não haveria consumo de energia e corresponderia assim a uma poupança efetiva de energia, acabando ainda por concluir: – No poupar é que está o ganho! – E nós, perante uma conclusão tão primária pudemos e continuaremos a replicar a conhecida expressão, que é usual aparecer em filmes ou séries policiais, e legitimamente afirmar:
– Elementar, meu caro Watson!
A conclusão acima proferida, do ponto de vista financeiro, é um facto, no entanto, nos edifícios há muito mais aspetos a considerar.
– Aonde está a Qualidade do Ambiente Interior?
Para melhor exemplificar, hoje tomamos a liberdade de extrair parte do texto do discurso inaugural proferido pelo presidente eleito para o ano da sociedade ASHRAE SY 2025-26, Bill McQuade (2): “Hoje, o conceito de abrigo vai além de um simples telhado e quatro paredes. São os hospitais onde nascemos, as casas que habitamos, as escolas onde aprendemos e os edifícios onde trabalhamos. Um abrigo adequadamente projetado prioriza aspetos da qualidade ambiental interior — garantindo boa qualidade do ar, conforto térmico adequado, iluminação e acústica apropriadas, bem como acesso a água potável — que são fundamentais para a saúde e o bem-estar”.

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NOS EDIFÍCIOS (SMART BUILDINGS)
Vejamos a evolução que ocorreu com a introdução da inteligência artificial nos edifícios, que está a revolucionar a forma como utilizamos/consumimos e gerimos a energia. Aqui estão alguns tópicos que dão conta de importantes avanços e que acabarão por ser certamente dominantes:
• Autossuficiência energética – Edifícios inteligentes estão a incorporar painéis solares, baterias e sistemas de cogeração para reduzir a dependência da rede elétrica;
• Armazenamento de energia – Tecnologias como baterias de íon-lítio e sistemas de armazenamento térmico permitem que edifícios armazenem energia para uso posterior, aumentando a eficiência;
• Gestão de energia – Sensores e inteligência artificial ajudam a otimizar o uso de energia, ajustando iluminação, climatização e equipamentos conforme a ocupação e necessidades;
• Eficiência energética – Edifícios inteligentes utilizam automação para reduzir desperdícios, garantindo que apenas a energia necessária seja utilizada e efetivamente consumida.
Analisemos dentro desta temática, e numa perspetiva macro, cada um dos conceitos acima referidos e a sua aplicabilidade:
AUTOSSUFICIÊNCIA ENERGÉTICA
O recente apagão que assolou o país, em 28 de abril passado, veio expor a nu a fragilidade do nosso sistema energético, não só em Portugal e Espanha, mas também noutros países da Europa. Este foi um enorme apagão que deixou milhões sem eletricidade e particularmente em Espanha e Portugal milhares, tendo causado o caos nestes dois países.
Uma síntese do que se passou e que se regista para memória futura: autoridades de Portugal e Espanha disseram no dia seguinte que “não havia indícios de que um ataque cibernético tivesse provocado o apagão do dia anterior. A causa do apagão ainda é desconhecida, e está a ser investigada pelas autoridades. O governo espanhol negou indícios de ataques cibernéticos, mas disse que está a investigar ‘todas as possibilidades’”.
A operadora espanhola de eletricidade Red Eléctrica disse que dois eventos consecutivos, com um segundo entre si, provocaram os apagões — e afirmou que não houve indícios de erro humano.
A empresa não detalhou o que seriam os eventos. O diretor de serviços operacionais da companhia, Eduardo Prieto, disse que a rede elétrica conseguiu recuperar do primeiro evento, mas não do segundo.
Ele disse também que a Red Eléctrica conseguiu reestabelecer a luz com uma operação de turbinas de gás e vapor.
Ashish Khanna, que dirige a Aliança Solar Internacional (ISA, na etimologia em inglês), nega responsabilidade de energias renováveis no apagão (3) – “Não acredito que esteja provado que os apagões em Espanha e em Portugal tenham sido causados sobretudo por programas de energias renováveis”. O diretor-geral desta aliança de 123 países, liderada pela França e pela Índia, sublinhou que, embora a investigação esteja em curso, publicações de prestígio mostram que o apagão se deveu a fatores mais técnicos, “especialmente relacionados com a transmissão e escoamento de energia”.
A Rede Europeia de Gestores de Redes de Transporte de Eletricidade anunciou a criação de um comité para investigar as causas deste apagão, que classificou como “excecional e grave”, e que deixou Portugal e Espanha às escuras.
Este painel de peritos terá de elaborar um relatório factual que constituirá a base do relatório final até o prazo máximo de 28 de outubro deste ano. O relatório final sobre a investigação do incidente deverá ser publicado, o mais tardar, até 30 de setembro de 2026.
Khanna defendeu que o armazenamento de energia e o desenvolvimento de uma infraestrutura adequada de transmissão são vitais para evitar apagões ligados aos períodos de ausência de geração de energia solar.
A Índia “implementou uma proporção muito maior [do que a Europa] de energia solar renovável, com quase 100 gigawatts já instalados. A China está a multiplicar este número, e não há apagões causados pela energia solar”, sublinhou. “São apenas exemplos de que não é o problema principal”, acrescentou Khanna.
A REN – Redes Energéticas Nacionais decidiu, entretanto, aumentar o limite das importações de eletricidade de Espanha nas horas de sol e retirar as restrições em vigor para as restantes, na sequência do apagão de abril.
Estas medidas implementadas pela gestora das redes elétricas fazem parte do processo de estabilização em curso do mercado ibérico de eletricidade (MIBEL), após o corte generalizado no abastecimento elétrico em 28 de abril, que deixou Portugal e Espanha praticamente sem eletricidade, bem como uma parte do território de França.
Após este apagão, os governos de Portugal e Espanha pediram logo em maio à Comissão Europeia um “compromisso político e financeiro firme” para avançar com interconexões entre a Península Ibérica e o resto da União Europeia (UE).
O anteriormente descrito vem evidenciar a importância de se providenciar, em cada país, sistemas de armazenamento de energia.
ARMAZENAMENTO DE ENERGIA
O armazenamento eficiente de energia reconhece-se como sendo um pilar fundamental da transição energética, pois permitirá flexibilizar a produção de energia renovável e garantir a sua integração no sistema. Deverão, pois, ser analisados quais os sistemas de armazenamento mais eficientes e qual deles poderá promover, com mais força, a tão necessária transição para um sistema elétrico descarbonizado.
A energia elétrica pode ser facilmente gerada, transmitida e transformada. Porém, até agora não foi possível armazená-la de forma prática, fácil e barata. Isto implica que a energia elétrica deva ser sempre gerada em conformidade com a procura e, consequentemente, as energias renováveis precisarão de apoio dos sistemas de armazenamento para se integrarem, evitarem descargas de energia limpa em períodos de necessidade mínima e darem maior eficiência e segurança ao sistema elétrico.
Num mundo em plena transição das energias fósseis para as fontes renováveis, como a energia eólica e a solar, uma melhoria do armazenamento de energia elétrica seria de vital importância para suportar estas tecnologias, garantindo que os sistemas de rede estejam equilibrados e contribuindo para aproveitar ao máximo cada megawatt verde gerado.
Como tal, não podendo a energia elétrica ser armazenada, será necessário transformá-la em outros tipos, como é o caso das energias mecânica ou química. Os sistemas de armazenamento podem conferir um valor agregado a todos os elos da cadeia de fornecimento.
Dependendo da sua capacidade, os sistemas de armazenamento de energia podem ser divididos em:
• Armazenamento em grande escala, utilizado em lugares onde se trabalha com escalas de GW;
• Armazenamento em redes e ativos de geração, onde se trabalha com escalas de MW;
• Armazenamento a nível do utilizador final, quando se está perante níveis residenciais e com escalas de kW.
AS TECNOLOGIAS DE ARMAZENAMENTO ENERGÉTICO
As tecnologias de armazenamento de energia são fundamentais para otimizar o uso de energia renovável e garantir uma rede elétrica mais estável. Elas abrangem desde sistemas em grande escala, como o armazenamento hidrelétrico, até soluções mais compactas e específicas para uso doméstico, como as baterias.
São várias as tecnologias e modos de armazenamento de energia:
• Baterias:
São dispositivos eletroquímicos que armazenam energia elétrica em forma química, libertando-a quando necessário. As baterias de íon-lítio são as mais comuns devido à sua alta densidade de energia e longa vida útil;
• Armazenamento térmico:
Armazena calor em materiais específicos, que podem ser utilizados posteriormente para geração de energia elétrica ou outros processos;
• Armazenamento mecânico:
Utiliza mecanismos físicos, como volantes de inércia ou ar comprimido, para armazenar energia cinética;
• Armazenamento hidroelétrico:
A energia é armazenada, elevando a água a um reservatório, que é disponibilizada posteriormente para gerar eletricidade;
• Armazenamento de energia magnética:
Utiliza campos magnéticos para armazenar energia, especialmente em materiais supercondutores.;
• Ar comprimido:
Armazena ar comprimido em reservatórios, que pode ser expandido para gerar energia ou outros processos.
Vejamos as aplicações e vantagens do armazenamento:
• Estabilização da rede elétrica:
As tecnologias de armazenamento de energia ajudam a compensar a intermitência das fontes renováveis, como a solar e a eólica, garantindo um fornecimento de energia contínuo;
• Gestão das necessidades e da procura:
Permitem armazenar energia em períodos de baixa procura e libertá-la quando a procura é alta, evitando a sobrecarga da rede;
• Sistemas fora da rede (off-grid):
As tecnologias de armazenamento de energia são essenciais para sistemas de energia fora da rede, como casas, habitações unifamiliares, prédios multifamiliares ou comunidades em áreas remotas;
• Redução de custos:
O uso de tecnologias de armazenamento de energia pode reduzir os custos de geração e distribuição de energia, especialmente em sistemas renováveis;
• Sustentabilidade:
As tecnologias de armazenamento de energia contribuem para a transição energética, permitindo um uso mais eficiente e sustentável das fontes de energia.
e também alguns exemplos específicos:
• Sistemas BESS (Battery Energy Storage Systems):
Sistemas de armazenamento em bateria para armazenamento de energia elétrica em grande escala;
• Armazenamento por bombagem hidráulica:
Armazenamento de energia em grande escala, utilizando o mecanismo de bombeamento de água entre reservatórios;
• Armazenamento de ar comprimido:
Sistema que armazena ar comprimido em cavernas subterrâneas ou tanques.
Salienta-se, porém, que as tecnologias de armazenamento de energia estão em constante evolução e desenvolvimento, prometendo um futuro mais sustentável e eficiente na gestão da energia.
GESTÃO DE ENERGIA
Compreenderá o uso de sistemas que integram softwares e sensores para monitorizar e controlar o uso de energia, água e gás em tempo real.
Estes sistemas permitem também identificar desperdícios e ajustar consumos e o uso da Inteligência Artificial ajudará a otimizar o uso de energia, ajustando a iluminação, climatização e equipamentos conforme a ocupação e necessidades. O objetivo é reduzir custos e melhorar a eficiência energética.
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
A construção e a gestão de edifícios sustentáveis contribuem para a redução de emissões de gases de efeito estufa, a conservação de recursos naturais e a promoção de espaços mais saudáveis e confortáveis.
Podemos, em síntese, afirmar que a Eficiência Energética e a Gestão de Energia nos Edifícios são elementos essenciais para a Sustentabilidade, apresentando diversos benefícios, nomeadamente uma forte contribuição para a minimização do impacte ambiental, a economia de custos operacionais, o reconhecimento do valor de mercado efetivo e correspondente valorização patrimonial, quer no presente, quer numa eventual futura transação, a promoção de um ambiente mais saudável e confortável para os ocupantes e a melhoria da qualidade de vida.
A Eficiência Energética e a Gestão de Energia nos edifícios são, pois, os temas centrais da Sustentabilidade e isso mesmo vem sendo reconhecido há muito pela União Europeia (UE) e pelos países membros.
A REGULAMENTAÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Aqui chegados, importa referir que a utilização da Inteligência Artificial na UE é regulada pela Lei da IA, a primeira lei abrangente do mundo sobre a IA. Para uma melhor e mais completa informação e compreensão desta regulamentação, poderemos observar como esta lei nos protege. Dada a extensão do documento, aconselha-se a navegação no portal do Parlamento Europeu. (4)
IMPLEMENTAÇÃO
O Parlamento criou um grupo de trabalho para supervisionar a implementação e a aplicação do regulamento sobre a Inteligência Artificial (IA), uma vez que os eurodeputados querem garantir que as regras de IA adotadas contribuam para o desenvolvimento do setor digital na Europa.
O grupo coopera com o Gabinete da Comissão Europeia para a IA (5), que foi criado para esclarecer as disposições-chave da legislação nesta matéria.
CALENDÁRIO DE CUMPRIMENTO DA LEI DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL DA UE
Em junho de 2024, a UE adotou as primeiras regras mundiais sobre a inteligência artificial. O Regulamento relativo à Inteligência Artificial (IA) será aplicável, na íntegra, 24 meses após a sua entrada em vigor. Algumas das suas disposições serão aplicáveis antes desse período, incluindo:
• a proibição dos sistemas de IA que apresentem riscos inaceitáveis começou a ser aplicada a partir de 2 de fevereiro de 2025;
• os códigos de prática serão aplicáveis nove meses após a entrada em vigor da legislação;
• as regras sobre sistemas de IA de uso geral que precisam de cumprir os requisitos de transparência serão aplicáveis 12 meses após a entrada em vigor.
AS NOVAS REGRAS
As novas regras estabelecem obrigações para os fornecedores e utilizadores em função da classificação do nível de risco da IA. Embora muitos sistemas de IA representem um risco mínimo, é necessário avaliá-los.
A classificação que referimos sucintamente estende-se desde risco inaceitável (aplicações de IA proibidas na UE) a risco elevado (sistemas de IA que afetam negativamente a segurança ou os direitos fundamentais).
Note-se que os sistemas classificados de risco elevado dispõem de mais tempo para cumprir os requisitos, uma vez que as obrigações que lhes dizem respeito serão aplicáveis 36 meses após a entrada em vigor da legislação sobre Inteligência Artificial.
E AGORA?
Aqui chegados, temos de aguardar o que vai acontecer, pois vamos ser confrontados, muito provavelmente, com propostas consistentes, umas verdadeiras e também com propostas que poderão ser perigosamente falsas.
O golpe com inteligência artificial já anda por aí e é uma fraude sofisticada, em que os golpistas utilizam a tecnologia para enganar, manipular ou explorar os indivíduos, ou até mesmo organizações.
Ainda que existam diferentes modalidades, basicamente esse tipo de ação criminosa consiste no uso da IA para criar textos, manipular dados ou até mesmo desenvolver áudios e/ou vídeos, usados como ferramentas de convencimento.
Quanto mais a tecnologia avança e expande as suas possibilidades, a tendência é que mais golpes elaborados sejam criados — aumentando também a necessidade de ficarmos todos atento a eles.
Teremos todos de estar permanentemente com redobrada atenção!
Referências
(1) https://files.dre.pt/1s/2020/12/23701/0002100045.pdf
(2) https://www.ashrae.org/about/leadership/ashrae-board-of-directors
(3) https://cnnportugal.iol.pt/eletricidade/espanha/alianca-solar-internacional-nega-responsabilidade-de-energias-renovaveis-no-apagao/20250520/682c1fdfd34ef72ee44631a6
(4) https://www.europarl.europa.eu/topics/pt/article/20230601STO93804/lei-da-ue-sobre-ia-primeira-regulamentacao-de-inteligencia-artificial
(5) https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/ai-office
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.
Fotografia de destaque: © Unsplash









