O Centro Comum de Investigação (CCI) da Comissão Europeia publicou o relatório “The persistence of energy poverty in the EU” (em português, “A persistência da pobreza energética na União Europeia”). O objectivo principal é analisar a duração e a magnitude da pobreza energética ao longo do tempo e identificar os factores socioeconómicos e demográficos que contribuem para esta persistência. 

De acordo com o documento, a pobreza energética persistente caracteriza-se por “uma situação em que um agregado familiar sofre de pobreza energética durante um período prolongado, normalmente medido ao longo de vários anos. Indica uma incapacidade crónica de satisfazer as necessidades energéticas básicas e não uma dificuldade financeira temporária”. Em contrapartida, a pobreza energética transitória descreve “uma experiência temporária de pobreza energética, possivelmente influenciada por flutuações de curto prazo no rendimento, nos custos da energia ou noutras alterações circunstanciais”. 

Ao utilizar dados longitudinais das Estatísticas do Rendimento e das Condições de Vida da União Europeia (EU-SILC), o estudo avalia o impacto de factores a nível individual (sexo, idade e alterações na dimensão do agregado familiar). Para além disso, examina também variáveis a nível macro, como as despesas com a protecção social e a intensidade energética por habitação. 

A investigação destaca a proporção significativa da população da UE que vive em situação de pobreza energética de forma persistente e constata diferenças acentuadas entre os Estados-Membros, com alguns países a apresentarem taxas mais elevadas de pobreza energética de longa duração: “a persistência da pobreza energética é um facto em todos os países da UE, com países como a Bulgária, a Lituânia e a Grécia a registarem taxas mais elevadas de pobreza energética persistente. Na Bulgária e na Grécia, mais de 10% da população era persistentemente pobre em energia de acordo com os indicadores examinados no estudo”. 

Quase metade dos indivíduos classificados como pobres em energia em 2020 tinham sido persistentes durante o período 2017-2020 na UE. O estudo sublinha que esta estatística demonstra a vulnerabilidade persistente de certos segmentos da população à pobreza energética, “uma situação exacerbada pelas disparidades socioeconómicas e ineficiências na habitação e no consumo de energia”.   

A persistência da pobreza energética em Portugal 

Para apresentar a realidade portuguesa, o relatório “The persistence of energy poverty in the EU” baseia-se num estudo de Marc Sebastian Winkler, focado nesta problemática no nosso país. Este estudo demonstra que, utilizando os dados longitudinais do EU-SILC para o período 2017-2020, cerca de 16,5% da população portuguesa não conseguiu, de forma crónica, manter a casa adequadamente quente. Os resultados da análise indicam ainda que existem diferenças inter-regionais: “a natureza transitória da pobreza energética é mais evidente na Madeira, enquanto que eventos como nascimento de filhos, mortes, choques no emprego e no rendimento são menos susceptíveis de aumentar o risco de entradas na pobreza energética”, indica o estudo. Por outro lado, o rendimento disponível equivalente do agregado familiar, a composição e nível educacional mais elevado do agregado familiar são os principais factores que afectam as probabilidades de transição entre os estados de pobreza energética em Portugal. 

No que diz respeito às condições de habitação, a proporção de indivíduos que tiveram uma fuga, humidade ou apodrecimento nas suas habitações durante pelo menos um ano entre 2017 e 2020 foi ligeiramente inferior a 30% no conjunto da UE. Em Portugal, esta percentagem era superior a 40%. 

Pobreza energética persistente: “desafio complexo” 

No relatório foram reconhecidas limitações devido a restrições de dados, como a falta de informações relativas a países e anos específicos, o que restringiu a análise de indicadores baseados nas despesas e em determinadas características sociodemográficas. 

Contudo, o estudo conclui que a pobreza energética persistente é “um problema complexo influenciado por factores individuais, familiares e nacionais”. Embora a persistência da pobreza energética seja muito inferior à taxa de risco de pobreza persistente na UE, quase um quinto da população da UE não conseguiu manter a sua casa adequadamente aquecida durante pelo menos um ano no período de 2017-2020. Os números relativos aos atrasos nas facturas de serviços públicos foram de cerca de 15% e pouco menos de 30% da população da UE teve de lidar com uma fuga, humidade ou podridão nas suas habitações.  

A pobreza monetária persistente e os pesados encargos com a habitação aumentam significativamente o risco de pobreza energética crónica. Segundo o estudo, o aumento da despesa pública em benefícios de exclusão social e subsídios de habitação pode reduzir este risco.   

O relatório termina com uma série de possíveis intervenções políticas que poderiam garantir “uma resposta abrangente e justa à pobreza energética”: o reforço do apoio financeiro aos grupos vulneráveis, complementado por investimentos em eficiência energética; a melhoria da eficiência energética dos edifícios através de apoio financeiro directo para renovações; a integração da pobreza energética na política social e elaboração de políticas inclusivas, envolvendo os cidadãos neste processo; a normalização e desagregação de indicadores em toda a UE; a adopção de indicadores personalizados de pobreza energética; a promoção de fontes de energia sustentáveis e da inclusão dos agregados familiares com baixos rendimentos na transição energética. 

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